Afinal, a nova brasileira dos vídeo games é ou não um grande problema?
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Velhos clichês tardam a morrer. Mesmo ao leitor acostumado apenas com notícias e críticas sobre jogos, o tema da representatividade feminina no mercado de vídeo games não deve ser novidade. Quantos artigos já não trataram sobre a evolução, tanto em pixels quanto do comprimento da roupa, da nossa querida Lara Croft?
Tanto no caso da exploradora de tumbas mais famosa do mundo quanto no da mais nova personagem tupiniquim da Capcom, tem-se um ponto em comum que mais chama a atenção: a hipersexualização. Até que ponto a ausência de um traje mais “recatado” prejudica no desenvolvimento e carisma de uma personagem?
Peguemos como exemplo dois consagrados ícones femininos.
Em primeiro lugar, a já citada Lara Croft. Em suas primeiras aparições no nostálgico PlayStation One, a jogabilidade e os gráficos de uma mulher em trajes praticamente de banho fez com que a personagem fosse rapidamente alavancada ao posto de ícone dos games. Contudo não é nada simples aferir que o sucesso da franquia se deu apenas graças à caracterização de sua protagonista, podendo inclusive soar tendencioso aquele que ousasse fazer tal afirmação. Era uma temática nova, interessante, com um visual inovador para a época. Com Tomb Raider Legend, o grande retorno da bilionária no PlayStation 2, ficou mais claro o foco na história da arqueóloga… Assim como também seu visual se aproximava cada vez do realismo, ou melhor, pseudorrealismo – vide traços exagerados da protagonista.
Nesse ponto faz-se necessário um contraponto. Eis que a new challenger appears. Jill Valentine teve sua péssima noite com a equipe da S.T.A.R.S. e quase foi feita de sanduíche no mesmo ano da estreia de Lara (1996). Ter a opção de jogar com uma mulher, como em Resident Evil, era um avanço ofuscado por um outro jogo que era inteiramente protagonizado por uma figura feminina. Mas não demorou para que Resident Evil 3 e o amado Nemesis corrigissem isso… Ao mesmo tempo em que trocavam o uniforme da policial por um short com suspensório.
Ou seja, duas décadas atrás, as personagens femininas não existiam para representar necessariamente a mulher ou para atrair um público feminino. Elas existiam como forma de exercer um fetiche sobre os consumidores masculinos e impulsionar os números de vendas. Repetindo, há duas décadas.
Nesse meio tempo e algumas gerações de consoles depois, vejamos onde estão nossas duas garotas exemplares. Jill foi rebaixada a um maiô roxo ao estilo Nina de Tekken 5 e teve seu papel cada vez mais marginalizado na trama da franquia de Resident Evil, em sua aparição no quinto jogo numerado da série. Já Lara teve um dos melhores reboots da sétima geração e voltou para tomar o cargo que estava perdendo/perdeu para Nathan Drake (fica a cargo de vocês essa bomba).
Vale ressaltar que o importante não é a simplicidade de a personagem vestir mais ou menos roupas, mas sim de sua abordagem ser muito mais humana, muito mais realista do ponto de vista da construção de sua personalidade. Observando-se o mercado cinematográfico, por exemplo, tem-se cada vez mais uma demanda por personagens femininas com papéis relevantes e personalidades expressivas. Rey de Star Wars e Katniss de Jogos Vorazes são dois exemplos recentes que exemplificam nitidamente a situação.
Isso quer dizer que a mídia agora se tornou consciente e decidiu se engajar em movimentos sociais de minorias? Não. Isso quer dizer que mostrar a imagem de mulheres fortes e independentes se tornou comercialmente viável. E nisso reside o mérito unicamente exclusivo da audiência, do público consumidor, o qual criou a demanda que fez com que o padrão fosse remodelado e estabelecido.
“Mostrar a imagem de mulheres fortes e independentes se tornou comercialmente viável”
Agora voltando o foco para nossa conterrânea em Street Fighter. Analisando a franquia, teve-se desde sempre personagens caricatos e hipersexualizados — essa última característica exclusiva das mulheres, afinal, os quimonos do Ryu e do Ken não têm nada de sex appeal. Criar lutadoras como Poison e Laura é característico do estilo dos jogos de luta da Capcom? Sim. Mesmo a representação suprema, Chun-li, está ali desde Street Fighter IV com suas calças coladas em HD, extremamente inviáveis para chutes altos na vida real.
O problema é que a caricaturização do masculino voltada para o humor (Dan, E. Honda, expressões faciais do Ryu) e do feminino para a sexualização (praticamente todas) soa como o estereótipo fácil e barato – que já soava ultrapassado em programas como A Turma do Didi, quando a maioria da geração de jogadores era um pouco mais nova. Soa até como algo de duas décadas atrás.
Criar uma carioca que use roupas curtas é um problema? Nenhum. No Rio faz um calor de fazer inveja a Satã e mostrar o corpo em si não deveria ser alvo de críticas a nenhuma mulher, ou melhor, a nenhum ser humano. O maior problema é solidificar toda uma franquia num padrão de mulheres que têm como única forma de expressão sua aparente elevada libido e seu fetiche destacados pelo aspecto visual pra atrair um público masculino.
Somando a todas as problematizações — as quais podem ser levantadas pela temática — tem-se ainda a falta de reconhecimento do público consumidor feminino. Se franquia vai se pautar em personagens cujo foco é atrair pela aparência, que o faça para as mulheres também. O que é um Vega se comparado a praticamente todo o elenco feminino da franquia?
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Nos resta torcer para que pelo menos a caracterização psicológica e motivações da nova integrante sejam relevantes, ou no mínimo bem embasadas. Visto que, infelizmente, a Capcom perdeu a chance de dar um reboot necessário e alinhado à demanda da nova comunidade gamer, tal qual a Square acertou com a cada vez mais interessante e humana Lara. O que a ausência de uma letra não te impediu de ser, não é mesmo, Laura?
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