No dia 13 desse mês, Kingdom Come: Deliverance foi lançado no PS4, Xbox One e PC. O jogo é um RPG, financiado via Kickstarter, que promete uma abordagem realista do combate e da cultura medieval. O jogo foi construído tendo como foco uma área de 16 quilômetros quadrados da Boêmia rural, e as pequenas aldeias e cidades encontradas lá no ano de 1403. Deliverance alcançou uma repercussão notável por toda a comunidade, obtendo opiniões principalmente positivas nas lojas de jogos na web.
E os resultados positivos não param por aí: toda essa repercussão parece ter se revertido em vendas significativas. De acordo com a SteamSpy, Kingdom Come: Deliverance ultrapassou as 500.000 cópias no Steam em 22 de fevereiro, apenas 9 dias após ter sido lançado. Juntamente com as cópias vendidas nas demais plataformas, o jogo já foi adquirido por mais de um milhão de jogadores, segundo divulgado pelos desenvolvedores da Warhorse Games via Twitter.
A marca de um milhão pode não ser muito para os padrões de jogos AAA, mas quando falamos de títulos produzidos via financiamento coletivo, é um marco impressionante a ser atingido. É ainda mais impressionante quando se considera que Deliverance é um jogo vendido por 60 dólares (R$149,99 no Steam brasileiro), em um mercado em que jogos rotulados como “indie” geralmente trazem um preço mais baixo.
Mas nem tudo são flores. Conforme os reviews do jogo começaram a ser divulgados, um tópico acalorou o debate e vem gerando grande repercussão nas discussões na internet: a notável inexistência de personagens não-brancos em Deliverance. Não se sabe ao certo quem começou tal discussão, mas o assunto tomou proporções maiores a partir da publicação de um review do jogo pelo site Eurogamer. Segue um trecho:
“Mas também há um grande problema. Não há pessoas de cor no jogo além das pessoas da tribo Cuman, um povo turco da estepe euro-asiática. A questão é, deveria haver? Os fabricantes do jogo dizem que fizeram anos de pesquisa e não encontraram nenhuma prova conclusiva que deveria haver, mas um historiador com quem falei, que é especialista na área, discorda”.
Segundo o historiador Sean Miller, consultado pelo Eurogamer, haviam reis africanos em Constantinopla em peregrinação para a Espanha, haviam os negros mouros na Espanha, sabe-se de uma extensa viagem de judeus dos tribunais de Córdoba e Damasco, e também se sabe da existência de pessoas negras nas grandes cidades da Alemanha. “As cidades checas Olomouc e Praga estavam na famosa Estrada da Seda, que facilitava o comércio de mercadorias em todo o mundo. Se você traça uma linha entre elas, ela corre diretamente através da área recriada em Kingdom Come. Você simplesmente não sabe se alguém ficou doente e ficou lá por mais tempo”, diz ele. “E se um grupo de negros africanos vieram e se hospedaram em uma pousada e alguém engravidou? Mesmo uma noite é suficiente para uma gravidez”.
A análise do Eurogamer argumenta que as afirmações do historiador podem não se tratar de prova conclusiva, mas já levantam possibilidades que parecem não ter sido consideradas na interpretação da Warhorse sobre aquele local e aquele período histórico. O que deixa a discussão ainda mais polêmica é a figura do diretor criativo, escritor e co-fundador da Warhorse, Daniel Vavra. Ele tem sido apoiador assumido do GamerGate e participou de discussões acaloradas no Twitter (reunidas em uma thread do ResetEra). Mais recentemente, ele usou a mesma camiseta, com a capa do álbum da banda Burzum, todos os dias na Gamescom 2017 – um momento de grande visibilidade devido ao lançamento futuro de Deliverance. O problema? Burzum é uma banda liderada por Varg Vikernes, um assassino condenado e defensor da pureza e supremacia racial. O próprio Varg se identificou como nazista por um tempo.
Polêmicas à parte, o Eurogamer termina seu review dizendo que não quer dizer que Kingdom Come: Deliverance seja um jogo racista, porque não é o caso. A preocupação é a de que, num momento como o atual, em que a questão da representatividade tem sido amplamente discutida, ainda se veja posicionamentos como os de Daniel Vavra, da Warhorse.
Outro nome da indústria a se posicionar em meio a tal polêmica foi Phil Spencer, diretor da divisão Xbox na Microsoft. Durante a DICE 2018, Spencer declarou que “a toxicidade é uma ameaça para toda a indústria”. Com a audiência dos videogames tendo expectativa de crescimento para o número de 2 bilhões de jogadores nos próximos três meses, Spencer afirmou que os desenvolvedores têm a responsabilidade de fazer jogos para todos. “Como transformamos o nosso meio para acomodar jogos de diferentes culturas, diferentes origens?” Spencer questionou. O executivo encerrou a sua fala dizendo que acredita que os jogos têm potencial para mudar o cenário cultural quando se trata de discriminação. Resta torcer para que isso se torne realidade.
Kingdom Come: Deliverance está disponível para PS4, Xbox One e PC.
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Via Destructoid, Eurogamer e US Gamer