Lá pra meados de 2001, quando Diablo II ganhou sua primeira expansão Lord of Destruction, pouco sabia eu do que se tratava todo esse papo de DLC, “add-on”, ou qualquer coisa relacionada a conteúdo adicional. O que eu sabia, no entanto, é que havia um estágio extra após matar o Diablo no ato IV, com novas quests, duas novas classes e mais uns baratos novos aí. O novo chefe dessa expansão se chamava Baal e matá-lo na última quest de Lord of Destruction é, até hoje, um dos maiores feitos da minha infância – até onde eu me lembro. Eu sentia o entusiasmo emanando em cada poro da minha pele quando vi aquele desgraçado morrendo e derrubando vários itens sobre seu próprio corpo carcomido.
Foi esse entusiasmo, essa mesma sensação, que senti ontem ao jogar a nova expansão de Bloodborne, chamada The Old Hunters.
14 anos depois, lá estava eu, gritando igual um bonobo fazendo sexo quando vi um dos piores chefes que já enfrentei nesse jogo cair na minha frente, enquanto uma frase em letras garrafais estampava a tela: ”PREY SLAUGHTERED“. Eu havia sentido essa mesma animação ao enfrentar outros chefes na campanha principal anteriormente, mas com Ludwig the Accursed foi diferente.
E por mais que você me ache um zé ruela por estar comemorando por ter matado o primeiro chefe dessa DLC, lhe digo que a coisa já estava ficando pessoal. Embora eu não seja um veterano da franquia Souls, Bloodborne conseguiu me cativar de tal forma que eu estava quebrando a cabeça (quase que literalmente) em The Old Hunters com meu save após três new game plus. Os monstros se adaptam a cada zerada e ao nível do seu personagem, então não era à toa que eu apanhava igual um masoquista numa relação sádica. Não que isso seja desculpa: Bloodborne continua sendo um jogo que você aprende pelos erros. E eu estava errando. Tipo, muito.
Injusto? Problema seu!
A franquia Souls me parece seguir um lema recorrente: não importa se os nossos jogos não têm pausa. Se você morreu, a culpa foi sua. Assim também como não importa a demanda de tempo e esforço que esse tipo de jogo pede. Bloodborne parece não ter “endgame” – a famosa e famigerada sensação de você ser fodão e acabar com qualquer inimigo com sua arma upada no +10. Essa expansão só serve para reforçar esse sentimento. Não existe fim para Bloodborne – nem para as suas mortes.
Embora a From Software tenha um histórico muito bem acentuado de dificultar ainda mais as coisas em suas DLCs, The Old Hunters consegue provar e jogar na sua cara que se você não está conseguindo, então… Bem, a quem culpar, senão a você mesmo?
A inteligência artificial dos inimigos mais parrudos (e chefes) parece desafiar a sua. Sim, de você aí, ser humano de carne e osso com o controle na mão. Você sabe que existe um padrão de ataque, você sabe que é possível desviar daquela sequência que te mata em dois golpes, mas mesmo assim a dúvida paira sobre sua cabeça: como uma sequência tão padronizada ainda consegue te matar? Os chefes parecem se adaptar a cada porção de vida perdida, e mesmo depois de horas tentando matar um único inimigo, ainda consigo duvidar de mim.
Um belo exemplo disso é um dos chefes opcionais que você pode enfrentar depois de fazer determinadas tarefas. Laurence, The First Vicar é quase uma cópia do primeiro chefe do jogo principal, o Cleric Beast. E quando eu digo cópia, é em quesito de aparência e movimentos. A diferença é que Laurence é uma criatura de fogo, dando a ele um leque maior de oportunidade de acabar com a sua vida, cuspindo fogo igual um vulcão. E já que vários dos movimentos são parecidos com os do Cleric Beast, é só usar a mesma estratégia, não é? Antes fosse, meu amigo. Antes fosse.
Os desenvolvedores não entregariam uma coisa tão de graça assim e, por incrível que pareça, você é obrigado a usar táticas praticamente diferentes para criaturas muito semelhantes. E o sentimento de fracasso por ter morrido pra um chefe que você pensava ser fácil é mais uma prova de que a From Software coleciona suas lágrimas dentro de potinhos de ouro.
Tá valendo a pena (morrer de novo)?
The Old Hunters é um complemento extremamente competente, sendo exatamente o que você esperaria de uma expansão para um jogo igualmente maravilhoso. Ela parte do princípio que quanto mais você jogou o jogo original, mais tranco e porrada você aguenta com chefes mil vezes mais fortes e parrudos daqueles vistos no jogo base.
E aqui reside o problema: se os novos chefes estão – teoricamente – no mesmo nível que você, o jogo não precisa fazer muito além de aumentar o HP e fortificar os ataques. O jogo não precisa te conhecer, mas você precisa conhecer a desgraça que está tentando te matar. E isso pode demorar horas. Muitas horas. Frustração, desconsolo e desânimo.
Embora The Old Hunters seja a expansão que Bloodborne merece, ela faz com que eu, como jogador dentro daquele mundo, desconfie das minhas próprias habilidades, me perguntando se uma hora eu vou conseguir. Se eu, sequer, sou capaz.
Mas você já sabe de quem é a culpa, né? Sabe, sim. Essa é uma experiência tão sádica que eu dificilmente vou conseguir encontrar dentro de algum outro jogo. Uma relação simbiótica, uma síndrome de Estocolmo com um jogo de videogame. Tanto para bem quanto para mal, Bloodborne: The Old Hunters sabe o que faz e sabe como te fazer sofrer por um jogo que você achava ter dominado.