Análise: UNSIGHTED é um triunfo e um dos melhores metroidvanias do ano

A minha primeira impressão que tive ao jogar os 10 primeiros minutos de UNSIGHTED foram marcantes. “Cara, isso aqui é incrível”, dizia eu enquanto acertava contra ataques e causava dano crítico nos pequenos robozinhos da área inicial do game. O sentimento era ainda mais intenso ao lembrar que esse é um jogo brasileiro, feito por um estúdio bem pequeno. É palpável o entusiasmo e a paixão colocadas ali – seja nos diálogos, nas escolhas de design, na arte e na música – o “jogo dos sonhos” de se produzir e conseguir lançá-lo nas maiores plataformas de videogame do mercado.

Cada minuto com UNSIGHTED veio com um lembrete mental que nossa indústria é presente, forte e de qualidade. Podem não ser produções triple-A ou com orçamentos milionários (e nem precisam ser, convenhamos), mas o acervo é grande. Falando especificamente de UNSIGHTED, o jogo consegue reunir o melhor de cada design de suas maiores inspirações, como Zelda e Metroid – além de dar uma palhinha de outros jogos independentes, como Hyper Light Drifter (que por acaso é ótimo).

UNSIGHTED é um triunfo – não só como mérito próprio por ser um ótimo jogo, mas, também, por (novamente batendo nessa tecla) empurrar ainda mais nossa indústria pra frente. Mesmo com alguns probleminhas que vou mencionar na análise, eu simplesmente fico feliz que esse jogo exista.

Um amor incondicional

UNSIGHTED conta a história de Alma, uma ciborgue (ou autômata, termo que o jogo usa para as máquinas sencientes) criada para ser a máquina mais avançada e completa já criada pelos humanos. O mundo em que Alma acorda está desolado após uma guerra entre humanos e máquinas, causada pela queda de um meteoro que trouxe uma substância misteriosa chamada Anima. Essa substância deu consciência para os autômatos e não é preciso abstrair demais para chegar a conclusão que os humanos não se deram bem com robôs conscientes. Em uma tentativa desesperada de acabar com a fonte de Anima dos autômatos, os humanos selaram o meteoro e limitaram drasticamente o acesso ao Anima.

Sem Anima, os ciborgues perdem o controle de suas consciências e se tornam unsighted – criaturas violentas e que atacam qualquer outro ser em seu caminho. Sabendo disso, uma corrida contra o tempo se inicia: Alma, recuperando a memória a trancos e barrancos, tem uma missão: reunir os cinco fragmentos de meteoro para forjar uma arma capaz de destruir o selo e conseguir salvar seus amigos e os habitantes da Vila Engrenagem.

Como tudo na vida, essa aventura não será fácil: cada fragmento está escondido em uma parte (bioma) diferente do mapa, sob o controle de poderosos autômatos que viraram unsighted. Toda vez que Alma pega um fragmento do meteoro, a protagonista recupera uma parte da memória e vai se lembrando de suas relações – incluindo seus sentimentos por sua namorada ciborgue desaparecida, Raquel. Alma e Raquel possuem uma história emocionante juntas e é um dos grandes pontos de desenvolvimento da narrativa de UNSIGHTED .

Grande parte dos personagens também possui certo destaque, auxiliando Alma de diversas maneiras – seja vendendo armas, itens que garantem bônus temporários (as engrenagens) ou oferecendo mais detalhes do mundo em si. O elenco do jogo é bem diverso, tanto em representações étnicas, de identidade gênero e orientação sexual. É bem legal de ver que a devida atenção foi dada a esse aspecto.

Todo o enredo é bem contado e construído – dentro de suas limitações. Mesmo com o jogo sendo relativamente curto (o que nesse caso é um ponto positivo no meu livrinho), há espaço para desenvolvimento da premissa básica e dos personagens como um todo, não deixando ninguém de fora. Às vezes sentia uma certa dificuldade de pacing entre um acontecimento e outro, como cutscenes e peças chave da história, mas nada que chegasse a atrapalhar a experiência como um todo.

Em suma, UNSIGHTED se sustenta com uma premissa simples, mas sólida. Toda sua história é envolvente, a escrita interessante e os personagens com um nível certo de carisma. Entretanto, o que chama a atenção aqui são seus sistemas de game design e gameplay.

Metroid-vania-souls-Unsighted-like?

Piadas à parte com o nome desse título, UNSIGHTED é uma mistureba bem gostosa de jogos do gênero metroidvania e até uma pitadinha de designs da série Souls. Na cereja do bolo, existe uma mecânica central que transforma toda a experiência com o jogo e dita todos os seus rumos narrativos: tempo. Cada autômato conta com um timer interno que indica quanto tempo lhe resta até se transformar em unsighted – e isso vale, inclusive, para Alma. Iris, uma fadinha robô que acompanha a protagonista em sua jornada, alerta consistentemente que Alma precisa se apressar se quiser salvar todos os seus amigos.

Essa mecânica pode parecer intimidadora e até desanimar muito jogador que gosta de explorar e tomar seu tempo com o jogo, e isso é perfeitamente entendível. Entretanto, UNSIGHTED te dá algumas brechas para aliviar a pressão desse sistema: a maioria do tempo dos autômatos é bem grande, alguns beiram as 300 ou 400 horas de vida. Obviamente, esse tempo é in-game e não em horas reais, mas ainda sim garante um tempo considerável de exploração. Alma pode encontrar um item chamado pó de meteoro escondido em baús espalhados pelo mapa que aumentam o tempo de vida dos autômatos. Dar pó de meteoro pra alguém (além de aumentar a vida em 24 horas) fortalece o vínculo e te garante alguns bônus e benefícios. Caso não queira ter que lidar com isso de forma alguma, as desenvolvedoras implementaram um modo “exploração” que desliga totalmente esse sistema. Yay!

O mapa de UNSIGHTED é completamente interconectado, cheio de atalhos e caminhos secretos que vão facilitar suas idas e vindas aos diferentes biomas e áreas. É comum em metroidvanias você se deparar com portas fechadas e caminhos bloqueados, mas aqui eu senti isso um pouco demais. Depois de resolver um puzzle de determinada área, dou de cara com outro quebra cabeça quase do mesmo nível de anterior, que demorei alguns vários minutos pra resolver. Tudo o que eu quero depois de resolver um puzzle que considero complicado é um pouco de exploração “livre” ou uma segmento focado em combate pra aliviar um pouco da fritação de cabeça.

O combate é rápido, fluido e funciona bem na grande maioria das vezes. Alma pode fabricar novos equipamentos e armas – basta encontrar seu respectivo plano de fabricação. A ênfase do combate é em acertar parries e esquivas, além de evitar dano a todo custo. Parece óbvio, mas cada dano sofrido Alma pode perder quantidades significativas de vida. Isso pode ser mitigado com o uso de engrenagens de defesa (itens que garantem bônus temporários, como mencionei ali em cima), mas o enfoque continua sendo evitar tomar porrada o máximo possível.

Além das armas (tanto de combate corpo-a-corpo quanto à longa distância), a ciborgue tem acesso a equipamentos que permitem o jogador a navegar em áreas previamente inacessíveis do mapa. Um exemplo clássico aqui é o do gancho, usável em diversas superfícies para fazer Alma se locomover com mais facilidade (além de ser usado como ferramenta de combate). Entretanto, uma coisa me incomodou com certa recorrência: para alternar entre os equipamentos, é necessário abrir o menu, clicar no item que deseja trocar, escolher o desejado na lista e equipá-lo. Esse processo pode se tornar uma pequena dor de cabeça caso a área que o jogador está exija diversos meios de locomoção ou haja a simples necessidade de usar uma arma mais forte para um segmento de combate. Particularmente, não encontrei nenhum jeito mais rápido de fazer essa troca, como algum atalho ou coisa parecida.

Levando todos esses pontos em consideração, todo o gameplay e exploração em UNSIGHTED são recompensadores e trazem um bom balanço entre os vários sistemas, sendo um prazer de se jogar, mesmo com os problemas citados. O jogo conta com um mapa grande e metodicamente elaborado para o jogador ter aquela sensação de descoberta constantemente, seja encontrando itens escondidos ou dando aquele longo suspiro de alívio ao desbloquear um novo atalho.

Uma gostosa surpresa

Escrever sobre jogos brasileiros é sempre uma boa surpresa. Além de tudo o que eu citei nos primeiros parágrafos, passar pela experiência de aproveitar algo dessa qualidade feito aqui, me enche de um pouquinho mais de esperança de olhar pro meu país e não ficar tão triste.

UNSIGHTED é um ótimo jogo pelo seus próprios méritos, não apenas por ser brasileiro. Se você curte metroidvanias, lésbicas ciborgues e um bom gameplay, esse jogo é compra obrigatória.

Análise: UNSIGHTED é um triunfo e um dos melhores metroidvanias do ano
CONCLUSÃO
UNSIGHTED reúne o que há de melhor do gênero metroidvania
POSITIVOS
Gameplay fluído e rápido
Exploração recompensadora e mapas conectados
Narrativa simples mas sólida
NEGATIVOS
Alguns puzzles podem ser bem frustrantes
Pequenos problemas de ritmo na história e na exploração
8.5
ÓTIMO