Análise: Starfield prova que a Bethesda precisa evoluir

Durante o Starfield Direct que foi ao ar logo após o Xbox Showcase no meio desse ano, o então diretor da Bethesda Game Studios, Todd Howard, afirmou que “Starfield é um RPG da Bethesda em todos os aspectos”. Depois de ter passado boas horas nesse universo e terminado o jogo, a afirmação de Howard sobre Starfield não poderia ser mais verdade – tanto para bom quanto para o ruim.

Nas últimas duas décadas, a Bethesda Game Studios conquistou uma legião imbatível de fãs que são os responsáveis por carregar tão forte o legado do estúdio até hoje. Suas duas franquias, The Elder Scrolls e Fallout, são dois grandes exemplos da indústria quando o assunto são RPGs “ocidentais” – vide o quão influente Skyrim continua sendo 12 anos depois. E mesmo após doídos tropeços que começaram em Fallout 4 e terminaram com um gigantesco tombo em Fallout 76, os fãs não perderam seu apreço pela empresa.

Starfield possuía expectativas colossais mesmo antes de existir. Era um conceito que demorou 25 anos para se tornar realidade – como disse o próprio Todd Howard. Um RPG de exploração espacial extenso e à frente de seu tempo que só poderia ser possível com as ferramentas e a tecnologia de hoje. Com isso em mente, não é à toa que gamers do mundo inteiro ansiavam por notícias e mais informações desse gigantesco RPG espacial.

Hype, especulações e ansiedade de lado, Starfield chegou. Depois de pouco mais de 50 horas jogando, explorando, experimentando e vivendo nesse mundo, é estarrecedor o número de sentimentos mistos que tive. Seja pela estrutura de como o jogo funciona, a história principal e sua miríade de sistemas complexos, terminei o game sentindo que já tinha visto o bastante. Para um RPG da Bethesda com temática espacial e “mais de mil planetas exploráveis”, isso é um pouco preocupante.

Ao infinito e (quase) além

A jornada começa humilde, sem grandes ambições. Assumimos o controle de um trabalhador de uma mineradora que está prestes a fazer uma descoberta extraordinária. Logo nos primeiros minutos de jogo, encontramos o que pode ser descrito como um objeto interdimensional chamado apenas de “Artefato”. Ao tocar na coisa, o personagem presencia uma visão intergaláctica, com imagens e sons de fora desse plano.

Voltando para a vida real, o jogo começa de fato: customizamos o personagem e se inicia a procura por respostas. Para ajudar nessa busca, fazemos o primeiro contato com uma organização chamada de Constellation – descrito como um time de exploradores que está desvendando os mistérios do espaço. Se isso soa meio vago porque é mesmo. Todo o propósito da Constellation me pareceu vazio de significado quando quem faz todo o trabalho pesado é o jogador.

Cada membro dessa organização tem seu propósito e ambição – alguns com histórias envolventes e outros… nem tanto. Inclusive, um dos meus problemas com Starfield é o quão desinteressante e vazio boa parte dos personagens é. Sarah Morgan, uma das lideranças da Constellation, deveria ser um bom exemplo de personagem que auxilia na sua busca por respostas e ajuda a construir um background envolvente para o jogador, mas não é o que acontece. Ela, Noel, Matteo – personagens que eu não fazia a menor questão de conversar ou saber mais da vida deles.

As buscas pelos artefatos e os setpieces da história com grandes revelações deixam, ao meu ver, a desejar. Mesmo que a história seja envolvente o bastante, senti falta de uma relação mais profunda com os personagens e um acabamento mais refinado nesses detalhes. Felizmente, as missões secundárias (principalmente as de facções) são muito melhor escritas e proporcionam uma experiência mais emocionante do que a quest principal.

Deixo minha recomendação para as duas missões de facção da United Colonies e da Freestar Collective, ambas com recompensas legais e uma narrativa bem envolvente. Dito isso, me parece proposital a atenção que os designers da Bethesda dão para essas quests em detrimento da história principal, assim como aconteceu em Skyrim e Fallout 4.

Não espere nada grandioso no departamento de história, principalmente dos personagens – infelizmente. A falta de charme é um problema que ronda vários departamentos desse jogo.

Loadingfield

Starfield é um jogo colossal. Centenas de planetas, missões, loot – não quero ser redundante aqui, sabemos do que um RPG da Bethesda é capaz. O problema é que Starfield, tecnicamente, é um jogo colossal… mas não parece ser. E isso se deve ao fato de como o jogo é construído: todas as instâncias são separadas por tela de carregamento. Entrar na sua nave, ir para o espaço, entrar em um planeta – basicamente todas as ações que envolvem ir do ponto A ao B tem uma tela de loading no meio do caminho.

Na minha visão, isso quebra qualquer sentimento de imersão que eu possa ter com um jogo desses. Sei e entendo perfeitamente que não estamos falando de No Man’s Sky, Star Citizen ou qualquer outro jogo de simulação espacial, mas a Bethesda e a Microsoft não são exatamente pequenas empresas ou com orçamentos apertados. Estamos falando de um dos principais lançamentos do ano e um o maior jogo que a BGS já fez, então penso que um meio do caminho poderia ser possível.

Talvez isso nem seja uma grande questão para a maioria das pessoas, afinal o manejo de expectativas é algo importante quando falamos de um lançamento desse tipo. Meu maior problema é o quão desconexo e destoante isso torna a experiência pra mim. Se eu posso simplesmente abrir meu mapa e escolher o ponto em um planeta X ou Y pra ir direto, pra quê vou desperdiçar horas customizando minha nave, por exemplo?

As batalhas espaciais e todo o gameplay que envolve pilotar sua nave foi super mal utilizado. O jogo não te dá nenhuma motivação para se aventurar no espaço, mesmo após obrigatoriamente te jogar na órbita de um planeta durante uma tela de carregamento – só para no próximo segundo precisar ir para outro loading e ir ao objetivo.

Outro grande ponto de discussão é a exploração dos planetas ser extremamente artificial. O uso de tecnologias procedurais é comum para um jogo desse tamanho e não é seu uso que me incomodou, mas a frequência de bases e pontos de interesse repetidos é espantosa. Quando eu digo repetidos é no sentido literal: a mesma base, a mesma disposição dos objetos, inimigos mortos, tudo. Teve horas que desconfiei se eu já tinha visto a mesma base em outro planeta ou se estava ficando doido.

Não só esses objetivos são xerocados de outras localidades como a movimentação planetária é um porre. O protagonista tem acesso a um jetpack – e só. Se for um planeta com gravidade normal (em relação à Terra) ou mais forte, o acessório torna-se mais um mecanismo de pulo duplo do que de travessia. A falta de um veículo terrestre (ou qualquer outro meio de locomoção que não fosse um jetpack ou os pés) já resolveria esse problema.

Os pontos de interesse são distantes com literalmente nada acontecendo entre eles. A navegação vira uma tarefa chata e por consequência a exploração – e o fato de eu estar dizendo isso de um jogo da Bethesda é alucinante. Perder 5, 10 minutos andando igual barata tonta num planeta aleatório é uma das coisas menos satisfatórias desse jogo.

As cidades, por outro lado, são lindíssimas e bem trabalhadas. New Atlantis e Akilla, por exemplo, demonstram o melhor que o estúdio consegue fazer se tratando de criar um lugar vivo e que contam histórias. Só ficaria melhor se o jogo possuísse um sistema de mapa local que prestasse.

A interface do jogo merecia um artigo inteiro sobre o quão ruim ela é, mas vou me conter aqui. Posso ressaltar a faltar de um mapa local, o quão os menus são difíceis de navegar, falta de informações importantes no construtor de naves e a falta de precisão no sistema de construir outposts. A UI como um todo é bem estranha e me soa como uma simples falta de testes.

Mecânicas evoluídas (se tratando de Bethesda)

O sistema de gunplay em Starfield é o melhor gunplay já feito pela Bethesda. E com isso eu quero dizer que hoje temos um sistema de tiro decente comparado com outros jogos da indústria, mas se tratando da empresa que fez Fallout 76, posso afirmar que está anos-luz na frente de qualquer outro jogo feito por eles. Não só essa mecânica está melhor mas como graficamente o jogo é muito mais atrativo. Novamente, comparado com outros games do estúdio.

E acho que aqui entra onde eu explico o título dessa análise: Starfield é o maior e, provavelmente, talvez, um dos melhores da BGS. Quando comparado dentro de um vácuo em que só jogos da Besthesda existem, o avanço na tecnologia e no gameplay foi bem significativo. Entretanto, esse é um cenário irrealista e temos vários outros jogos que vão – e devem – ser comparados com Starfield.

Sob essa ótica, é notório que o estúdio precisa evoluir. O feeling de “RPG Bethesda” é único, mas a um custo que atrasa todo o resto. Milhares de itens com um sistema de permanência incrível? Show! Ter loading que remenda várias partes do mapa? Nem tanto assim.

Esse jogo possui tantos sistemas, missões e um universo tão expansivo que é difícil quantificar o trabalho imenso colocado aqui – ao mesmo tempo que me deparo com coisas que parecem ter saído de um jogo de duas gerações atrás.

Um pequeno passo para um gigante salto

Starfield será um jogo de décadas. Assim como Skyrim é reverenciado até hoje, a viagem nas estrelas de Starfield poderá ser assistida nos anos a seguir, carregado por uma comunidade apaixonada que só a Bethesda consegue ter.

Mesmo possuindo pontos altos e ter me fisgado até os créditos finais, os problemas de Starfield são muito nítidos para se apaziguar. E isso fica ainda mais descarado quando vemos o investimento por trás de um jogo desse calibre. É o primeiro grande novo blockbuster do Xbox em anos e, embora esteja longe de ser um fracasso, não é da grandiosidade que merecia ser.


O jogo foi analisado com base na versão de PC cedido gentilmente pela distribuidora.

CONCLUSÃO
Starfield está longe de ser um fracasso, mas não é da grandiosidade que merecia ser.
POSITIVOS
Gunplay
Missões secundárias
Gráficos e alguns outros aspectos técnicos
NEGATIVOS
Personagens
História principal
Exploração
7
BOM