Muitos títulos indie oferecem experiências agradáveis, que geralmente destoam do nosso repertório de jogos, seja pela história que eles nos expõem, ou por apresentarem uma ideia de gameplay interessante. Não é preciso pensar muito para chegar a essa conclusão: observe a metanarrativa de The Stanley Parable, ou os puzzles de The Witness e como eles direcionam o jogador. Stories: The Path of Destinies é uma dessas experiências.
Ainda que alguns detalhes denunciem o escopo do projeto, isso não tira o mérito de sua narrativa brilhante, que vem acompanhada de um gameplay divertido e muito bem desenvolvido.
Um conto de fadas em todos os aspectos
Reynardo, o protagonista caolho dessa jornada, é uma raposa que luta junto da resistência contra um Imperador dos céus, que oprime e castiga a sociedade. A premissa pode parecer simples e meio Star Wars, mas é o desenrolar dessa trama que é interessante, pois você quem decide o destino do herói.
Todo momento chave da história pede pelo input do jogador, que deverá escolher entre dois ou três caminhos diferentes para essa fábula, que se passa dentro de um livro mágico. É possível tentar resolver as coisas recrutando aliados para o instante em que a guerra estourar, ou se corromper ao vender sua alma para forças ocultas em troca de poder — afinal, um conto de animais falantes, princesas e artefatos mágicos não precisa ter finais felizes.
E por falar em final, a conclusão poderá chegar mais cedo do que você espera. O desfecho da jornada vem acompanhado de um resumo, que descreve o seu percurso e decisões tomadas. Com isso, é possível entender o porquê chegou a um final específico, para assim recomeçar e conferir como tudo se desdobra ao fazer outras escolhas.
Algo tão interessante quanto alterar o curso do enredo é observar como os personagens reagem a essas mudanças. Em uma jornada, aquele seu velho amigo te considera por tê-lo visitado após tanto tempo. Em outra, esse mesmo personagem pode lhe temer pelos seus planos maléficos para deter o Império. Isso se expande de diversas outras formas e sempre nos mostra uma nova faceta da personalidade daqueles que fazem parte da viagem de Reynardo, assim incentivando o replay.
Para integrar ainda mais o aspecto fantasioso que o game carrega, a todo tempo você estará acompanhado por um narrador onisciente. Seu papel vai um pouco mais além de contar o que acontece na trama e dar voz às ações e falas dos personagens, pois ele também agirá de forma contextual, comentando sobre a forma que você joga — ações como destruir o cenário resultarão em questionamentos sarcásticos sobre o controle de raiva do protagonista.
Isso o concede uma atribuição dupla. Ao mesmo tempo que sua narração funciona como o único mecanismo de progressão do enredo (afinal, não existem cutscenes), seus comentários descontraídos criam uma relação de proximidade com o jogador, tornando a companhia de uma simples voz algo tão tangível quanto a de um personagem que estaria ali, lhe acompanhando fisicamente.
Não só por esses motivos a presença do narrador é muito bem-vinda: nenhuma das suas piadinhas ou momentos de exposição do enredo se tornam chatos ou intrusivos. Isso se deve à escrita dessas falas, que é realizada de forma fenomenal, contando com frases e vocabulários que realmente parecem ter se originado de uma narrativa literária. Isso sem mencionar a dublagem do narrador, que é digna de ser destacada.
Criar um título repleto de aventuras únicas e com diversas possibilidades tem seu preço, no entanto. Stories não é um game muito longo, sendo que, dependendo das suas escolhas, uma história completa (das tantas outras) poderá render menos de uma hora apenas.
A maior parte dos cenários do jogo é composta por calabouços, templos antigos e florestas, todos ornados pelas cores fortes e pelo design, que constantemente remete a um conto de fadas. A exploração desses ambientes quase sempre recompensa o jogador com baús recheados de minérios, que permitem a forja ou o refinamento de espadas. Isso não só concede novas habilidades ao herói, como também dá acesso a rotas secretas que só podem ser liberadas com lâminas específicas. Por vezes fiquei na vontade de abrir portais azuis, já que eu não possuía a espada de gelo, capaz de destrancar esse tipo de passagem — e dessa necessidade “complecionista” nasceu um novo motivo para rejogar.
No geral, o level design oferece o suficiente para que as fases não pareçam absurdamente lineares. Não espere um nível de complexidade muito grande, mas ao menos os cenários não passam a impressão de que você está apenas seguindo um corredor.
Porém, é uma pena que a aventura por vistas tão belas às vezes seja prejudicada por problemas de desempenho, com quedas de framerate constantes. Embora o jogo opere a uma taxa de 60 quadros por segundo, ele raramente a mantém. Lentidões podem acontecer até durante a travessia pelos mapas, mesmo que nada de intenso esteja acontecendo no momento. Isso pode vir acompanhado de alguns bugs, como ficar “preso” no chão, exigindo que você volte à tela inicial e recomece o cenário.
Todo o foco no aspecto narrativo e apresentação não significa que não houve cuidado com o combate, que também tem sua importância no game.
Os embates em Stories são fluídos e bem dinâmicos, contando com um ritmo rápido e alguns traços do sistema Freeflow da série Batman Arkham, que criou tradição na indústria. Ou seja, prepare-se para encontros contra hordas de inimigos, dizimando-os com combos rápidos e esquivas ágeis enquanto se atenta às oportunidades de contra-ataque.
No começo pode parecer que só socar o botão de ataque será o suficiente para o espetáculo acontecer e resolver seus problemas, mas logo aparecem novos inimigos, que requerem certas precauções. Magos, por exemplo, atacam à distância e se teleportam, exigindo que você fique em constante movimento e priorize a eliminação dele enquanto desvia de todos os outros inimigos, que estão atrás da sua cabeça.
Esse aspecto adiciona complexidade ao combate, que, aliado à fluidez, resulta em uma jogabilidade fantástica, apenas limitada pelo fato de que os encontros são rápidos demais. Poderiam ter duplicado a quantidade de inimigos por batalha ou aumentado suas vidas, e eu certamente não teria reclamado.
Outro fator a ser questionado é o aprimoramento de armas. Há um sistema de habilidades, que traz benefícios reais para o combate, como ataques mais rápidos e esquivas. Entretanto, o sistema de forja e upgrade, ainda que adicione uma nova camada à exploração dos cenários (como mencionei acima), é um tanto desnecessário. Consegui lidar com a maioria dos confrontos sem sequer lembrar de que minhas armas possuíam capacidades de congelar ou queimar os oponentes com o pressionar de um botão. Parece uma adição que se faz presente só pra justificar o tempo gasto na exploração por minérios, pois não acrescenta muito à experiência do combate.
Moral da história
Ao tornar suas decisões um fator tão importante, Stories: The Path of Destinies torna-se merecedor da sua atenção. É um dos poucos títulos que realmente valoriza a sua escolha, e ele realiza isso ao investir agressivamente em uma narrativa simples, porém consistente, bem construída e com diversos elementos para agregá-la. Não será um modesto indie que revolucionará a narrativa nos videogames, mas com certeza lembrarei dele pelo seu capricho nesse aspecto.
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Esta análise foi realizada com base na versão de PlayStation 4 gentilmente disponibilizada ao Jogazera pela desenvolvedora.
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