Game/level design, direção, produção, sistemas, roteiro, narrativa: tudo isso e muito mais faz parte do processo criativo e sistêmico de se criar um jogo de videogame. Outro aspecto que julgo muito importante é a parte estética — ou como prefiro chamar da variação em inglês: aesthetics. Esse fator compõe a paleta de cores, design dos personagens, contexto, cenário e ambientação que farão parte do visual artístico do seu jogo, trazendo harmonia em todos os elementos presentes. Hyper Light Drifter compreende bem isso e me espantou ao apresentar uma espécie de glitch art bem incomum.
Dificilmente estaria escrevendo sobre isso se o jogo não apresentasse outros elementos que corroborassem com a qualidade de sua arte. Heart Machine, a desenvolvedora do título, sabia que sua criação não podia ser apenas mais um rostinho bonito: além da excelente direção artística, a ousadia de trazer um jogo em que o desafio pode ser entendido como “injusto” é algo que, dentro dos termos do próprio jogo, se torna admirável. Entretanto, o custo de tentar entregar uma experiência única pode trazer alguns efeitos colaterais.
O singelo e particular universo
Hyper Light traz alguns aspectos que os jogadores da saga Souls vão reconhecer de imediato: não há explicações, porquês ou qualquer motivo explícito de tudo aquilo estar acontecendo. Seu personagem não fala, a informação exposta ao jogador é mínima e todos os NPCs se comunicam numa língua desconhecida e por meio de imagens — cabe inteiramente a você entender o que está acontecendo, qual seu objetivo e como sobreviver naquele mundo.
Talvez até demais. Usando novamente Dark Souls como exemplo, mesmo que o jogo não te guie pela mão, as informações básicas de alguns itens, armaduras e NPCs servem como um mínimo substancial de compreender algo, como o próprio lore. É possível recorrer à descrição dos seus equipamentos para fazer paralelos com o contexto do mundo, ambiente e sua quest principal, assim como os inimigos que você matará ao longo do caminho. Em Hyper Light temos a mesma ideia aplicada de uma forma diferente, querendo transmitir uma mensagem profunda e complexa, contada pelos cenários e ambientação lindíssima de cada área — mas infelizmente, a narrativa foi elaborada de uma forma tão singular que essa proposta pode passar despercebida por grande parte dos jogadores.
Um enredo que contaria a história de antigos gigantes que habitavam aquelas terras e batalhas que banharam de sangue muitos ali pode ser reduzida a “pegue coisinhas para abrir portas para pegar mais coisinhas e matar chefes”. E mesmo assim, existe algum problema nisso? Não. Independentemente da proposta dos desenvolvedores, o jogo não se torna menos aproveitável pela maneira que você entende a lore. O único ponto aqui é que, na tentativa de trazer algo profundo demais e não conectar alguns pontos mais explicitamente, algumas pontas podem ficar soltas.
Slash, slash, slash
Da mesma maneira que FEZ traz uma característica de design única para se resolver os puzzles (brincar com a perspectiva do jogador), Hyper Light, mesmo que não elabore nada de muito inovador em suas mecânicas de combate, possui um combate fluido que demarca um traço bem peculiar do que eu normalmente esperaria nesse tipo de jogo. Seu personagem é rápido, desfere golpes com facilidade e é capaz de realizar combos com sua espada e arma de fogo — que, por acaso, funciona de acordo com a ação do jogo: ao golpear com ataques físicos, sua munição regenera na mesma proporção.
Não sendo um jogo muito extenso, as possibilidades de se encontrar desafios maiores no combate é constante, com áreas cercadas por inimigos atirando, te encurralando e fazendo o possível para detonar sua mísera barra de vida de 5 unidades. A vontade de sair batendo descontroladamente nos inimigos à sua frente é grande, mas estar no lugar certo para planejar seu ataque acaba se tornando mais necessário do que o esperado, e isso é reforçado pelo level design dessas áreas.
E falando nisso, como não citar Dark Souls novamente quando falamos de atalhos e conexões a outros lugares previamente explorados? Mesmo que não seja tão impactante quanto qualquer outro jogo da série Souls, em Hyper Light temos o breve gostinho de desbloquear aquele acesso-mão-na-roda não só para rotas principais, como também para segredos. Muitos segredos, na verdade: é necessário ficar atento a toda “brecha” encontrada, principalmente ao caminhar em bosques e lugares com árvores; um corredor estreito pode te levar a itens de cura e moedas de troca.
…
Hyper Light Drifter é um jogo diferente, até mesmo quando estamos falando de indies. Reúne uma série de aspectos, qualidades e até defeitos que corroboram para uma combinação harmoniosa (novamente) de desafio, beleza e design. Mesmo sendo curto e possuindo certas lutas que beiram a vontade de arremessar o controle na tela, as surpresas, em suma, foram bastante agradáveis.
Talvez a proposta tenha sido um pouco incompreendida ao elaborar um enredo com poucas informações, que são tão necessárias para o aproveitamento do desenrolar dos eventos. De certa forma, a experiência compensa pelo gameplay, mesmo que seja apenas para catar coisinhas e abrir portas enquanto aproveita a fluidez de um combate divertido.
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Esta análise foi realizada com base na versão de PC gentilmente disponibilizada ao Jogazera pela desenvolvedora.
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