Considerando os rumores que sugerem o lançamento do próximo título de Resident Evil, achamos importante falar sobre a franquia. Fizemos uma breve análise de alguns episódios com o intuito de tentar identificar como se deu a “transição de categoria”: passando de survival horror para third-person shooter, considerando a mudança de proposta dos títulos. Feito isso, poderemos pensar com mais clareza sobre o que nos aguarda no futuro dessa tão amada franquia.
E, se tratando de franquias de games, Resident Evil é daquelas que despertam tanto nostalgia quanto decepção em muitos fãs; especialmente os que acompanharam o desenrolar de cada capítulo do game. Decepção esta causada pela “perda de identidade”, como veremos a seguir. A série teve um brilhante início como survival horror para no fim tornar-se o jogo de tiro e ação que RE5 representa tão bem. Mas como foi isso? Em que momento a saga Resident Evil deixou de despertar o “sentimento de antes” nos jogadores? Onde foi mesmo que paramos de tentar sobreviver contando as munições do cartucho em meio a zumbis? Bem, RE4 foi o episódio em que vimos — pela primeira vez em nove anos de RE — um inimigo comum empunhar armas. De armas brancas a armas de fogo.
Certo, então vamos por partes: houve um momento em que a Capcom já havia lançado RE1, 2, 3, REmake e 0, basicamente usando as mesmas mecânicas, ambientação, enfim. Era como uma receita de bolo. Os jogos fizeram bastante sucesso, sendo todos lançados para PlayStation. Foi no GameCube que RE4 estreou trazendo a inovação, e é dele que falaremos primeiro.
[divider]Resident Evil 4[/divider]
Com nova engine e gráficos lindos para a época, este foi o primeiro título a redefinir a forma de jogar Resident Evil. E para isso o título trouxe uma enxurrada de elementos novos, a exemplo do simples posicionamento da câmera sobre o ombro do personagem, afinal, não dava mais pra continuar com os ângulos fixos de câmera, concordam?
E outras mais significativas: a adição de sistema monetário, ervas amarelas (que aumentam o limite máximo do health), mudança na forma de alvar o progresso, etc. O sistema monetário funcionava da seguinte forma: todos os inimigos podem dropar ouro; chefões dropam quantias maiores. Este ouro pode ser investido para aprimorar suas armas, mapas para localizar tesouros (que lhe rendem mais ouro quando vendidos), eventual aquisição de armas novas e assim por diante. Essa tramitação monetária deu justificativa para a inserção do Merchant: um misterioso NPC que lhe vende itens.
Enfim: houve um enorme salto em relação aos títulos anteriores e acompanhado disso veio junto uma sutil mudança da proposta de gameplay. Nos REs anteriores, a questão era lutar para manter-se vivo com poucos recursos disponíveis, até mesmo para salvar seu jogo. Em RE4 você salva quantas vezes quiser, além do jogo permitir o save ao final de cada capítulo para poupá-lo de procurar uma typewriter. Resident Evil 4 aparece na vigésima posição no rank de vendas da Capcom*. De todas as mudanças citadas, a que fez maior diferença é que não havia mais zumbis. Resident Evil 4 nos apresentou uma outra forma de ameaça.
*Número estimado apenas para a plataforma PlayStation 2, e não de todas que o jogo foi lançado
Mas quem são eles, mesmo? Ganados. Humanos infectados com o parasita denominado Las Plagas, que torna cativo seu hospedeiro, tendo completo controle de seu sistema nervoso. O jogo se passa num distante e esquecido vilarejo rural da Espanha e nesse ambiente de suspense e algum horror esses camponeses tentam rasgar a nossa carne. Mas não com os dentes. Os inimigos de Resident Evil, pela primeira vez, não são canibais. Eles manuseiam foices, logo possuem algum raciocínio lógico. Ah, mas tinha o Nemesis no RE3… Ele é chefão, portanto não conta. Ok? Ok. Vamos seguindo…
Avançando mais no gameplay, temos ganados usando não somente foices, mas também escudos, maças, tochas de fogo, cassetetes eletrificados, motosserras e até dirigem um caminhão. Resumindo: no início, RE4 começa com bastante suspense e fartos elementos de horror. Ainda que com um novo conceito de inimigo, ele mantém a proposta de survival horror; porém, no decorrer do jogo, o horror vai dando lugar a adrenalina, até que por fim você se vê controlando um JetSky numa caverna (com a Ashley na garupa) e acelerando ao máximo, pois uma bomba explodiu e o teto está caindo e há uma luz no fim do túnel. Portanto, acelera! Ok, salvamos a Ashley. Vamos ao próximo:
[divider]Resident Evil 5[/divider]
Resident Evil 5, o top 1 dos títulos mais vendidos pela Capcom. Nenhuma preocupação com o horror. Qualquer preocupação com o suspense estava ligada ao final do jogo, que é ação pura. Não houve retorno dos zumbis e os inimigos também não são ganados. São majinis: humanos infectados com uma espécie de Las Plagas 2.0. Resumindo: eles são mais ágeis e mais espertos que os ganados. Se ganados aceleravam caminhão para te atropelar, esses novos inimigos se organizam em frotas de motos e tentam te flanquear.
Utilizam todo tipo de armas brancas e de fogo. Manuseiam torretas e atacam dinamites. No mano-a-mano eles te agarram enquanto meia dúzia te espanca com os pés. Neste capítulo, enfrentaremos os inimigos sob a luz do sol, numa ambientação diferente de todos os títulos anteriores. Resumindo: trata-se de uma nova proposta de gameplay. E, seguramente, a nova proposta não é mais contar quantas balas você tem no inventário.
Agora, a proposta é você abrir o menu e carregar selecionando a munição e combinando-a com a arma, porque assim você corta a animação de recarregar e isso te dá segundos preciosos para manter o combo. Outro elemento que redefiniu a maneira de jogar Resident Evil foi o multiplayer. É possível jogar com a tela dividida (co-op local) ou online. Dessa forma, qualquer traço de horror que supostamente existia se esvai. A presença de outro jogador na pele de Sheva ou Chris confere ares de segurança e parceria. Você sabe que tem alguém pra te dar suporte: compartilhar uma erva verde ou emprestar umas 15 munições (não que isso falte) e isso dá segurança, que somada à adrenalina oferecida, funciona como uma espécie de antídoto ao medo; outrora tão bem explorado em títulos anteriores com seu som ambiente e insegurança causada pela ameaça constante somada à escassez de recursos.
Em Resident Evil 4, ainda havia um inventário a ser administrado. Em RE5, nosso inventário é composto de nove slots do início ao final e NUNCA vai te faltar munição. Não há puzzles desafiadores como o do piano em RE1 ou controlador de água em RE3. Portanto, sem ter muito o que administrar pelo inventário nem ter que quebrar a cabeça em como solucionar um puzzle desafiador, o jogo torna-se um pouco… Avance e mate tudo o que se move. Ainda que em alguns lugares o título receba classificação técnica de survival horror, a maneira de sobreviver é outra. A ação predomina.
[divider]Resident Evil 6[/divider]
Top 2 na lista de mais vendidos pela Capcom, este conta com notas, análises e vendas inferiores ao antecessor. Porém RE6 é, seguramente, o maior jogo de Resident Evil já lançado. De início, temos 3 campanhas protagonizadas por 3 diferentes duplas: Leon S. Kennedy e Helena Harper, Jake Muller e Sherry Birkin, Chris Redfield e Piers Nivans (meu personagem favorito) e, por fim, uma campanha que se foca em Ada.
E para alegria dos brasileiros: tudo legendado em PT-BR. Fiz a seguinte leitura desse jogo: Capcom tentando voltar um pouco às origens para agradar aos jogadores mais antigos sem perder o público mais recente; para isso, ela unifica a adrenalina, ação, medo, mistério, e terror num único título. Seu erro, a meu ver, foi dividir isso nas 3 campanhas mencionadas anteriormente. Esse elementos estão juntos (num único título), mas estão separados (em três campanhas distintas).
Leon e Helena numa trama de terror e mistério contra zumbis, de novo. Chris e Piers apenas ação. Sherry Birkin e Jake Muller eu diria que é predominantemente ação, algum mistério e um forte elemento de RE3: a fuga, mas não do Nemesis. Fugir de outra arma biológica: Ustanak. Sinceramente, eu queria botar o Nemesis e o Ustanak numa arena para ver quantos segundos Ustanak sobreviveria. E por falar em bioweapon, RE6 apresenta a volta do vírus C, responsável tanto pelos zumbis na Campanha do Leon quanto dos J’avos presentes nas outras duas campanhas. J’avos são, grosseiramente, uma versão Las Plagas 3.o. A inteligência dos inimigos é tão boa quanto uma I.A. pode ser.
Enfim… Essa separação nos deu um produto um bocado “inchado” de conteúdo e sem identidade. Não definiu-se pela ação como RE 5, nem pelo horror nos primeiros títulos. Ficou no meio termo; em cima do muro. Mesmo assim, joguei bastante e me diverti. Seja pela campanha de marketing – que contava com um horrendo restaurante ambientado na série: Bio Hazard Cafe & Grill S.T.A.R.S – ou pela própria competência do título, Resident Evil 6 vendeu muito bem, obrigado. Como aspecto positivo, destaco que o game oferece uma trama muito empolgante e costurada, conta com muitos personagens antigos e insere de maneira agradável novos parceiros para estes heróis. A narrativa do jogo é o ponto forte. O final da campanha de Chris roubou os holofotes das outras duas, embora sua parte contemple apenas ação.
Permitindo-se adentrar na narrativa – leia-se imersão -, é possível ignorar os aspectos negativos do game, como a atrapalhada câmera, e desfrutar deste capítulo em sua plenitude.
O que esperar do sétimo título?
Certo, discorremos sobre alguns aspectos de RE4, 5 e 6 e verificamos algumas mudanças significativas, principalmente a questão dos inimigos, que não são mais canibais e estão cada vez mais inteligentes. Essas e outras mudanças redefiniram o gênero de uma de nossas séries favoritas e vimos a saga, originalmente survival horror, inclinar-se cada vez mais à ação frenética. Vimos também o placar de vendas e debruça-mo-nos por diversos fóruns, reviews, análises negativas e positivas, mas isso não é o principal.
O mais importante é sabermos ler cada capítulo do game, identificando sua proposta. Sentir a mensagem que se esconde nas entrelinhas de um file, um diálogo, uma cutscene, enfim. Dito isso e sabendo todos nós do iminente anúncio de Resident Evil 7 na E3 deste ano é que faço meu palpite: acredito que Resident Evil 7 tentará se definir como survival horror novamente, como diz o rumor; e teremos inimigos canibais e irracionais de novo. Acredito também que o próximo título buscará manter os elementos cooperativos de RE5, que contabiliza mais de sete milhões de vendas. Dessa forma a Capcom vende, mantém a comunidade que possui e tentará repescar aqueles que foram acometidos pelo sentimento de “desilusão”, chegando a afirmar que Resident Evil já não era mais “Resident Evil”. Pois já não despertava o sentimento de antes.
…
Nota de esclarecimento: joguei todos os títulos aqui mencionados e gostei de todos, exceto o spin-off: Operation Raccoon City. Minhas críticas foram tão somente para elucidar a mudança de proposta de gameplay, que vem inclinando-se para a ação e deixando de lado o terror.
E você, amigo leitor, o que espera de Resident Evil 7?