Quando falamos de Resident Evil, a montanha russa de emoções dos fãs é uma das mais drásticas de toda a indústria dos videogames. Inaugurando gêneros como o survival horror e tendo uma sequência de acertos em seus anos iniciais, a série viu um declínio repentino com games mais recentes. Desde o sexto jogo e spin-offs altamente duvidosos (to falando de você, Umbrella Corps), é quase unânime que a Capcom não sabia muito bem onde estava levando a franquia. Mas é terror ou ação? É pra ser mais ação ou terror? Ou um equilíbrio? Questões.
Em Resident Evil 7, um dos meus favoritos de 2017, foi notório que o estúdio estava anotando no caderninho os do & don’ts que os fãs explicitavam. Até que a confirmação veio: um remake de um dos favoritos, Resident Evil 2, estava em produção. O gostinho seria na E3 de 2018, com um trailer mostrando o visual repaginado de Leon em seus anos dourados (e iniciais). O caminho até lá foi longo, mas recompensador. Resident Evil 2 é o melhor exemplo de como refazer um game clássico atualmente, entregando novidades e um forte senso de nostalgia pra quem cresceu matando zumbi em videogame.
Uma noite de terror
O game conta a história paralelamente de dois personagens queridíssimos da franquia: Leon S. Kennedy e Claire Redfield. Leon, policial recém-chegado para assumir seu posto na RPD, e Claire, para procurar seu irmão e veterano da série, Chris Redfield. Ambos encontram uma cidade tomada pelo pânico e terror causado pelos mortos-vivos, a beira do colapso. Buscando refúgio na delegacia de polícia, Leon encontra-se com o tenente Marvin Branagh, que o orienta a tomar cuidado com as temíveis criaturas e não cometer o mesmo erro que ele. Ferido, Marvin ajuda Leon a encontrar pistas de como fugir da delegacia, e consequentemente, da cidade. Claire, que acabou se separando de seu recém amigo, busca encontrá-lo e também fugir daquele pesadelo.
Não demoraria muito tempo até que os planos de uma certa companhia farmacêutica viessem à tona: Umbrella Corporation estava por trás dos acontecimentos de Raccoon, devido aos experimentos com vírus mortais e bioarmas. Especificamente, William e Annette Birkin eram os criadores do G-Virus, uma variação muito mais potente que o T-Virus, responsável por causar a epidemia de zumbis na cidade. Leon e Claire se envolvem diretamente com a trama por conta de Sherry Birkin, filha do casal de cientistas, e Ada Wong, espiã disfarçada de agente do FBI que está a procura de uma amostra do G-Virus no laboratório NEST, da Umbrella, nas profundezas de Raccoon.
Como sabemos, as coisas dão bastante errado e William se torna um dos chefões que enfrentamos ao longo do jogo, em variadas formas e estágios. Mr. X, uma das bioarmas mais poderosas da Umbrella, não vai deixar Leon e Claire respirarem em paz por nenhum segundo. A narrativa, como um todo, consegue fazer o trabalho de explicar o que está acontecendo – embora haja partes nitidamente apressadas, com um súbito corte do feeling do momento, principalmente no final das duas campanhas.
As novas vozes da dupla também não convencem muito, principalmente a de Leon. Nick Apostolides não consegue entregar a mesma performance espetacular que Matthew Mercer (antigo dublador de Leon); seja pelo próprio roteiro ou por não passar total confiança no papel. No geral e em demais personagens, temos um bom equilíbrio dentro das expectativas, com momentos ligeiramente memoráveis. Porém, fica claro para não esperar nada muito espetacular ou hollywoodiano do roteiro e narrativa.
Sobre os ombros
Quando anunciado, havia especulações sobre câmera fixa, primeira pessoa (ao estilo RE 7) e todo tipo de rumor possível. A aposta mais segura (e certeira) era recorrer onde mais a franquia mais triunfou: com a visão sobre os ombros. Assim como milionário e mil vezes portado Resident Evil 4, o remake se passaria como uma experiência completamente nova, além de contar com gráficos fotorrealistas empoderados pela RE Engine. A mecânica de tiro e combate seguem os moldes de suas inspirações na trilogia moderna (4, 5 e 6) com significantes melhorias. Todas as ações possuem um certo peso e feeling, assim como cada arma individualmente. Os inimigos – apesar de lentos e burros – são altamente resilientes, te obrigando a racionar munição… como um verdadeiro survival horror.
Os zumbis podem ser partidos no meio e ter seus membros arrancados, tudo em prol da estratégia de saber manejar os recursos. O inventário limitado também se faz presente, junto com o medidor de vida clássico, itens de vida, máquina de escrever para salvar o jogo e baú para guardar os itens – como nos velhos tempos. O mapa também tem papel primordial na exploração, sendo necessário tentar abrir cada porta e decorar certos caminhos e atalhos para realizar os objetivos com mais agilidade. Implementações de qualidade de vida também foram super bem vindas: o mapa fica marcado com itens que você não pegou e com cores indicativas se ainda há algo para ser explorado em cada área.
Levando isso tudo em conta, assumo dizer que haverão partes de desespero, agonia e frustração por ter que passar numa sala cheio de zumbis e não ter uma bala sequer ou uma ervinha para recuperar um pouco o HP. Some isso ao fato do Mr. X começar uma perseguição interminável e se tem a fórmula perfeita do terror. Falando nele, mesmo que o personagem aja como um inimigo caçador imortal, não espere nada como o Xenomorph em Alien: Isolation – há lugares que ele não pode entrar e é bem tranquilo de tirar proveito da inteligência artificial, quebrando a tensão em alguns momentos.
Porém, não abaixe a guarda e preste atenção nos passos ao seu redor. O jogo foi gravado com áudio binaural 3D, tornando tudo mais imersivo. Em suma, o gunplay é ótimo, os zumbis são aterrorizantes e o Mr. X é um filhote de Satanás. Exatamente como eu esperava.
Made in Heaven
A Capcom finalmente está com a franquia nos trilhos novamente e o remake de Resident Evil 2 veio com tudo para fazer escola na indústria. Um jogo com a essência dos originais, feito num molde moderno e funcional. Mesmo quem sinta saudade dos tank controls, não vai conseguir desapegar do quão fluído (e bonito) esse novo game está. Há problemas – obviamente – mas nada que atrapalhe o brilhantismo desse survival horror retrabalhado.
Fãs veteranos ou novatos, esse momento é de vocês. Espero que esse jogo sirva de lição para outras produtoras japonesas, principalmente a Konami, de como um remake deve ser e traga velhos conhecidos de volta. Por hora, a oportunidade de revisitar Raccoon City com Leon e Claire está imperdível.