Análise: Far Cry 6 tem ideias boas, ruins e desperdiçadas

Posso cortar essa análise e ir direto ao ponto com uma simples frase: a fórmula de Far Cry permanece intocada. O gameplay e a filosofia de game design é basicamente a mesma desde o terceiro jogo da franquia, seguindo as mesmas regrinhas básicas de exploração: escale as torres, desbloqueie pontos de interesse no mapa, faça missões e repita o processo. Obviamente, com algumas mudanças ao longo dos anos, você sabe exatamente o que esperar de um Far Cry. Não ajuda também o fato dos jogos da Ubisoft seguirem a mesma estrutura de mundo aberto nos últimos cinco anos.

Usando uma metáfora, gosto de pensar nesses jogos como um bolo de brigadeiro. Não é o melhor dos bolos (pelo menos pra mim), mas ainda assim é gostoso. Dá pra comer umas duas ou três fatias dependendo da fome e se encerra aí. Eventualmente, você tem a chance de comer de novo o mesmo bolo, mesmo que seja em outra ocasião. Muda o que vai por cima, talvez acrescenta-se uma calda ou algum outro acompanhamento, mas você sabe exatamente como funciona um bolo de brigadeiro. Gostoso nas primeiras fatias e bem enjoativo depois de algum tempo.

Far Cry 6 faz muito pouco pra ousar e trazer algo diferente pra mesa, seja em sua narrativa ou gameplay. É um jogo que segue estritamente as regras de zona de conforto de sua desenvolvedora – principalmente depois de grandes debates a respeito sobre como Far Cry 6 é, de fato, um jogo político, apesar do passado dizer outra coisa. Essa mesma zona de conforto que busca tirar olhares dos escândalos de assédio sexual que acontecem dentro dos estúdios da gigante francesa e como a gerência faz vista grossa para as denúncias.

Mesmo fazendo pouco pra conseguir algum destaque, tem momentos de diversão genuína e que consegue tirar proveito de todo os trocentos ícones no mapa, baús e caça ao tesouro espalhados pelo país fictício de Yara. Se Far Cry vai passar por alguma revolução (trocadilhos à parte) em sua filosofia de design, só o tempo dirá. Até lá, seguimos com o mesmo bolo de brigadeiro de sempre pra compor o cardápio de blockbusters de 2021.

O manual do guerrilheiro comercial

OBS: É possível escolher o gênero de Dani (protagonista) no começo do jogo. Para essa análise, tratarei a personagem no gênero feminino por ter sido minha escolha e pela ênfase do marketing da Ubisoft para divulgar o jogo.

Talvez um dos descompassos mais bizonhos de Far Cry 6 é como as temáticas de revolução perpassam por um funil comercial tão intenso. Em pouco mais de 40 horas de gameplay, eu devo ter ouvido a palavra “guerrilha” incontáveis vezes. Como em uma propaganda em horário comercial, a intenção aqui não é ser sutil e construir a ideia aos poucos, mas escancarar e saturar. Uma saturação que fica evidente nos primeiros momentos de jogo com a introdução dos personagens e a chegada de Dani no fronte da Libertad, o movimento revolucionário e de enfrentamento às atrocidades de Antón Castillo, principal antagonista do game, magistralmente interpretado pelo ator Giancarlo Esposito.

O cenário em que o jogo se passa é uma representação fictícia de Cuba, chamada Yara. O país tropical é povoado por pequenas cidades, praias exuberantes e florestas densas com a mais variada fauna. Somos primeiramente apresentados a Dani Rojas, uma órfã ex-militar que busca fugir de Yara junto com seus companheiros, Lita e Alejo. O barco clandestino que levava Dani é abordado pela força militar quando o filho de Antón, Diego Castillo, é descoberto na embarcação tentando fugir do país. É a primeira vez que vemos Antón e sua excêntrica personalidade sendo colocadas à prova.

Após milagrosamente ter sobrevivido ao ataque depois de Diego ter sido “resgatado” do barco, Dani é jogada pelo mar até a praia mais próxima, ainda tentando entender como tudo aquilo aconteceu e seus amigos terem sido assassinados. Pouco tempo depois, a protagonista é apresentada a Clara Garcia, líder da Libertad, que tenta convencer Dani a se juntar à causa e se tornar uma guerrilheira. O convencimento não dá muito certo e Clara pede um único favor para a personagem antes de deixá-la ir: encontrar e recrutar uma figura conhecida como Juan Cortez, um ex-espião e mestre guerrilheiro para ajudá-los na causa. Dani eventualmente se encontra com Juan e o figurão volta para a HQ da Libertad. Dani, então, fica com uma dúvida crucial: fugir e ter uma vida miserável nos Estados Unidos como imigrante ou se juntar à resistência e colocar um fim na ditadura de Castillo (e colocar sua vida em risco no processo).

A narrativa começa a se desdobrar a medida que Dani conhece mais membros da resistência e faz missões para dominar determinadas áreas que antes eram território dos Castillos. O mapa inteiro é aberto desde o começo e permite ao jogador escolher por onde começar, com missões iniciais que apresentam os comandantes de cada área, com missões que se dividem em subplots que, eventualmente, se conectam na grande história. Cada parte do mapa é dominada por um membro da família Castillo ou comandantes do exército de Antón. As possibilidades não são tantas mas existe uma certa diversidade.

A história, bem… funciona. Está lá, mas não espere nada demais. O ponto mais alto, como se pode imaginar (e como mencionado há alguns parágrafos), é a atuação de Giancarlo como Antón. O ator, conhecido por papéis de renome em obras como Breaking Bad e The Mandalorian, entrega exatamente o que lhe foi pedido: um ditador frio, cruel e ao mesmo tempo carismático. Afinal, Antón se consagra como El Presidente por justamente ter vencido as eleições em Yara de forma democrática, com a ajuda de um “trunfo” que se torna um ponto de interesse em diversos momentos na história.

Uma droga experimental conhecida como Viviro foi anunciada pelo governo de Castillo quase como um remédio milagroso contra o câncer. Sua fabricação, entretanto, é um ponto bem questionável, já que o cultivo e produção dessa droga atropela qualquer preceito ético ou moralmente aceito, como trabalho escravo e teste em humanos.

Eu gostaria de ver um desenvolvimento um pouco melhor de toda essa história. As aparições de Antón em cutscenes são marcantes, mas poucas. Toda a motivação de Dani é válida, mas sem um aprofundamento de verdade. E, infelizmente, isso é um grande desperdício, já que a protagonista é uma das melhores da franquia e o jogo não precisa recorrer ao infame tropo do “salvador branco” que chega em um país latino/africano para salvar o dia.

Armada até os dentes

O gameplay é tudo o que você já espera de um Far Cry. Com algumas diferenças em como o jogo trata os equipamentos e sidequests, temos aqui exatamente o que foi prescrito anos atrás, com o segundo e terceiro jogo da franquia. Claramente houve refinamentos e uma consolidação de forma geral – as armas tem um impacto maior, a movimentação de veículos foi levemente melhorada e tudo parece fluir melhor. Uma das maiores diferenças (e talvez fraquezas) em comparação aos jogos anteriores é como Far Cry 6 lida com armas e equipamentos.

Não há mais árvore de habilidades – todas as skills, perks e vantagens são provenientes do seu equipamento. Há sets de equipamentos que dão bônus diversos, seja de furtividade, resistências ou status aleatórios. Diferente de Assassin’s Creed (os mais recentes), esse jogo não é tratado estritamente como um RPG – ou seja, não espere melhoria de pontos de ataque, defesa, crítico ou coisa parecida, o enfoque aqui são nas habilidades.

Você pode combinar, por exemplo, uma bota que te garante maior velocidade ao andar agachado, com uma calça que diminui o barulho ao andar e um colete que aumenta o tempo de detecção de inimigos quando você está infiltrando alguma base. Combinando com armas silenciadas, você consegue montar uma “build” furtiva.

Todas as recompensas – sejam da campanha, caça ao tesouro ou histórias paralelas – te garantem algum item ou equipamento. Quando não é uma arma ou equip novo, são recursos para você melhorar suas armas na bancada de trabalho, como pólvora, por exemplo.

Ao tentar justificar todas as recompensas do jogo serem itens novos, algumas pontas ficam bem soltas. Após adquirir uma “build” boa o bastante, todo o resto perde significado e é perfeitamente possível ignorar outras atividades como pescaria ou caça. Sim, novos equipamentos podem ser desbloqueados fazendo essas atividades, mas qual o sentido em caçar para desbloquear uma calça nova que dá bônus de… caça? Chega a ser redundante.

Uma das novas adições a Far Cry 6 agora são os Supremos. Esse equipamento novo é uma espécie de mochila que pode ser usado como um “especial”, como lançar uma rajada de foguetes em um alvo, incendiar uma área ao redor da personagem ou revivê-la em caso de morte. Os Supremos foram uma ótima adição ao jogo e são divertidíssimos de usar. Outra mecânica introduzida no jogo anterior e que aqui é conhecida como “Amigos” está de volta. Os Amigos são companheiros animais com diferentes finalidades, que te auxiliam nas missões e no mundo aberto. Um exemplo deles é o Chorizo, um cachorrinho salsicha de cadeira de rodas.

A sorte de Far Cry 6 é conseguir se sustentar (pelo menos ao longo da duração da campanha) pelo gameplay sólido. A fadiga é instalada rapidamente se você para com certa frequência para fazer atividades paralelas como capturar postos de controle e roubar reforço aéreo do exército. Por sorte, as caças ao tesouro (primeiramente introduzidas em Far Cry 5) estão de volta e com mais variedade, e é facilmente uma das atividades paralelas mais divertidas de fazer.

Uma vez guerrilha, sempre guerrilha

Far Cry 6 é previsível. Seja na históra ou no gameplay, há poucas surpresas aqui para manter o engajamento para além do modo campanha. É recheado de ideias boas, outras meia boca e algumas completamente jogadas fora. Não houve muito espaço para desenvolver o vilão, a protagonista e mais uma penca de coisas que torna uma pena de se ver.

Ainda assim, é possível se divertir. Se ainda tem lugar no seu backlog para esse tipo de jogo e caçar ícone no mapa é uma atividade viável mesmo depois de sete jogos com o mesmo estilo, Yara vale a pena ser explorada.

O jogo foi analisado com base na versão de PC cedido gentilmente pela distribuidora. Far Cry 6 está disponível para PS4, PS5, Xbox Series, Xbox One, PC e Stadia.

Análise: Far Cry 6 tem ideias boas, ruins e desperdiçadas
CONCLUSÃO
Far Cry 6 não se envergonha de ser mais do mesmo. Mesmo com ideias desperdiçadas, é um bom passa tempo para os fãs da série.
POSITIVOS
Exploração divertida
Várias caça ao tesouro e atividades
Gameplay levemente refinado
NEGATIVOS
Vilão desperdiçado
Sistema de equipamentos deixa a desejar
Sem ambição
7
BOM