Análise: Star Wars Jedi: Fallen Order é um sopro de esperança pelo futuro dos jogos single-player

Depois de todas as polêmicas envolvendo o lançamento de Battlefront II, com a presença das infames lootboxes e a revolta dos jogadores, a promessa de um novo jogo ambientado no universo de Star Wars, ainda sob o domínio da EA, levantou uma desconfiança justificada por parte do público de que o resultado não seria dos melhores. Para piorar tal situação, o título misterioso, desenvolvido pela Respawn, recebeu uma divulgação discreta, que pouco entregava como o jogo seria de fato. Foi apenas com o lançamento de Star Wars Jedi: Fallen Order, no dia 15 desse mês, que pudemos enfim conferir o que a obra nos reservava. E, é preciso admitir – o resultado foi uma gratificante surpresa.

[Aviso: essa análise contém spoilers leves sobre o desenvolvimento do protagonista Cal Kestis; não há revelações sobre o enredo do jogo]. 

 

Nem sempre é preciso reinventar a roda

Fallen Order se constrói em torno de uma campanha single-player, fortemente apoiada em sua narrativa. Esqueça os componentes online e o medo de precisar abrir a carteira para conseguir itens adicionais ­– o jogo tem começo, meio e fim e os únicos itens premium existentes são algumas skins para o sabre de luz exclusivas de quem adquiriu a pré-venda (definitivamente nada que vá impactar sua experiência com o jogo).

Quando observamos a jogabilidade de Fallen Order mais de perto, é notável que não há nenhuma grande inovação. Pelo contrário, vemos influências explícitas de outros títulos dessa geração, que foram inteligentemente incorporadas pela Respawn e repropostas dentro da temática do universo de Star Wars. O combate é, basicamente, o mesmo de Sekiro; as sequências de plataforma e de ação lembram bastante Uncharted; não há como não pensar em Tomb Raider durante os momentos de puzzles e explorações de tumbas; e o modelo de mundo semiaberto, que permite um avanço gradual, é o mesmo utilizado mais recentemente em God of War.

Essa colcha de retalhos, se mal executada, poderia resultar em algo desastroso, mas esse não é o caso aqui. O jogo consegue manter-se interessante do começo ao fim e performar bem em cada um desses segmentos. É fato, no entanto, que em momento algum ele consegue superar a maestria dos títulos que muito provavelmente o serviram de inspiração, ou reinventar alguma dessas mecânicas, mas é importante frisar que o material entregue é bastante honesto e satisfatório. Sim, algumas coisas poderiam ter sido melhor polidas aqui e ali (falo disso adiante), mas Fallen Order é coeso e se sustenta por conta própria, nos fazendo lembrar que, muitas vezes, é melhor receber um arroz com feijão bem feito do que uma inovação gastronômica que pode acabar não agradando ao paladar.

 

Dificuldade elevada não é a solução mágica para todos os problemas

Apesar da grata surpresa com os pontos positivos de Fallen Order, precisamos ser honestos: nem tudo é perfeito ao longo da aventura de Cal e BD-1. A opção por incorporar um combate mais tático, fugindo da dinâmica de apenas esmagar os botões para seguir adiante, é bem-acertada à primeira vista, mas parece ter sido utilizada, em parte, para mascarar um dos principais problemas do jogo – a quantidade limitada de inimigos.

Fallen Order oferece um conjunto modesto de inimigos novos a cada planeta visitado e, como o modelo de mapas utilizado vai te fazer ir e voltar nesses lugares várias vezes, chegará um momento do jogo em que você simplesmente vai ter decorado todos os padrões e o posicionamento de cada um de seus adversários. Na busca por itens escondidos, em várias ocasiões eu já sabia: uma aranha vai pular em mim quando eu virar aquela esquina, mais à frente estarão três stormtroopers, um deles terá um lança-foguetes, etc. etc. É como se a escolha de deixar o jogo mais difícil pudesse tapar o buraco do não-tão-extenso catálogo de oponentes; se eu demoro mais para matar cada um deles, então não ficarei entediado tão rápido, certo? Infelizmente, na prática, não é bem assim que funciona.

Parece bobeira, mas o combate que, num primeiro momento aparenta ser a estrela do jogo, acaba se transformando em algo mecânico e repetitivo conforme as horas de jogatina se alongam. Algo simples, como colocar inimigos aparecendo aleatoriamente pelos mapas de tempos em tempos já ajudaria a amenizar tal situação, mas, na única vez em que isso acontece, o resultado mais atrapalha do que ajuda. Sim, eu estou falando dos caçadores de recompensa que vão aparecer do nada querendo te matar eventualmente – mesmo esses personagens são limitados e, uma vez que você já tiver matado todos os tipos e conseguido seu troféu, vai ficar de saco cheio vendo tais inimigos reaparecendo de novo, e de novo, e de novo, quando tudo o que você queria era apenas pegar aquele item que estava faltando e seguir adiante.

Um outro ponto que me incomodou bastante foram as recompensas colocadas nos baús. Um mundo construído nesse modelo, que incentiva a exploração, deveria ter benefícios melhores para aqueles que se dedicam a desbravá-lo. Existem apenas quatro tipos de itens que você encontra nos baús comuns: trajes para o Cal (que são apenas variações de cores e estampas do mesmo poncho e que não oferecem nenhum atributo), pinturas novas para a nave, skins para o BD-1 e peças para customizar a estética de seu sabre de luz. É tudo bem sem-graça e não há nenhum benefício real nessas recompensas. Os únicos baús que realmente valem a pena são os amarelos, que aumentam a capacidade de estimulantes que seu droid consegue carregar. Gostaria de ter visto coisas com mais impacto no gameplay, como, por exemplo, estimulantes extras para serem utilizados em momentos críticos, quando você está sem vida e longe de um ponto de meditação; quem sabe poções para recuperar a força; ou até mesmo pontos de experiência seriam bem-vindos, qualquer coisa menos um poncho cor-de-burro-quando-foge que eu nunca vou usar.

Também não dá para ignorar alguns problemas técnicos do jogo. A performance nas versões básicas dos consoles domésticos está bastante sofrida, com eventuais quedas de fps, travamentos e bugs aqui e ali, e o principal: longas telas de carregamento após o personagem morrer. Joguei na versão simples do PS4 e, como eu já contei no nosso guia de iniciante de Fallen Order, uma das minhas melhorias no sabre de luz simplesmente ficou bloqueada porque o jogo falhou em executar a cutscene que mostrava o Cal modificando a arma; só consegui acesso a ela bem mais adiante na história.

Outros detalhes que às vezes irritam são alguns segmentos de plataforma pouco polidos, como nas vezes em que o Cal se recusa a agarrar cordas, se prender em paredes ou pular das rampas, fazendo você cair de um precipício e morrer. Também não pude deixar de reparar como alguns personagens estão com uma modelagem bem meia-boca; enquanto Cal e os demais protagonistas são muito bonitos visualmente, existem alguns NPCs em situação oposta – nem preciso mencionar os pobres Wookies, não é mesmo? Agora, justiça seja feita: os gráficos dos planetas estão belíssimos, então se prepare para simplesmente ter vontade de parar e admirar a paisagem natural desses lugares de tempos em tempos.

 

Basta uma boa história para provar que o single-player não morreu

O grande trunfo de Fallen Order, no entanto, é a sua narrativa. É preciso reconhecer o acerto da Respawn nesse sentido. A escolha por localizar o jogo num momento crítico da trajetória dos Jedi foi o suficiente para dar peso à história de Cal Kestis e se tornar a espinha dorsal do gameplay apresentado. O fato de Cal não ter concluído seu treinamento foi a justificativa perfeita para introduzir um personagem fraco no início do jogo, sem grandes habilidades, e colocar o jogador como espectador dessa jornada para controlar a força e se tornar um cavaleiro Jedi conforme a história se desenrola. Precisamos reconhecer também o belíssimo trabalho do ator Cameron Monaghan, intérprete de Cal, que conseguiu entregar um personagem carismático, com camadas de complexidade, sem se tornar irritante ou forçado (igualmente dignas de elogio são as atuações da trupe que acompanha Cal e dos antagonistas do jogo).

O ponto alto da história, no entanto, fica na relação entre Cal e BD-1. Não se preocupe, o robozinho não está ali apenas como um acessório dispensável ou para vender bonecos depois. Todo o jogo é construído a partir do relacionamento entre os dois personagens e é justamente essa dinâmica que torna a obra tão cativante. Apesar de ser um robô, BD-1 é extremamente expressivo e foi responsável por entregar uma das cenas mais emocionantes de Fallen Order, que me deixou com os olhos cheios d’água – se você já chegou no planeta Ilum, sabe bem do que eu estou falando.

O cuidado com a lore de Star Wars também é notável. Houve um trabalho meticuloso ao reproduzir tantos elementos desse universo, com um arquivo repleto de informações para os fãs mais fervorosos da franquia e a representação de momentos marcantes vistos nos filmes, ambos feitos de uma forma simplesmente impecável. Mesmo a aparição daquele personagem superfamoso não é nada forçada e passa longe do fanservice; ela faz sentido dentro do enredo e é muito bem construída como parte da trajetória de Cal e seus amigos.

A grande surpresa de ver um jogo single-player de Star Wars se saindo tão bem acaba levantando algumas suspeitas sobre o porquê de algumas coisas terem saído da forma como saíram. Ao jogar Fallen Order, é claramente perceptível que muitos dos problemas apresentados são questões simples, que poderiam ter sido resolvidas com mais algumas semanas de polimento. Sim, sabemos que muito provavelmente a EA queria aproveitar o hype do novo filme da franquia, que chega em dezembro, mas, ainda assim, é quase como se o jogo tivesse sido lançado às pressas. Soma-se a isso a estranha campanha de divulgação da EA, que pouco fez questão de mostrar as grandes qualidades de Fallen Order (que só descobrimos quando o jogo havia sido lançado de fato), e a questionável política de enviar pouquíssimas cópias de avaliação do título para a mídia especializada ­– jornalistas e produtores de conteúdo de diversas partes do mundo relataram essa situação atípica. Arrisco-me a dizer que é quase como se a EA quisesse que o jogo fracassasse, para usar isso como justificativa para não investir mais no modelo single-player e continuar focada em títulos multiplayer, que oferecem bem mais oportunidades de monetização.

No entanto, apesar de um possível – e suposto, devo ressaltar – boicote interno, Fallen Order consegue entregar um resultado bastante consistente, mostrando que ainda há sim espaço para jogos single-player, principalmente quando eles são construídos tomando como base universos tão ricos como o de Star Wars. Sim, eu gostaria de ter visto a história avançar um pouco mais – apesar de ter um começo, meio e fim bem-amarrados, é quase como se ela fosse um grande e extenso prólogo para algo maior, ainda por vir –; mas, ainda assim, fiquei completamente envolvido com o jogo ao longo de toda a última semana e gostaria de ver mais de Cal, BD-1 e sua trupe de amigos futuramente.

Star Wars Jedi: Fallen Order foi um primeiro passo numa direção certa; fica a dúvida, agora, se a Respawn será autorizada a dar um segundo passo nessa mesma direção, ou se esse foi apenas um único suspiro de esperança em meio ao buraco negro da monetização excessiva, do pay-to-win e das lootboxes que tanto assombram essa indústria.

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Star Wars Jedi: Fallen Order está disponível para PS4, Xbox One e PC.