A fórmula mágica da Rockstar se repete mais uma vez. Sendo um dos lançamentos mais aguardados do ano, sete anos de desenvolvimento e muito trabalho, sangue e suor colocados num videogame, temos um fenômeno que só acontece de tempos em tempos. Um produto de entretenimento tão colossal que define e dita tendências de uma indústria inteira – que se refusa a abandonar o mesmo design que muitos consideram datado. Red Dead Redemption 2 é um jogo que já nasceu um clássico, expandindo e melhorando em praticamente tudo o que seu antecessor fez. Não apenas isso, mas consegue ser mais do que apenas uma sequência.
Com o final do ano se aproximando, a comunidade começa suas especulações para o Game of the Year, premiação sediada pelo evento The Game Awards todo começo de dezembro. Red Dead Redemption 2 compõe a lista de indicados ao “oscar dos videogames” e esse texto é um pequeno compilado de razões do porque o magnum opus da Rockstar merece levar o título e consagrar o estúdio mais uma vez como GTA V fez em 2013.
O mundo e a narrativa
Red Dead Redemption 2 conta a história de Arthur Morgan e da gangue Van der Linde, um grupo de foras-da-lei que lutam pela sobrevivência num novo mundo que não precisa mais de pessoas como eles. O ano é 1899, e após um assalto ter dado errado na cidade de Blackwater, Arthur e a gangue fogem para o leste, tentando uma nova vida – mas com velhas tendências. A história conta uma decadente vida em um decadente velho oeste, e tanto Arthur como Dutch sabem bem o que os espera.
Mesmo não apresentando um enredo espetacularmente inovador ou mindblowing, o forte das histórias que a Rockstar constrói são os personagens e suas interações. Toda missão ajuda a desenvolver mais cada personagem, mostrando uma relação muito mais profunda do que o visto na superfície. Todo membro da gangue tem uma história pra contar, um medo para desabafar, algo para compartilhar. Tudo isso se monta num mundo crível e vivo, onde diversas vezes é necessário sacudir a cabeça e lembrar que aqueles personagens ali são um amontoado de códigos.
Os detalhes revelam um cuidado minucioso por parte dos desenvolvedores – há uma animação para praticamente toda ação no jogo, o mundo selvagem é dinâmico e conta com uma variedade surreal, o mapa é gigante e possui uma fauna e flora específica para cada clima. O mundo é amplamente sistêmico, possuindo micro interações em cada particularidade, como a neve derretendo e molhando o casaco de Arthur. Red Dead 2 possui o tipo de ambientação que é possível ficar vagando por horas e horas sem um objetivo demarcado – e isso é ótimo.
Poucos jogos conseguiram (ou conseguirão) reproduzir o nível de detalhes que existe nesse mundo, estabelecendo um novo patamar quando falamos de games de mundo aberto. Sendo uma das pioneiras no gênero, a fórmula da Rockstar cabe muito bem aqui.
O progressismo
Tópico talvez polêmico de se tratar aqui – principalmente com tendências políticas que corroboram tempos sombrios que vivemos – mas Red Dead Redemption 2 é um dos jogos mais progressistas da Rockstar nos últimos anos. A responsabilidade bateu na porta e os desenvolvedores souberam bem como tratar desse tema com seriedade. Começando pela própria gangue: os Van der Linde são compostos por várias etnias e nacionalidades. Charles Smith é nativo americano, Javier Escuella é mexicano, Lenny Summers é afrodescendente – pra citar alguns exemplos. A presença feminina também é marcante: Sadie Adler, a “garota indefesa” que encontramos no início do game, se torna uma das melhores personagens já escritas pela Rockstar.
Mesmo que o protagonismo mais forte ainda seja de Arthur e Dutch, não temos meros personagens secundários ou que só estão ali pra encher linguiça. Cada história desses personagens são desenvolvidas separadamente, mesmo que seja numa quest paralela. Tilly Jackson possui uma ótima missão secundária que envolve seus antigos companheiros de gangue e cabe a Arthur ajudá-la a resolver tal questão.
Se tratando do começo do século XX, movimentos pró-feministas começam a surgir e ganhar força, como o que luta pelo direito de voto ao público feminino. Inclusive há uma missão de escolta de uma carruagem composta por mulheres que pediam direitos fundamentais – quest iniciada pela briga à lá Romeu e Julieta de Beau Gray e Penelope Braithwaite. Fora outras coisas como a reação de Arthur ao se deparar com ‘acadêmicos’ puristas que propagavam a limpeza étnica pela condenação da miscigenação e a Ku Klux Klan sendo retratada como uma trupe de completos idiotas (além da honra de Arthur não descer ao matar os membros do partido rascista).
Provavelmente não vai ser o bastante, mas é admirável que pontos fundamentais não foram esquecidos ao se contar uma história nessa época.
O melhor protagonista da franquia
Desculpa, John, mas seu lugar foi roubado. Mesmo depois de muito ceticismo da minha parte quando soube do protagonista e que seria uma história antecessora ao primeiro Red Dead Redemption, Arthur Morgan conquistou um lugar especial pra mim. Roger Clark, ator que deu vida a Arthur, tem uma performance impecável e momentos super memoráveis. Desde os primeiros minutos de jogo, o desenvolvimento dele como ponto central da história já deixa a entender que seria algo a mais.
Sua fé blindada e altamente cega por Dutch começa a se desmoronar quando o personagem finalmente pensa de forma crítica sobre tudo o que está acontecendo ao seu redor. É necessário mais um roubo? É certo colocar o dinheiro na frente daquela dúzia de vidas humanas? O questionamento faz Arthur crescer como personagem e mostra um lado muito mais humano do protagonista, que estava claramente adormecido.
Esse foram alguns singelos motivos que RDR 2, pra mim, merece ser o Jogo do Ano de 2018. Não só pela ótima recepção do público e dos críticos, mas pela qualidade intrínseca que o jogo carrega.
Os anos de trabalho de toda a equipe pagaram e os frutos desse jogo serão reconhecidos pelos vários anos a seguir.