Histórias cada vez mais complexas nos mostraram que os videogames conseguem há tempos transmitir histórias tão boas e emocionantes quanto às vistas em filmes e livros – temos diversos exemplos para isso. Acredito que a almejada “experiência cinematográfica” já tenha sido alcançada há tempos, mas as desenvolvedoras procuram atingir patamares cada vez mais elevados. Isso vai desde aprimoramentos na tecnologia de captura facial e de movimento, uso de atores profissionais, até as técnicas de câmera, que cada vez mais se assemelham às utilizadas nas produções hollywoodianas.
Tudo isso é tido como padrão em uma produção AAA. Mas será mesmo que precisamos de tudo isso para elaborar uma história envolvente?
Bem, esses fatores inegavelmente colaboram para um enredo imersivo e complexo, mas ainda há algo a ser mais explorado pelos videogames.
Ao tomar controle de um jogo que contenha uma história, somos compelidos a completar objetivos, nos locomover entre pontos, eliminar inimigos – agimos como um veículo para alavancar os eventos de um jogo, a fim de saber mais da história, ou só aproveitar mais do gameplay mesmo. E é aí que cabe algo pouco feito (de forma correta) na indústria: a integração do jogador à narrativa.
Alguns títulos já nos mostraram que isso é possível das mais variadas formas. Em Shadow of Mordor, o Nemesis System funciona da seguinte forma: o último Uruk que lhe derrotou, após comemorar vitória sobre o seu corpo, se torna o seu rival. Não há penalidade dentro do jogo, mas o seu ego, certamente, fica abalado, o que motiva você a ir atrás do tal Uruk por vingança. Ao encontrá-lo novamente, ele zombará o personagem pela sua derrota no duelo anterior, que por extensão, é uma ofensa ao jogador, que falhou miseravelmente. Isso gera dinamismo e afina a linha entre onde o protagonista termina e onde o jogador começa.
Por outro lado, também existem histórias fantásticas que manipulam o jogador e suas expectativas. BioShock e Metal Gear Solid 2 são exemplos de enredos que fazem isso com maestria. Ambos os games, em seus últimos momentos, jogam na sua cara que você – o jogador – foi influenciado e controlado como uma marionete, sem sequer estar consciente disso. Tais histórias não teriam o mesmo impacto se adaptadas para um livro ou filme, já que quando lemos ou assistimos, somos participantes passivos, mas quando jogamos, interagimos diretamente, o que nos torna participantes ativos.
Ainda existem jogos como Journey e ICO, nos quais o gameplay conta a história. Este último título mencionado possui uma língua inventada, o que impede qualquer compreensão linguística. Cabe a você interpretar a história, que é moldada ao passo em que você explora os cenários. Durante o game, Ico tem de guiar uma personagem chamada Yorda, segurando-a pela mão o jogo inteiro. A grande jogada é que os desenvolvedores passam essa responsabilidade ao jogador: a mecânica de “segurar pela mão” exige apenas que você segure um botão, mas dá contexto ao vínculo entre os personagens.
Enfim, uma vez que a presença do jogador é lida como um fator interno da narrativa, e não externo, é que percebemos as verdadeiras capacidades de como uma história pode ser contada nos videogames. Essa indústria não chegou tão longe só para ficar presa ao formato de narrativa encontrado em filmes.
Não estou menosprezando outros jogos focados na história. Quando quisermos algo mais tradicional, podemos recorrer a títulos como The Witcher 3 ou Life is Strange — narrativas que veem o jogador como um fator externo, mas nem por isso deixam de ser mais que competentes. É, entretanto, necessário que as desenvolvedoras olhem sob uma outra ótica o potencial narrativo de um videogame.