Em um cenário polarizado em megaproduções ou indies, é difícil ver jogos de orçamento médio atualmente. Quando surgem, esses títulos frequentemente passam despercebidos pela falta de marketing, embora mereçam o seu lugar no mercado, oferecendo novas experiências e às vezes até conceitos novos. The Technomancer chega para preencher esse nicho, e ainda que muitos de seus aspectos apontem que o game frequentemente queira se passar por um AAA, seu nível de sua produção jamais permitiria isso. Infelizmente, isso acaba impactando, do começo ao fim, a experiência criada pela desenvolvedora Spiders.
Crie seu personagem (não exatamente…)
A cutscene de introdução do jogo é interessante e nos vende ao seu mundo de forma bem convincente. Somos apresentados a um planeta Marte futurista, completamente populado por humanos, mutantes e technomancers — humanos com poderes especiais, equipados com implantes tecnológicos para aprimorar suas habilidades.
A cena de apresentação transita diretamente para o início da aventura, que nos dá boas-vindas com um sistema de criação de personagem. Ele não é exatamente incrível na variedade de customização, mas esse é o menor dos problemas, na verdade.
Geralmente, quando um game deixa a criação do protagonista nas mãos do jogador, é porque tal personagem servirá o propósito de agir como um avatar para nós; uma figura que nos representa naquele mundo, assim afinando a linha entre o mundo virtual e o mundo daquele que está segurando o controle. A personalidade do protagonista passa a ser uma tarefa para o seu imaginário desenvolver. Mas logo nos primeiros minutos, percebemos que essa regra é quebrada abruptamente: o personagem já possui nome, caráter e passado desde o início. Então por que mesmo estamos fazendo nosso herói?
Sistemas demais, jogabilidade de menos
Na busca de adicionar profundidade à progressão do personagem, Technomancer possui não um, nem dois, mas três sistemas de evolução.
Seus talentos podem tornar você mais furtivo ou capaz de criar mais itens; os atributos, por sua vez, contribuem com melhorias como aumento de regeneração de vida ou maior chance de infligir dano crítico. Por fim, as habilidades concedem algumas novas técnicas e bônus passivos.
Você imagina que tudo isso desenvolveria uma boa jogabilidade em batalha, não? Não exatamente.
Apesar de apresentar os fundamentos de um combate sólido na mesma via de The Witcher III, o sistema não evolui muito: a utilidade das suas habilidades é questionável — você dificilmente lembrará de usá-las — e o sistema de stealth é extremamente raso. Com isso, resta-lhe apenas recorrer às mesmas sequências de golpes de 2 ou 3 animações e ocasionalmente rolar para desviar de uma investida inimiga, mas te garanto que depois de 15 horas de jogo isso não vai ser tão interessante.
Outros sistemas não intrínsecos ao combate também se fazem presentes, como o Karma, que representa a sua reputação com diferentes facções ou personagens, assim moldando a forma como certas personalidades interagem com você. Por fim, a criação e customização de itens contém alguma profundidade, e ainda que eu o tenha experimentado, os equipamentos que adquiri de inimigos ou baús eram geralmente melhores.
Seja como for, nunca notei uma evolução substancial no meu personagem. Mesmo após tantos níveis, habilidades, customizações e mais o que for, enfrentar até os inimigos mais básicos ainda era uma tarefa chata e demorada. Tudo consistia em realizar as mesmas estratégias do começo ao fim, pois além da falta de variedade de oponentes, o game dificilmente permite que você desfrute da sensação de progressão. Novos combos, por exemplo, já seriam um alívio imenso para uma jogabilidade tediosa.
Lá e de volta outra vez
E por falar em progressão e inimigos, é preciso ressaltar que o backtracking é um grande vilão em Technomancer.
A ambientação do jogo permite-lhe arriscar uma estética que beira ao cyberpunk, resultando em cidades futurísticas, enredo com ideais distópicos e uma pitada de trans-humanismo. Ainda que a direção de arte não seja exatamente inspiradora, esses elementos tornariam as localizações mais interessantes. Uso o verbo no futuro do pretérito pois o backtracking diversas vezes arruinou a (pouca) diversão que eu poderia ter jogando.
Esse processo não agrega nada à exploração, apenas servindo para inflar o tempo da campanha de forma artificial. Para piorar, enfrentar os mesmos inimigos novamente se torna quase que uma obrigação durante essas tarefas (e lembro vocês de que o combate não é dos mais satisfatórios).
Em um determinado ponto, senti que o game me considerava uma visita indesejada, pois a repetição do backtracking parecia fazer de tudo para me tirar a vontade de continuar explorando Marte. Não demorou muito até que os locais e o posicionamento dos inimigos se tornassem um tanto familiares — até demais.
Roteiro fraco e mal elaborado
Diálogos mal escritos e cutscenes fracas assolam uma história com premissa razoável em um universo com potencial. A forma como as coisas se desenrolam é, no mínimo, desanimadora.
Você frequentemente escutará diálogos cuja dublagem é inconsistente — ora os dubladores são aceitáveis, ora parecem fazer o máximo para soarem lamentáveis —, acompanhados de animações faciais quase inexistentes. Algumas cenas de conversa te deixarão descrente, como momentos de personagens contando piadinhas de comic relief em situações sérias. Em um jogo com esse tom e atmosfera, esse tipo de coisa é, no mínimo, inconveniente.
Inconveniência nos traz a outro ponto: as motivações dos personagens. Sempre que me lembrava de cada personagem e sua origem, eu me questionava o porquê de estarem me acompanhando. Muitos deles não tinham motivações expressivas, servindo apenas para mover o enredo adiante (ou nem isso).
Baixo orçamento não justifica tudo
Reitero o que disse no início: produções de orçamento reduzido como esta são importantes para a indústria.
Não culpo a Spiders pelos gráficos do jogo, por exemplo. A geometria dos cenários e personagens aliada à simplicidade de alguns efeitos denunciam que o título, talvez com algum esforço e poucos comprometimentos gráficos, poderia rodar em um PlayStation 3 ou Xbox 360. Vindo de um projeto menor, no entanto, isso é completamente aceitável.
Entretanto, não tive os mesmos olhos para quase todos os aspectos da jogabilidade, pois ela tentava ser algo grandioso e, ao mesmo tempo, parecia consciente de que não conseguia. Se este título tivesse seu escopo reduzido, provavelmente se beneficiaria extremamente, permitindo que mais recursos fossem utilizados para o aperfeiçoamento da experiência como um todo. Nem todo jogo precisa reinventar a roda para ser bom, mas mecânicas bem desenvolvidas já são um grande passo para um ótimo game. The Technomancer dificilmente consegue cumprir esse quesito, pois está preocupado demais em perseguir a ambição de alcançar patamares de grandes produções — meta que uma produtora menor não deveria almejar com tanta sede.
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Esta análise foi realizada com base na versão de PlayStation 4 gentilmente disponibilizada ao Jogazera pela desenvolvedora.
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