Análise: Wolfenstein II: The New Colossus é frenético e, melhor ainda, político

Videogames são um medium que te proporcionam uma experiência de várias formas, jeitos e sutilezas. Muito mais do que um filme, o jogo te transporta para algum lugar, seja fictício ou em algum ponto específico na história da humanidade; as maneiras de abordar o que uma história quer contar são basicamente gigantescas (pra não dizer infinitas, mesmo crendo que o termo se encaixa).

E nem todas essas histórias—principalmente aquelas que nós como seres humanos não deveriam se orgulhar—são felizes ou coisas boas. Quando um videogame propõe a retratar essas temáticas, o mínimo que se espera é um nível de autenticidade: não dá pra contar uma história de Nova Orleans em 1969 sem a problemática racial da época. Muito menos em uma realidade onde os nazistas ganharam a segunda guerra e fingir que está tudo bem.

Esses debates ecoam pra vida real. Wolfenstein II: The New Colossus é um jogo sobre revolução, de cutucar a ferida daqueles que se dizem superior por causa de sua cor de pele, de uma suposta soberania ariana, onde ninguém em sã consciência deveria se sentir ofendido ao dizer que nazis são nojentos. Não computa, nem entra na minha cabeça uma crítica fundamentada em que “Wolfenstein é um jogo esquerdista” porque você mata nazistas. Muito menos em que todos os alvos de B.J são brancos e isso, pra um seleto grupo de pessoas, é um problema.

Wolfenstein II lançou em um momento oportuno. Desde os eventos em Charlottesville até a eleição de um presidente norte-americano completamente duvidoso, jogos como esse ganham uma importância muito grande ao afetar o público alvo da grande maioria de quem joga videogame. Muito além de um nazi-killing simulator, Wolf 2 nos mostra como uma revolução funciona e quais são seus sacrifícios.

Viva lá revolución!

A história de New Colossus começa exatamente onde New Order termina. Blazkowicz está acabado, com as tripas de fora após uma intensa luta contra o general Deathshead e sua incarnação do que seria uma ode ao Mecha-Hitler do Wolfenstein 3D. Anya e o resto da resistência chegam para salvar B.J e levá-lo para mais uma longa e árdua recuperação. Não é de se surpreender que o corpo de B.J está fraco após outra intensa batalha contra uma horda interminável de nazistas; cinco meses foram necessários para nosso herói acordar de outro coma.

Blazko acorda num momento oportuno. O U-boat roubado pela resistência—chamado Eva’s Hammer—é localizado pelos nazis e cabe a ninguém mais limpar a área e se reerguer para mais uma luta. Numa das melhores sequências de abertura que já joguei num videogame, B.J não descansa mesmo em uma cadeira de rodas. Após todo o esforço, o submarino continua sendo constantemente atacado pelas tropas de Frau Engel—outra general do exército que assumiu o posto de Deathshead após sua morte.

B.J não vê outra saída e bola um plano para conseguir escapar da iminente mortalidade do ataque nazista. A partir daí, ele precisará assumir a liderança da revolução e tomar de volta sua terra natal. A América do Norte assina sua redenção após um atentado em Nova Iorque e se entrega ao Reich. Pelas ruas, comemoração e saudação à glória do exército vermelho que marcham em nome de uma liberdade distópica para os “bons cidadãos americanos”.

Não vai demorar muito para que os alemães encontrassem aliados poderosos na América: o grupo de supremacistas brancos, a Ku Klux Klan, logo se reuniria para “combater o terrorismo” e “assumir a postura de liderança do homem branco na América”. Embora pareça fantasia, o enredo do jogo é construído de modo que faz leves—muitas vezes descaradas—pinceladas com a vida real e na insurgência desses grupos à céu aberto com óbvios apoiadores no atual cenário social e político.

Toda cutscene consegue ser um espetáculo: desde cenas sérias que desenvolvem os personagens até famigerados alívios cômicos de humor duvidoso à lá Quentin Tarantino. Os plot twists, momentos que escancaram sua cara do início ao final fazem presença em toda a campanha de Wolf 2. Em particular, uma cena após a metade do game vai ser difícil de esquecer. New Colossus tem, facilmente, uma das melhores campanhas de jogo singleplayer desse ano.

Cada bala conta

Desde o New Order, B.J é uma máquina mortífera armada até os dentes. Em New Colossus, há alguns ajustes e novas mecânicas que ajudam a reafirmar intensamente esse gunplay: B.J agora pode segurar duas armas diferentes em cada mão, não deixando nazi sob nazi. Rifle de assalto em uma mão e shotgun com cano giratório na outra? Check. Apesar de ter sido uma mudança simples, foi algo essencial para mesclar novos elementos a um design tão satisfatório. Terror Billy faz jus ao seu nome.

O jogo inteiro segue um ritmo constante que mistura sessões furtivas em lugares claustrofóbicos, com pouco espaço para um planejamento estratégico mais elaborado. O stealth, como de praxe, tende a falhar algumas (várias) vezes durante sua tentativa de executar sua posição de um espião em bases nazistas; o jogo sempre tende a um desfecho sangrento onde o alarme é tocado e hordas de nazis tentam te flanquear de todos os lados. E isso não é exatamente um problema.

O gameplay de New Colossus foi construído para isso, não é a toa que B.J pode carregar duas armas diferentes ao mesmo tempo. Mesmo que as sessões stealth sejam desajeitadas, há sempre ferramentas à sua disposição, como uma pistola silenciada, facas que podem ser arremessadas e execuções brutais que são um deleite visual para quem curte um gore. E caso tudo dê errado, se lembre daquele combo de rifle de assalto com a shotgun de cano giratório.

Wolf 2 segue uma moda que está aos poucos englobando os jogos singleplayer hoje em dia: elementos de mundo aberto se aderem à estrutura linear das missões, onde o jogador tem liberdade de transitar em uma “hub area” (nesse caso o Eva’s Hammer) e planejar seu próximo passo. New Colossus também surge com outra mecânica interessante ao coletar códigos encriptados de capitães nazistas para serem decifrados, revelando a posição de outros chefes do exército que precisam ser mortos para liberar a influência nazi nos diversos estados americanos, funcionando como missões paralelas.

No final das contas, o que vimos aqui é uma colaboração mais que necessária entre a MachineGames e a id Software após o sucesso de Doom e suas instintivas mecânicas brutais. Em New Colossus, a lição foi mais que aprendida e executada com maestria.

Wolfenstein II: The New Colossus culmina em tudo o que um shooter singleplayer em 2017 deveria ser, e faz um serviço muito além do que apenas um jogo que você atira sem pensar. Sua provocação com ideologias extremistas é constante, se portando como uma sólida crítica a um problema que não está tão distante da ficção.

Seu humor contrasta harmoniosamente com os acontecimentos no enredo; é o absurdo, mas nunca estúpido ou sem sentido. Wolf 2 consegue ser uma boa pedida para os amantes de uma história bem construída tanto para os que querem ter alguma coisa pra atirar—e que seja, de preferência, nazistas.