Como a realidade virtual pode ser viável em mercados emergentes?

Estamos diante da próxima possível revolução de como consumimos conteúdo. É real e está entre nós. Tivemos uma CES 2016 recheada de RV, novos devices e conteúdos possíveis sendo mostrados. A conferência da Samsung dias atrás confirma isso.

De um projeto de crowdfunding a um pedaço de papelão: nunca houve tantas opções disponíveis no mercado, para inúmeras finalidades e perfis de consumo. Se por um lado isso é bom porque representa uma concorrência maior, diferentes abordagens e evoluções em design e hardware usados para o mesmo tipo de equipamento, do outro lado da moeda temos uma questão que pesa bastante na realidade não-virtual de países emergentes como o nosso: o preço.

Falar de preço é falar de acessibilidade. Boa parte desses dispositivos vão custar caro em seus países de origem, e consequentemente custar muito mais caro aqui. E isso não é tudo, eles são apenas parte do pacote: o Oculus Rift, por exemplo, vai requerer um computador com um ótimo hardware; Samsung Gear VR necessita um telefone da linha Galaxy e que esteja na lista de telefones suportados e o PlayStation VR precisa de… um PlayStation, obviamente.

Isso encarece em muito o preço final da experiência e pode ser o principal fator a inviabilizar o acesso a essa importante tecnologia.

Não leve a mal, se você ainda não pôde ter contato com qualquer tipo de dispositivo RV, note a importância deles: isso não se trata de perfumaria, como foram os televisores 3D em seu lançamento. Isso é como vamos jogar, assistir nossas séries, vídeos, filmes e até consumir materiais publicitários daqui para frente.

Oculus Rift (7)

Só uma coisa me intriga:

Existem alternativas.

Não somos reféns da Oculus ou coisa parecida, seja como consumidores ou como desenvolvedores, mas mesmo assim, neste exato momento, milhares de desenvolvedores e game designers estão depositando suor e esforços em aprender a desenvolver em gadgets caros, como o Rift da Oculus.

Claro, faz todo sentido estar a par da próxima interação tecnológica, mas essa interação precisa de base instalada no seu mercado-alvo, ou estaremos criando um Virtual Boy com outro nome. Produtos extremamente consolidados como os consoles passam por esse drama a cada nova geração, e mesmo empresas tradicionais como a Nintendo eventualmente nos mostram como podemos falhar miseravelmente errando no começo, mesmo em países onde o poder de compra do consumidor é maior. E até agora poucos dispositivos foram lançados em sua versão final, não há muita base instalada, mas há espaço para competidores e dispositivos mais baratos. Então por que num mercado emergente temos tantos interessados em um hardware tão inacessível em seu lançamento?

Durante o ano passado foi possível ter uma impressão melhor da realidade virtual como um todo, sentir segurança sobre o futuro dessa tecnologia, como escrevemos aqui, e como estudante de game design, eu vi inúmeras palestras e workshops surgirem voltados exclusivamente para o Oculus Rift e não à realidade virtual como um todo.

PlayStation VR

O futuro é aberto.

De todos os gadgets e dispositivos até agora, o que mais me gera interesse é a simples contribuição da Google à realidade virtual: o Cardboard.

Em uma palavra: acessibilidade. O dispositivo está em sua segunda versão, e é feito dos mais diversos materiais, e qualquer empresa pode fabricar, desde que obedeça os padrões e métricas estabelecidas pela Google.

A primeira versão é ainda mais acessível, é feita de papelão e pode ser construída em casa seguindo algum guia facilmente encontrado na Internet. Assim como o Gear VR da Samsung, o Cardboard também precisa de um smartphone para funcionar, mas ele é um pouco mais abrangente, aceitando diversos dispositivos Android e iOS.

Google Cardboard VR

E esse é o pulo do gato.

Com toda a documentação e API disponíveis, incluindo um kit para o Unity3D, fica fácil entrar na brincadeira, desenvolver, testar e receber feedback. Não há necessidade de comprar ou esperar por uma versão de desenvolvedor do gadget, já que ele é só um óculos, de fato.

Isso por si só já reduz em muito o gap que existe entre o anúncio inicial, lançamento final e a disponibilidade de tecnologias desse porte aqui. Há tempos que somos acostumados a esperar anos pelo day one de tecnologias revolucionárias como essa em terras tupiniquins, e gentilmente colocamos a culpa no custo-Brasil. Mas desde 2014 esse projeto está disponível, não é nenhuma novidade, mesmo assim parece estar sendo ignorado aqui por parte dos que almejam desenvolver jogos e entretenimento digital. Não é que eu seja ingênuo de comparar um hardware dedicado conectado a um computador de ponta com um origami de papelão preso a um celular, mas…

É que ele abre um leque diferente de opções.

Eu conversava com um publicitário, amigo meu, na semana passada sobre o assunto e sobre como nós todos, consumidores e desenvolvedores, talvez estivéssemos remando contra a maré que banha o Brasil. Por que desenvolver, agora, para o Oculus Rift ou qualquer periférico custando mais que o smartphone médio do brasileiro?

O brasileiro hoje tem o smartphone como principal item de compra. A partir dele passou a consumir boa parte do conteúdo web que consumia antigamente sentado na frente de um computador. No telefone ele ouve música, tira foto, posta e joga.

Poder atrelar um Cardboard ou qualquer outro dispositivo semelhante e permitir à esse usuário consumir conteúdos de RV é o primeiro passo para o mercado crescer e para estimular a compra de gadgets mais avançados e específicos para determinados conteúdos aqui no país. E mesmo assim, o “origami de papelão” ainda teria seu lugar ao sol nesse cenário, seria a porta de entrada de muitos para a realidade virtual, seja pelo custo realmente baixo ou por simplesmente funcionar com o smartphone que você tiver no bolso (se você tiver um Windows Phone, ignore isso).

Microsoft Hololens

O leque de possibilidades é ainda mais estendido quando pensamos em propaganda e advergames, portas de entrada de muitos game designers brasileiros e começo de muitas desenvolvedoras. Em tempos de AdBlock, não seria muito mais legal receber um óculos desses no semáforo com um QR Code para o conteúdo do que um flyer? Quem sabe isso poderia até definir o próximo passo do inbound marketing, disponibilizando conteúdo interativo, jogos e demais produtos de RV que promovam uma marca de forma não-nociva em um dispositivo barato e acessível como esse. A Coca-Cola recentemente foi um pouco além e desenvolveu embalagens que se transformam em Cardboards.

A quantidade de jogos que podem ser desenvolvidos usando a mesma lógica de qualquer outro dispositivo de realidade virtual com um dispositivo simples como o Cardboard é gigantesca. Muitas das primeiras demos de RV usavam apenas movimentos simples com a cabeça, como as montanhas russas que têm invadido shoppings cidade a fora e podem ser replicadas com o dispositivo da Google.

Mas se você ainda tem dúvidas ou receios de investir tempo ou dinheiro, ou mesmo acreditar nessa iniciativa como consumidor, a Google disponibilizou alguns números interessantes no final de janeiro: já são mais de 5 milhões de Cardboards e mais de 1000 apps de RV na Play Store, além de 350 mil horas de conteúdo reproduzido com o YouTube VR em 19 meses, desde o seu lançamento. São ótimos números para uma tecnologia que está se estabelecendo.

Números tão bons que talvez seja a hora de você deixar o hype do Oculus Rift de lado e prestar mais atenção no que esse origami pode fazer.

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Este artigo foi redigido por um de nossos colunistas esporádicos. Você também pode publicar um texto de sua autoria no Jogazera, basta clicar aqui e seguir as instruções. Boa sorte!

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