It Takes Two é uma ode ao desapego

Vivemos uma época em que estamos distantes de tudo o que somos apegados. Trocamos a cerveja recém brindada pela coca-cola solitária e a mesa de bar pelas conversas infinitas em chamadas de vídeo, com vozes embaralhadas, todo mundo querendo falar ao mesmo tempo. Uma verdadeira loucura.

Mas há quem não curte o caos. Aquele amigo que você ama do fundo da alma mas que simplesmente não se encaixa na nova convenção do isolamento social.

Sem microfones e fones desregulados, para encarar gritos inesperados. Sem papo em dia. Sem piadas internas. Sem tudo isso, o amigo vai ficando cada vez mais distante. E é uma distância diferente daquela que estamos sendo obrigados a lidar. É a distância emocional. A distância da alma, aquela que quando se tem a troca de olhares rotineira dificilmente assume o centro dentro de uma relação.

Quando nos damos conta de que o fim parece inevitável ficamos tristes. E nos encolhemos tanto em nossa tristeza que só podemos assumir para nós mesmos que não temos o que fazer. A distância é uma arma que não aponta para nossa cabeça. Ela aponta para o nosso corpo inteiro. E refletir sobre seus sintomas, às vezes, só nos torna mais pequenos.

Recentemente tive a oportunidade de jogar o novo título da Hazelight (Brothers, A Way Out), o super bem recebido It Takes Two.

E It Takes Two fala sobre, veja só você, os males do afastamento.

Diferente do exemplo do amigo distante em tempos de pandemia, no game as vítimas são um casal, um tanto quanto comum: Cody e May. Vivendo uma clássica crise de casamento, os heróis acabam amaldiçoados por um feitiço noventista, lançado pela sua amargurada e desesperada filha. As lágrimas da criança, apavorada pelo espectro do divórcio, transformam os heróis em pequenos bonecos de pano.

A aventura começa em um mundo em miniatura, onde roedores são milicianos, aranhas são veículos e utensílios domésticos podem ser um grande pesadelo.

A crise no relacionamento de Cody e May é conduzida por um caminho tortuoso. Regidos por um Livro-Psicanalista, com rosto e sotaque indiano, a jornada nos ensina sobre cooperação – daí o nome do jogo – e em meio a colaboração conhecemos mais sobre a relação do casal. Com as cartas à mesa, não demora muito para entendermos os motivos por trás da crise amorosa dos protagonistas.

Cody e May vivem um distanciamento amoroso. Um rompimento causado pelas rotinas de suas vidas. É uma história muito real que, no pseudo-Conto de Fadas de It Takes Two, acaba por se tornar uma história fofa sobre reaproximação. Sem entrar em muitos detalhes para evitar spoilers, independente de final feliz, a jornada ali acaba valendo a pena justamente por deixar evidente o apego às coisas que os fazem felizes.

Para se compreender que o caminho trilhado até aqui pode não ser, necessariamente, igual ao que percorreremos no futuro, precisamos nos agarrar ao que nos fez chegar aqui. As lembranças são importantes e as histórias são parte de nossa construção pessoal.

Mas o tempo passa.

O tempo muda tudo.

E precisamos estar prontos para o que está por vir.

Desapegarmos do que um dia fomos e não funciona mais pode ser o verdadeiro atalho para a felicidade. E isso não significa que é necessário abrir mão das pessoas e coisas que gostamos. Talvez só precisemos entender que aquela foto favorita no porta retrato da cômoda é apenas uma lembrança gostosa de se lembrar. Tentar reviver aquilo para sempre pode ser uma âncora perigosa.

It Takes Two acabou, no meio de seu caldeirão de boas ideias e clichês, me encantando e abrindo os olhos para uma coisa tão simples, mas que parece ser extremamente difícil de se digerir. Entender o que devemos carregar no bolso e o que precisa ficar para trás não é uma tarefa fácil. Principalmente em tempos de isolamento e solidão. O desapego bate forte nos momentos de fragilidade.

Mas, como um tio costuma dizer: “Adiante!”.

As coisas mudaram. As pessoas mudaram. Nossa realidade mudou. Mas ainda temos tempo. Talvez não seja em uma mesa de bar ou naquele seu lugar favorito mas não perca tempo esperando “tudo isso passar”. Ligue pro amigo, revisite o que te faz forte. Lembre, relembre e pense que nem tudo ficou preso no “mundo como era antes”. Afinal, ainda temos tempo.


Em clima de desapego, este é o meu último artigo como editor do Jogazera. Foram pouco mais de 6 anos escrevendo e compartilhando momentos com colegas incríveis. Sou muito grato ao quanto o site contribuiu para minha história e a todos que acreditaram em mim sempre que estive por perto.

Muito obrigado. E joguem It Takes Two.

Até logo!