Jogos que prendem o jogador num ciclo temporal está em alta ultimamente. Returnal, no PS5, foi uma maravilhosa surpresa pelos desenvolvedores do estúdio finlandês Housemarque, responsáveis por hits como Resogun e Nex Machina. No jogo, o player deve escapar de um planeta alienígena e cada morte te joga de volta para o primeiro bioma. Já em Deathloop, não estamos um planeta diferente, mas sim a ilha de Blackreef – uma região afastada de centros urbanos e que foi palco para a exploração de uma anomalia temporal que prendeu os envolvidos desse mistério em um único dia.
Bem colado a todo esse conceito, mecânicas do gênero roguelike também se fazem presentes. Deathloop não tenta esconder suas inspirações e deixa bem evidenciado em como estrutura seu conceito: reiniciou o dia, perdeu seus equipamentos – mas o conhecimento persiste. Claro, existem meios que desviam dessa mecânica (a possibilidade de “infusão” dos itens) que vou explicar um pouco melhor ao decorrer da análise.
Misturando tudo o que há de melhor que a Arkane fez no passado (como Dishonored e Prey), a rainha dos simuladores imersivos vai além e tempera ainda mais essa experiência que já é uma delícia de se jogar. Criativo e com uma estética excêntrica e exuberante, Deathloop é um dos melhores jogos do estúdio desde o primeiro Dishonored.
Quebre o loop
A motivação é simples: quebre e saia desse loop. Bom, mais fácil falar do que se fazer, né? Jogamos com o personagem Colt Vahn, ex-chefe de segurança do projeto que envolveu a criação desse ciclo. Acordando na praia e sem menor ideia do que aconteceu, Colt é agraciado com diversas perguntas que perduram ao longo de toda a jogatina: como você foi parar ali, o motivo daquilo tudo estar acontecendo e porque estão tentando te matar. Julianna, outra figura chave na trama, é uma das primeiras personagens a interagir com o protagonista e explicar quem Colt é e a razão que ele não pode quebrar o ciclo.
Mas como o loop funciona? Quem são os responsáveis? Ao investigar seus arredores e entrar em contato com outras versões do Colt (sim, o personagem fala com ele mesmo do passado em algumas instâncias no começo do game), as coisas começam a ficar um pouco mais claras. Em Blackreef, os responsáveis pela estrutura do loop são conhecidos como Visionários: oito figuras carismáticas quem mantém o status quo. Uma cientista, uma artista, um lunático, e por aí vai. Cada um deles desempenha um papel importante na manutenção do loop para entender e estudar a anomalia temporal que aconteceu na ilha.
Para Colt fugir de Blackreef, é necessário matar os oito Visionários em um único dia. Novamente, mais fácil falar do que fazer. Cada um tem sua própria agenda e motivações no que está acontecendo em Blackreef que serão gradativamente reveladas a medida que nosso protagonista se aprofunda para entender cada um de seus alvos. Toda área é infestada de inimigos conhecidos como Eternalistas – humanos que servem e protegem os Visionários, além de terem Colt como alvo.
Portanto, resta ao jogador falhar, morrer e tentar de novo. Cada dia no loop é carregada de descobertas e pistas preciosas que levaram Colt ao sucesso a cada giro nesse ciclo.
A arte da repetição
Deathloop não faz um bom trabalho para explicar suas mecânicas logo de cara – e de forma quase proposital. O jogador é “largado” para explorar por sua própria curiosidade e ir descobrindo as pistas levarão os Visionários a se juntarem e Colt conseguir eliminá-los de uma vez só. Aproveitando esse gancho, é importante explicar como a estrutura de mapa em Deathloop funciona: existem quatro “distritos”/áreas relacionadas a Visionários específicos e suas respectivas atividades. Além disso, o horário do dia também influencia o que acontece em cada distrito, havendo uma separação em manhã, início e final da tarde, e noite.
Sendo oito visionários e quatro distritos, o jogador deve descobrir maneiras de “juntar” seus alvos e eliminá-los em um único dia, começando pela manhã e terminando a noite. Essa mecânica também explora o jeito “Hitman” de jogar – a medida que o jogador junta pistas e planeja o assassinato dos alvos das formas mais criativas e inusitadas possíveis. Por conta disso, é necessário ter paciência e ir explorando cada possibilidade. A pressa é inimiga da perfeição.
Se você já jogou Dishonored, sabe exatamente o que esperar aqui. Colt é capaz de usar diversas armas, gadgets e poderes que irão te auxiliar do mesmo jeito que um assassino sobrenatural. Inclusive, vários poderes do jogo antigo da Arkane estão por aqui, como o Blink (chamado de Shift em Deathloop) que funciona como um teletransporte. Furtividade também é altamente recomendada, mas o game não se limita e deixa várias possibilidades em aberto caso o jogador queira só causar o caos e a destruição.
Sobre o que eu comentei ali em cima, o jogo conta com um sisteminha que te permite ficar com armas e habilidades de forma permanente, chamado de Infusão. Para usar esse recurso e manter o que você pegou ao longo de vários loops, é necessário coletar um material chamado Residuum – uma energia instável que aparece aleatoriamente pelo mapa, ao matar Visionários ou “sacrificando” equipamentos e acessórios. É importante selecionar bem os itens que você pretende manter permanentemente pois cada processo de infusão é caro. Toda vez que Colt morre, uma “cópia” dele em Residuum é deixada no lugar da morte – similar às poças de sangue na série Souls. Caso morra mais que duas vezes, você perde o que coletou do material. Explico melhor sobre o “morrer duas vezes” no parágrafo abaixo.
Além de todas as adversidades impostas no caminho, há mais um ponto bem legal que adiciona ainda mais nesse mix: outro jogador poderá invadir seu jogo como a Julianna. Incorporando o modelo de PvP de Dark Souls, há um modo quase separado para investir e crescer jogando no multiplayer. Nesse modo invasão, a personagem deve eliminar Colt a qualquer custo e impedi-lo de progredir no loop. Para quem é invadido, o risco x recompensa fica ainda mais excitante. Porém, não pense que vai ser fácil invadir: Colt possui um poder inato chamado “Reprise” e pode reviver até duas vezes caso seja assassinado, tanto pelo invasor quanto pelos NPCs inimigos, enquanto Julianna possui apenas uma vida.
O gameplay flui de forma suave e orgânica, mesmo que a inteligência artificial dos inimigos seja ruim. Os Eternalistas são incrivelmente tapados, um pouco cegos e completamente surdos, bem mais que os guardas em Dishonored. Embora isso possa ser considerado um ponto negativo, posso argumentar que não é um fator que comprometa sua experiência. Esse jogo não é um shooter clássico e seu sucesso não depende do quão bem você sabe mirar ou não. Deathloop, nesse quesito, age mais como um jogo de quebra-cabeça do que um FPS. Os inimigos estão ali e são mais um obstáculo do que o desafio principal. Não é sobre ter reflexo, mas sim explorar sua criatividade.
Dito isso, enfatizo novamente que a natureza de Deathloop está em seus puzzles, em descobrir a agenda de seus alvos e usá-la a seu favor. O loop acontece justamente para Colt ganhar conhecimento e suceder na missão de fugir da ilha. É um game sobre falhar, repetir e dominar.
Ao fim do dia…
Deathloop é artisticamente impecável, possui uma estética retrofuturista dos anos 60 bem charmosa e é, sem dúvidas, um dos melhores títulos da Arkane. Mescla conceitos novos e é bravo o bastante para fugir da armadilha da mesmice que vários jogos triple-A vem caindo. É um triunfo que destaca o talento daqueles envolvidos em produzir um jogo tão eloquente como esse.
Sua qualidade não é apagada mesmo com bugs visuais e alguns de gameplay (que devem ser consertados com um patch de dia 1) e consegue entregar uma experiência sólida do começo ao fim. Por mais a repetição seja um problema em outros jogos, em Deathloop é um recurso e acaba tornando a experiência bem prazerosa.
Obs: Essa análise foi feita a partir de uma cópia gentilmente cedida pela Bethesda.