É muito difícil lidar com o sinal dos tempos. Sentir que as coisas estão se modificando mais rápido do que a gente e que aquele jeito, que já estamos acostumados, talvez não seja mais o certo ou, simplesmente, o mais comum. O ser humano evolui todos os dias mas nós, como sociedade, parecemos relutar em dar certos passos para frente.
O medo da mudança. O medo do novo. O medo, como palavra mesmo.
Tudo assusta o indivíduo comum.
Mas mudar é preciso.
O gamer, como quase todo grupinho que abraça uma alcunha para bradar aos ventos o quão pré-definido ele é, gosta muito de abraçar o comum. Cada dia mais, ele parece detestar o novo. Por mais contraditório que isso possa soar, vindo de um grupo que, teoricamente, é formado pela paixão a tecnologia.
A indústria não fica muito atrás e, eventualmente, se molda em torno do comum, abraçando tendências e entrando em um looping contínuo de estilos e padrões que se tornam frequentes. Gêneros se moldam, influenciam novos títulos e a coisa vira um efeito dominó. Dos games de mundo aberto ao battle royale, tudo se padroniza quando se faz muito dinheiro e o público, eventualmente, acaba abraçando e amando essas tendências, que camuflam o novo ao tradicional e, mesmo que tudo vire um carrossel sem fim, as pessoas se acostumam e parecem não se dar conta que tudo é envelopado demais, repetitivo demais e, eventualmente, vazias de alma e inspiração.
É claro que nem todo o jogo segue esse almanaque. E nem todo o gamer também. Algumas empresas se dedicam a inovar e atender demandas que nem sempre serão as que mais dão lucro para os responsáveis. Ou talvez traga a grana mas afaste uma parte daqueles que só esperam o tal do comum.
“Tudo se padroniza quando se faz muito dinheiro e o público, eventualmente, acaba abraçando…”
A Nintendo é especialista nisso. Não se entrega ao mundano e segue acreditando em suas raízes, distante, por exemplo, do habitual fotorrealismo, que impera quase como um pré-requisito para um game ser “levado a sério”. Não importa o quão popular Animal Crossing seja, em meio a este atípico ano de 2020, regado a pandemia e isolamento. Para os padrões ele é estranho. É bobo. É diferente demais. Não é o comum.
Mas o “gamer comum” precisa que as coisas sejam bem mastigadas para que ele sinta na pele que as coisas mudaram. Um sucesso de um game indie não bate a porta dessas pessoas. Para eles não faz diferença se o título mais popular do Brasil é um battle royale para celulares, que roda em qualquer aparelho meio boca.
O que incomoda o gamer é um jogo como The Last of Us Parte II.
O mais recente exclusivo da Sony não apenas bate a porta para incomodar o conservadorismo. Ele abre com um pé de cabra. E faz barulho. Sem pedir licença. A machadadas, Ellie e Abby desconstroem o intocável padrão do protagonismo masculino, empurrando para longe o comodismo e colocando a mesa uma trama que incomoda, que atordoa e que impressiona pela coragem. Não a toa, com poucas horas de seu lançamento, o Part II foi massacrado nas avaliações de usuários do Metacritic.
O massacre veio porque TLOU2 não é uma história “comum”. Mas deveria.
Independente da qualidade, The Last of Us é uma ameaça ao que os fãs tratam como pilar. Dar o microfone na mão de quem não tem espaço arranha o quadro negro dos acostumados a serem sempre quem falam primeiro. A sensação de quebra de expectativa, ao ver seus privilégios e ídolos retirados do pedestal, coloca o jogador comum em um lugar que nunca esteve. E, por consequência, ele se coloca no direito de odiar a obra que, ao longo de anos, jurou que amaria. O golpe é forte e claramente foi sentido.
É difícil mudar mesmo.
Mas difícil, de verdade, é esperar que a comunidade gamer entenda isso. Entender que não se pode engessar os videogames e travar os avanços. Games, além de tudo, são um reflexo de tudo que nos cerca. Infelizmente ainda estamos na luta pela compreensão de que o gamer de celular é tão aficionado por videogames quanto o cara que jogou todos os Final Fantasy.
Um dia, quem sabe, a gente chega lá. Nem que seja na marra. Até lá, deixemos que o tempo faça seu papel. Os gamers querendo ou não.