Análise: Hearthstone: Campos de Batalha é a aposta da Blizzard no gênero auto battler

Em meio às grandes novidades exibidas na Blizzcon 2019, como Diablo IV, Overwatch 2 e a nova expansão de World of Warcraft, Shadowlands, um dos anúncios mais inusitados – e que possivelmente tenha passado despercebido pelo grande público – foi o novo modo de Hearthstone, Battlegrounds (ou Campos de Batalha, na versão em português).

Além de ser o primeiro novo modo implementado no card game em anos, Campos de Batalha surgiu com a ousada missão de ser o representante da Blizzard no gênero dos auto battlers. Gênero esse que é, sem dúvidas, uma das grandes febres de 2019, mas que já vem mostrando sinais de saturação com tantas companhias embarcando nessa onda e tentando emplacar o título da vez. Será que a Blizzard foi bem-sucedida nessa empreitada? Testei a versão beta de Battlegrounds e trago minhas primeiras impressões e a resposta para essa pergunta logo abaixo.

 

Tá, mas o que é esse tal de auto battler?

Um auto battler é um jogo de estratégia em que você recruta exércitos que lutam automaticamente uns contra os outros, como o próprio nome já diz. Cada partida é estruturada em torno de uma série de lutas contra sete adversários humanos. Você passa o seu turno comprando heróis de uma pequena lista, equipando-os com itens e colocando-os em posições vagamente táticas em um tabuleiro semelhante ao de um jogo de xadrez. A partir daí, você apenas observa suas unidades batalharem, se digladiando contra os heróis do seu oponente até que um lado vença. Cada vez que você perde uma luta, as unidades inimigas sobreviventes atacam o seu avatar, causando dano no seu total de vida. O último dos oito combatentes a ficar de pé na partida é o vencedor.

Para um jogador de primeira viagem, uma partida de auto battler pode parecer algo sem sentido, afinal, boa parte do tempo é gasta apenas assistindo as unidades batalharem umas com as outras e torcendo para que as suas sejam as vencedoras. Mas, uma vez que se pega o jeito da coisa, se percebe que a estratégia vai muito além disso, envolvendo sinergias entre diferentes tipos de unidade, escolhas de posicionamento no tabuleiro e até mesmo observação das unidades escolhidas e disposição nos tabuleiros adversários, para decidir a melhor abordagem. É, sem dúvidas, um jogo de estratégia em sua essência.

O título responsável por começar essa febre foi o Dota Auto Chess, um mod de Dota 2, lançado em janeiro desse ano, que rapidamente conquistou uma legião de seguidores – só para se ter uma ideia, no mês de maio, o jogo já contava com mais de oito milhões de jogadores e figurava entre os mais populares no Twitch. Obviamente, outras empresas não tardaram em produzir suas próprias versões da galinha dos ovos de ouro e, em junho desse ano, chegaram ao mercado outros dois concorrentes de peso: a Valve, com o seu Dota Underlords, e a Riot, com o Teamfight Tactics.

 

Bem-vindos ao festival das aleatoriedades!

Com empresas de renome já estabelecidas e um mercado bastante saturado de cópias menos conhecidas dos grandes sucessos auto battler, foi bastante inesperado ver a Blizzard investir no gênero, quase um ano depois da febre ter começado. E a surpresa maior foi descobrir que sua versão do jogo não foi feita tomando como base Heroes of the Storm, que seria a escolha mais óbvia, tendo em vista o aproveitamento que a Valve e a Riot fizeram de seus próprios MOBAs. Pelo contrário, o jogo escolhido para ser a casa do auto battler da Blizzard foi… Hearthstone. Sim, ele mesmo, o famoso jogo de cartas digitais, responsável por movimentar um segmento mais casual do público.

Na versão da Blizzard, o campo de batalha é substituído pelo tabuleiro de Hearthstone, e as unidades são substituídas pelas cartas. A jogabilidade é toda bem simplificada se comparada com a de seus concorrentes: não é possível guardar ouro para os turnos seguintes, não é possível trazer cartas de volta para a mão, as unidades só podem sofrer upgrade uma única vez e, pelo menos no presente momento, em que o jogo se encontra em período beta, há uma quantidade bastante limitada de sinergias disponíveis.

Toda essa simplificação significa que o jogo é menos divertido? Pelo contrário. O charme de Campos de Batalha está em justamente aproveitar o que há de melhor nas mecânicas de Hearthstone ­– gritos de guerra, últimos suspiros, atributos como escudo divino, venenoso, provocar, etc. – e levar o conceito de batalha automática ao extremo. Aqui, a aleatoriedade é fator determinante no resultado das partidas, uma vez que a única coisa que o jogador pode fazer é escolher como quer posicionar suas cartas no tabuleiro. Depois disso, a única lógica é que os lacaios com provocar serão os primeiros a serem atacados, e o resto é uma grande festa de RNG.

Em Campos de Batalha, turnos inteiros podem ser ganhos ou perdidos de acordo com quem suas cartinhas resolverem atacar primeiro, e isso é mais divertido do que eu tinha previsto assim que vi o jogo ser anunciado. Prepare-se para ficar vidrado na tela torcendo para os lacaios atacarem os lugares certos e morrer de dar risada (ou de xingar, dependendo do caso) uma vez que os turnos chegarem ao fim.

 

Por enquanto, é melhor contar com a sorte

Apesar do charme e da pegada bem-humorada, nem tudo funciona muito bem em Campos de Batalha. Uma das grandes reclamações tem sido a diferença gritante que existe entre os diferentes heróis. Existem 24 heróis disponíveis e, ao começo de cada partida, três deles serão exibidos aleatoriamente para que cada jogador escolha com quem quer jogar. Aqui, os três que aparecerem para mim nunca serão os mesmos que aparecerão para os outros sete competidores, de maneira que nunca haverá heróis repetidos numa mesma partida.

O problema é que existem heróis muito melhores que outros, e partidas inteiras podem ser perdidas simplesmente por você ter disponíveis apenas três opções muito ruins no começo do jogo. Por exemplo, o herói Jorge pode gastar quatro moedas de ouro para conceder escudo divino para uma única unidade em seu lado do campo. Ao mesmo tempo, o herói Nefarian precisa gastar apenas uma moeda a cada turno para causar dano a todos os lacaios adversários no começo da batalha e remover todos os escudos divinos. Sim, todos eles, que custaram quatro moedas cada. Ou seja, se você escolher o Jorge e cair contra Nefarian, se prepare para xingar muito…

Da mesma maneira, existem certas sinergias de cartas bastante desbalanceadas se comparadas com outras – um jogador que conseguir feras, hienas e uma Mamãe Ursa, que concede buffs a cada uma delas, terá grandes chances de sair vencedor, devido ao grande potencial de bola de neve presente nessa combinação de lacaios. Igualmente problemáticas são as Amálgamas do Pesadelo, um tipo bem comum de carta que consegue receber buffs de todas as tribos, quase como uma carta coringa ­– consiga algumas delas cedo no jogo e apenas assista elas crescerem com a quantidade de benefícios disponíveis, para o desespero de seus adversários.

 

Potencial inexplorado

Após testar o jogo por algumas horas e ficar em primeiro lugar pelo menos cinco vezes, me sinto habilitado a dar um veredito: Campos de Batalha é um modo bastante promissor. No entanto, ele não é para todos os jogadores. Se você é um jogador hardcore e quer experimentar estratégias de alto nível tático, sinto muito, mas esse não é o jogo mais recomendado para você; é melhor procurar outra opção nas empresas concorrentes. Mas, se você quiser aproveitar uma experiência casual e divertida, uma introdução amigável ao gênero dos auto battlers, que pode ser experimentada enquanto você anda na esteira ou espera na fila do supermercado, aí sim você veio ao lugar certo.

Após esse contato inicial com o jogo, tenho segurança em dizer que a Blizzard possui uma boa base em suas mãos; resta saber como ela irá aprimorar e conduzir o futuro desse novo modo. Caso ela escolha o caminho de um melhor balanceamento e atualizações constantes, com novas cartas e sinergias sendo inseridas de tempos em tempos, bem como novos e mais equilibrados heróis, Campos de Batalha tem tudo para ser um sucesso duradouro e se consolidar junto a essa base de jogadores mais casuais que tanto amam Hearthstone.

No entanto, se o modo for deixado de lado, não for atualizado e nem receber uma boa melhoria em relação aos bugs e travamentos presentes na versão mobile (se for jogar pelo celular, se prepare para passar raiva vendo o aplicativo fechar em momentos decisivos), então é seguro dizer que o interesse diminuirá assim que passar a sensação de novidade e muito em breve o jogo será esquecido.

Por enquanto, resta torcer pelo futuro do novo modo e aproveitar o sentimento de que tudo pode acontecer – pelo menos enquanto não houver um lacaio com provocar no meio do caminho.

Hearthstone: Campos de Batalha possui versões para PC e dispositivos móveis (Android e iOS). Por enquanto, o modo de jogo está disponível apenas para quem adquiriu o ticket virtual da Blizzcon ou uma das pré-vendas da nova expansão de Hearthstone, Despontar dos Dragões. No entanto, se você quer jogar sem gastar, fique tranquilo: o jogo entra em beta aberto na próxima terça, dia 12 de novembro, e todos poderão ter acesso a ele sem pagar nada. Para mais informações sobre esse modo, confira o site oficial.