A espera foi longa mas finalmente o novo título da queridinha (ou nem tanto assim?) CD Projekt Red está em nossas mãos. Cyberpunk 2077, o game futurista que promete levar os jogadores a um profundo mergulho em Night City, uma metrópole em um futuro distópico, onde o mundo se perdeu entre corporações, tecnologias avançadas e a violência dos becos banhados pelo neon.
E é dos becos neon que eu quero falar. Porque, para mim, nada combina mais com essa temática do que… o pagode.
Estou com pouco mais de 10h de jogo mas, antes mesmo de tentar experimentar minhas próteses biônicas e me aprofundar em missões repletas de história (e bugs), decidi dar uma voltinha pela cidade, como quem não quer nada. Tudo é muito vivo em Cyberpunk. Os cidadãos de Night City são personagens exóticos, com olhos de metal, cabelos coloridos e se espalham pelas ruelas, tomadas pelo desejo de consumo e caos.
Perene a cultura Cyberpunk, temos também a Polícia de Night City – truculenta, intimidadora e sem estribeiras na hora de reprimir e até mesmo matar aqueles que vão contra a lei. Em meio a todo esse fuzuê de elementos, é impossível não comparar Night City ao Rio de Janeiro ou a São Paulo – ambas que já foram chamadas de “cidades Cyberpunk” por Mike Pondsmith, criador do RPG que inspirou o universo do game. E não apenas pelo feeling de cidade grande… mas pelos becos repletos de saco de lixo, decadência, poder paralelo, lojinhas esquisitas, a polícia agressiva e até mesmo um profeta que fica gritando suas convicções para todos que passam.
Eu cresci e vivi a maior parte da minha vida no subúrbio do Rio. Aprendi a entender como funcionam os horários seguros, quando o beco escuro é seu amigo ou seu inimigo e quando a polícia está ali para ajudar ou para intimidar – não apenas os bandidos. Entendi como me sentir em tranquilo, quando sei que estou cercado por trabalhadores e pessoas de bem, misturadas em um mar de civis que só querem chegar em casa, esmagadas em um transporte público ou andando a passos largos em uma rua que mais parece um corredor estreito de shopping.
Trazendo para a realidade: nada é mais Cyberpunk do que o subúrbio carioca.
E é impossível pensar no Rio de Janeiro sem pensar em lugares como o Pagode do Sardinha – bar tradicional do bairro de Campo Grande, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O pagode que, aliás, fala com o brasileiro muito mais forte do que a gente pensa – ou aceita. Quem nunca passou por um karaokê de estação rodoviária enquanto tocava “Coração Radiante” do Grupo Revelação? O tiozinho para lá de Bagdá, com o litrão balançando na mão (que jamais cairá no chão), ouvindo e cantando junto. Um background de pessoas passando, cansadas, com pressa e com medo. Olhares exaustos no meio de tantos cidadãos totalmente trucidados pela carnificina capitalista, que devora o ser humano sem que ele consiga resistir.
E onde essas pessoas encontram o refúgio? Na Feijoada do Pelé, no Videokê do Pepe ou no saudoso Pagode do Sardinha. Por mais “irado” que seja o rock com acordes e efeitos distorcidos da banda Samurai, que muito se assemelham ao gênero “industrial”, não existe representatividade maior para um mundo intimidado pela truculência e as super corporações do que a música melancólica, chorosa e ao mesmo tempo que te deixa na ponta do pé. O pagode é a trilha sonora do apaixonado, que sabe se apaixonar, independente das circunstâncias da vida – é a música do triste e do feliz, seja pobre ou não.
O fato é que o subúrbio é muito mais Cyberpunk do que qualquer pedaço de Tokyo. E aquela do Exalta é muito mais parte do povo do que Depeche Mode.
Por mais “estileira” que seja o rock pesado, que muito combinam nas sequências de ação de Cyberpunk 2077, sinto falta de ouvir a “música do povo” quando me enfio entre as lojas e máquinas de refrigerante abandonadas nas ruelas de Night City. E é estranho pensar que o estilo musical do futuro é justamente o que “combina com robôs” – sendo Cyberpunk uma temática muito mais humana do que parece.
Acabo, por fim, me sentindo pouco imerso quando desço uma escada, que sai em um conglomerado de lojas e boates de portas fechadas e o que sinto é a sensação de estar em um clipe do Pet Shop Boys. Não me parece orgânico e muito menos convincente.
Em Blade Runner quem deu o tom foi Vangelis. Em Cyberpunk 2077 é a tal da Samurai. Mas, na vida real, eu apostaria no Soweto.