Análise: Far Cry New Dawn evidencia ainda mais a superficialidade da fórmula Ubisoft

Uma coisa que de vez em quando esquecemos sobre empresas de videogame é que elas continuam sendo empresas. Empresas grandes, multimilionárias, precisam de lucro, investimentos, ações na bolsa e mais um punhado de termos econômicos que não sou qualificado pra falar ou discorrer sobre. Entretanto, sabemos que dinheiro é essencial nesse meio. Nem que seja ramificar uma franquia por anos, usando exaustivamente uma fórmula que já demonstra sinais claros de sobrevida. E não, não estou falando de Assassin’s Creed.

Desde as aventuras numa ilha afrodisíaca em Far Cry 3, o sucesso estava estabelecido. Deixando de lado muitas mecânicas que fizeram Far Cry 2 brilhar, o passo-a-passo atual estava bem claro: com vilões icônicos, ambientações exuberantes e um enredo com altas doses de surrealidades, Far Cry teve seus momentos altos e baixos. Com a nova onda da receitinha de RPG experimentada em Assassin’s Creed Odyssey, a Ubisoft agora embarca na missão de emplacar pelo menos mais outros trinta jogos com esse mesmo carimbo.

Far Cry New Dawn experimenta com um “novo sistema” de RPG que artificializa tudo de bom que foi conquistado até então. Um jogo que prefere números voando pra lá e pra cá, com barras de vida em todos os inimigos e a transformação de NPCs normais em esponjas de bala. Ao invés de um design coerente, temos cores indicando o quão difícil é matar alguém. Já viu um puma tomar 30 tiros de fuzil automático e ainda viver pra contar a história? Nem queira.

O novo paraíso

Caso os trailers não tenham sido o bastante, New Dawn é uma sequência direta do 5 – algo que nunca aconteceu na franquia (me corrijam se eu estiver equivocado). 17 anos após as bombas caírem e dizimarem os Estados Unidos e as profecias de Joseph Seed se tornarem verdade, a fictícia Hope County torna-se um lugar desolado e atraente ao mesmo tempo. Mesmo com as explosões e radiação terem acabado com a fauna e flora da região, a natureza sempre dá um jeito e se adapta ao impossível: vegetação volta a crescer e novas espécies – ao que tudo indica – de animais albinos tomam conta das vistas e lugares mais remotos do condado.

Entretanto, a paz num mundo apocalíptico é sinônimo de ilusão: um grupo de violentos desbravadores liderados pela nova dupla de vilãs da franquia, os Highwaymen, prometem passar por cima de tudo e todos que não cumprirem com as ordem deles. Com o carisma sádico de um típico vilão de Far Cry, Mickey e Lou são um dos frágeis pilares que sustentam a narrativa esfarelada de New Dawn, dando um propósito – mesmo que fútil, clichê e sem uma motivação maior – a tudo o que acontece no jogo. Entretanto, não estamos sozinhos: Joseph Seed, o antagonista do quinto jogo, está de volta, em redenção, sendo a rainha da sensatez do fim do mundo.

Seu culto, New Eden, se transforma num acampamento de refugiados e possui um papel importante na nova empreitada do apocalipse. E o jogador? Bem, está lá. Sendo mais um boneco genérico e mudo, que tem um armário mais variado que o da Barbie, sustentado por microtransações, pronto para quebrar o clima com sua roupa de unicórnio em cenas teoricamente dramáticas. O fato do protagonista ser mudo liquida qualquer desenvolvimento que os rasos personagens possam ter entre si, não aproveitando nenhuma das interações que podiam ter um pouco mais de sustento. Se a construção desses NPCs fossem ao nível da Alyx, em Half-Life 2, eu não estaria nem um pouco incomodado de ser o Gordan Freeman novamente.

Em suma, se você está procurando um motivo na história pra sua compra valer a pena, eu não iria muito longe. Mesmo tendo seus momentos interessantes com uma boa atuação e captura de movimentos, os poucos personagens que valem a pena não salvam a pátria e deixam o trabalho brusco no gameplay, outro fragilizado pilar que tenta de todas as formas justificar um sistema de RPG onde não faz sentido.

Role Playing… O que?

Lembro que uma das coisas que mais elogiei em Far Cry 5 foi seu sistema de progressão bem pensado e seu mundo sistêmico e reativo, proporcionando uma experiência equilibrada ao jogador ao mesmo tempo que valoriza seu tempo. Em New Dawn, o sistema foi revisitado e agora possui outros propósitos: construir e fortalecer sua base principal. Chamada de Prosperity, o lugar é um refúgio para todos os sobreviventes das bombas nucleares e para personagens do jogo anterior. Prosperity tenta preencher as lacunas da “tabelinha RPG” que New Dawn se orgulha tanto. Junte recursos, upe as instalações da sua base, desbloqueie novos recursos e todo aquele sistema que estava presente em Assassin’s Creed 2.

O mix na fórmula não para por aí: cada posto inimigo (os outposts) possuem agora três níveis de dificuldade. Ao aumentar um nível e completar o posto novamente, é desbloqueado mais etanol para melhorar a instalações na sua base. Talvez como uma tentativa de aumentar a rejogabilidade desse recurso, o game só possui dez desses outposts. Outra novidade são as Expedições, que te levam a um novo mapa não presente em Hope County, com um único objetivo: recuperar uma mochila e esperar o seu resgate. A adição foi bem vinda, mesmo se limitando a poucas missões, com a mesma maldição de só revigorar a dificuldade em função de mais recursos.

Apesar de já ter mencionado ao longo do texto, vou enfatizar ainda mais sobre o sistema de RPG: um tiro no pé. Não espere níveis, ganhar experiência, montar builds nem nada do tipo. O jeito Far Cry de dizer que agora conta com RPG é artificialmente dificultar sua vida ao matar inimigos, com enormes barras de vida que respondem proporcionalmente ao nível do seu equipamento. Explico: suponha que seu alvo possui ”nível 3” (roxo) de dificuldade – seja ele um humano ou animal. Se a arma que você está usando é também nível 3 (ou épica, a raridade máxima), o dano é normalizado ou aumentado. Caso contrário, espere o ”efeito The Division”: inimigos esponjas de balas que demoram uma vida para morrer.

É tão artificial, uma camada chula de tinta por cima de um sistema já pronto, que seria um insulto a outros RPGs de qualidade classificar New Dawn como RPG. Eu sei que a própria Ubisoft classificou o jogo como elementos ”leves” de role playing, mas faça-me o favor. Não faz sentido, há um sentimento totalmente desconexo e muita, muita frustração. E olha que eu nem mencionei as péssimas batalhas contra chefes e level design duvidoso de várias missões. Ao invés de criar algo digno de ser lembrado, o potencial é novamente jogado fora em um investimento reaproveitado de jogos anteriores.

O novo amanhecer

A Ubisoft já demonstrou a ela mesma o quão ruim é anualizar franquias. E no caso de Far Cry é algo ainda mais latente: estamos jogando o mesmo jogo desde 2012. As mecânicas precisam mudar, mais novidades precisam aparecer e algo tem de ser feito sobre escolhas ruins. New Dawn possui um dos visuais mais bonitos e destacados que já vi nos jogos da empresa (joguei no PC, com todas as configurações no alto e num monitor ultrawide), mas o seu conteúdo não faz jus ao visual. A estética pós-apocalíptica inspirada em Mad Max com tons de rosa é algo que chama a atenção, mas não por muito tempo.

Eu esperava algo diferente, revigorante, principalmente quando o próprio Far Cry 5 trouxe novidades tão legais. Infelizmente, mesmo se moldando na base de seu predecessor, para mim, não foi o bastante. A história precisa mudar se a franquia quiser continuar relevante e não ser mais um jogo escondido na prateleira em meio a tantos lançamentos incríveis que estão para sair.