Jogar videogame parece ser cada dia mais difícil. Apesar do título, não me refiro à dificuldade dos jogos em si. Digo isso porque para a maioria a coisa mais fácil a se fazer é achar defeitos e reclamações de determinados jogos. Por consequência, isso torna o prazer de se jogar videogame uma coisa para poucos — por incrível que pareça.
O mercado de games nunca foi tão agitado e lucrativo quanto nos dias de hoje. Graças a isso, milhares de sites, canais no YouTube e grupos de pessoas surgem a cada dia em maior quantidade, simplesmente para falar sobre os tais jogos. Análises, muitas vezes tendenciosas, acabam moldando a mente dos consumidores, fazendo com que formemos nossas opiniões de forma precipitada. Às vezes acertamos. Outras vezes não.
Com o crescimento notório e assíduo do público por novos jogos, as empresas muitas vezes se forçam a “encantar” seus fãs de formas que, digamos assim, podem ser muitas vezes questionadas. Jogos muito fáceis, jogos muito curtos. Alguns jogos muito bobos, outros até profundos demais — caso de Destiny, que em seu lançamento inicial tentou ser profundo demais e acabou tão raso quanto um pires. Nesse meio de franquias já memoráveis, Dark Souls consegue se destacar por diversos fatores. O principal, para a maioria, é a sua dificuldade. Mas prefiro, desta vez, destacar aquela que para mim é a sua principal qualidade: a honestidade.
A viagem por um mundo incrivelmente instigante
Difícil e enlouquecedor. Áspero e feroz. Insano e desafiador. Dark Souls pode ser descrito por diversas combinações de adjetivos, que definem bem seus traços e rascunham o que é para nós, gamers, colocar o jogo para rodar, sentar de frente para TV, se desligar do mundo a sua volta e dizer para si mesmo: agora vai. Chamado por muitos de “o mais difícil jogo de RPG do mundo”, Dark Souls nos entrega uma experiência única e extremamente honesta. Desde o início, nós sabemos o que nos espera: um mundo fantástico e um desafio totalmente incomparável.
A série Souls, como é chamada pelos íntimos, desde o início nos apresentou a um universo totalmente único. Um lugar misterioso, com construções medievais e aquela sensação de estar dentro de um clássico universo de RPG. Hidetaka Miyazaki, diretor da franquia, bebeu da fonte de saudosos jogos como Vagrant Story — jogo da antiga Squaresoft, lançado para PlayStation, que assim como Dark Souls, não tem um compromisso muito grande com a história: ela está ali, acontecendo, e você faz parte dela, mas o que interessa é que você seja capaz de superar os desafios, custe o que custar.
Além disso temos a clara influência visual de Berserk. O estilo do clássico mangá, escrito e ilustrado por Kentaro Miura, é visto em armaduras, espadas e em quase todo o design de personagens do jogo, além dos ricos detalhes cenográficos, que são fortes inspirações para o universo de Dark Souls. Diversas comparações circulam pela internet, mostrando o quanto de Berserk existe na série Souls, desde os tempos primórdios de Demon’s Souls. De certo, Miyazaki redesenhou em sua cabeça o mundo de Miura para transformar o cenário em algo totalmente instigante e encantador. Baita influência, né?
Um pé no passado e o outro no presente
“Os jogos já foram mais difíceis, queria ver zerar esse jogo aí só com três continues”. Provavelmente você já escutou algo bem parecido com essa frase uma ou duas vezes (ou três, ou…). O saudosismo aos clássicos jogos que marcaram os anos 90 é sempre usado pelas pessoas para, na maioria das vezes, diminuir jogos dos tempos modernos. Dark Souls abraça essas pessoas. Um abraço bem apertado, por sinal. Sem tutoriais. Sem “frescuras”. O jogo te lança uma introdução bonita, que te paralisa e te deixa vidrado — caso este de Dark Souls III. Depois é isso: pé na porta e soco na cara.
Lá está você, num mundo aberto, com seres sempre ameaçadores, capazes de acabar com você e fazê-lo “voltar para o início da fase”, como nos clássicos do Mega Drive. Dark Souls parece redesenhar os jogos de plataforma da melhor maneira possível: comece na fogueira, avance e derrote seus inimigos. Se morrer, volte a partir da fogueira. Poucos checkpoints, chefes tenebrosos e com um padrão comportamental — muitas das vezes, por mais que você decore como ele se movimenta, não adianta nada. Cada adversário difícil que é derrotado coloca um sorriso no seu rosto. Derrotar um chefe extremamente desafiador sozinho é quase o equivalente a uma platina de um jogo comum. Dark Souls é um jogo de recompensas: passe por determinada área e se sinta um verdadeiro rei. Derrote certo adversário e passará a se achar invencível — ao menos até o próximo adversário.
A sensação de estar enfrentando um desafio “à altura”, sensação esta que para muitos morreu nos anos 90, vem com tudo em Dark Souls. Tudo isso faz com que exista um grande apelo em volta do game da From Software. A paixão pela série cresce cada vez mais e, ao que tudo indica, esse entusiasmo só tende a continuar crescendo.
Mas não se engane: muitos não se apegam à série. Talvez pela dificuldade, ou quem sabe pela jogabilidade, que é “estratégica demais”. A verdade é que não é um jogo nada fácil e muitos vão procurar uma forma de criticar o game, mesmo que seja apenas para justificar o fato de não terem se adaptado. Independentemente de gosto ou do quanto você gosta de testar sua paciência habilidade, Dark Souls veio para ficar. Uma crescente legião de fãs se arrasta pelas estradas sombrias de uma terra maldita, esquecida pela misericórdia. Amar ou odiar a série Souls é questão de opção. Mas se decidir jogar e se testar nessa experiência, saiba que uma coisa não será uma opção para você: ficar vivo por muito tempo.