Poucas coisas me deixam mais desconfortáveis do que pensar na possibilidade de objetos mundanos não serem apenas mundanos. Já pensou se seu telefone, ventilador, seu pesinho de porta ou sua caneca tomarem proporções além da sua compreensão? Carregarem certos poderes, existirem num plano além do nosso mundo físico, onde criaturas esquisitas habitam?
Pode parecer um episódio de The Office escrito por Lovecraft, mas é nessa pegada que Control demonstra sua excelência narrativa. É o processo de “desfamiliarização”, trazer algo que era comum para o espectro do estranho, do sobrenatural. A sutileza da mensagem em contraste ao tom autoritário nos corredores e escritórios da Oldest House (prédio no qual o jogo se passa), contribuem para uma experiência surrealista que é sustentada ao longo de toda a jogatina.
A Remedy, estúdio responsável pelo game, mostrou sua clara evolução nos últimos anos, deixando isso bem evidenciado durante cada batalha e cutscene. Sua excelência se mantém presente desde quando vimos Alan Wake se esgueirar na espiral da loucura de seus contos. Em Control, o ponto ápice dessa fórmula é ainda mais evidenciado, sendo um dos jogos mais curiosos e elegantes que eu já tive o prazer de jogar nos últimos tempos.
Jesse Faden cresceu numa cidade chamada Ordinary, nos Estados Unidos. Ela vivia uma vida tranquila com seu irmão, Dylan, até que um acontecimento mudaria totalmente o rumo das coisas. Os irmãos Faden estavam no lugar errado na hora errada, inocentemente brincando com algo que estava muito além da imaginação e compreensão dos dois. Quando se deram conta, era tarde demais. Agentes do Federal Bureau of Control (FBC) chegaram ao local e levaram Dylan sob custódia, enquanto Jesse, assustada, fugia o mais rápido possível do local. A vida da menina nunca mais foi a mesma, sentindo que havia algo de errado com ela. O trauma, de fato, nunca foi superado.
O objetivo de vida de Jesse se tornou um: encontrar seu irmão novamente. Dezessete anos depois, nossa protagonista vai atrás da verdade na Oldest House. O prédio, que funciona como a central do FBC, é um lugar atemporal. Sempre mudando e se adaptando, o local não respeita qualquer norma física de espaço, e apenas aqueles que possuem um real interesse podem ver e entrar no prédio – mesmo estando ali, em plena vista, no meio de uma metrópole americana. A Oldest House escolhe e precisa ser respeitada. Um lugar de poder, definitivamente – nomenclatura utilizada tanto para objetos e lugares físicos que compartilham peculiaridades sobrenaturais.
Não é só a Oldest House que age de maneira imprevisível. Ao adentrar o edifício, Jesse se depara com outra força de natureza maligna dominando o local. Apelidado de Hiss, esse espectro de tonalidade avermelhada se apossa e transforma os humanos em criaturas hostis e extremamente voláteis, causando anomalias físicas e corrompendo a psiquê de seu hospedeiro. O Hiss também causou um fechamento de emergência completa no prédio, prevenindo um possível vazamento que teria níveis globais de catástrofe. O que é exatamente o Hiss e como ele se espalhou é mais um mistério a ser estudado e decifrado por Jesse.
O edifício, além de possuir suma importância para o desenvolvimento da história, também desempenha um papel importantíssimo no design do jogo: Control funciona aos moldes de um metroidvania, separado em várias áreas, com diversos poderes a serem adquiridos para auxiliar na exploração de segredos e áreas opcionais. Essa filosofia de design abre um número de portas para uma quase infinidade de possibilidades relacionadas à exploração, principalmente levando em conta o nível de detalhamento em cada ambiente do jogo – corredores, salas, escritórios, tudo possui uma profundidade excepcional nos detalhes que ajudam na imersão geral.
Outro ponto que merece destaque é a UI e a interface do jogo, que também servem com um propósito narrativo. Como bem pontuado pelo Kotaku, a utilização da tipografia bold, sem serifa e caixa alta atendem bem ao objetivo de exibir a essência autoritária do FBC, uma aura orwelliana que permeia todos os corredores da Oldest House para mostrar o seu lugar, mesmo que Jesse seja a nova diretora da agência. É imponente e se comunica muito bem com as temáticas exploradas.
E como Control funciona? Categorizá-lo apenas como um jogo de tiro em terceira pessoa seria um eufemismo simplista demais. Carregando o mesmo DNA dos jogos de ação que o estúdio fez previamente, Control mantém um nível de excelência igual ao da narrativa. O gunplay é satisfatório, de peso e mantém a consistência sem enjoar. Essa é uma das mágicas de Control: como manter o mesmo nível de gameplay sem causar tédio? A resposta pode ser menos óbvia do que parece, estando em como os poderes e upgrades constroem uma variedade gigantesca de movimentos e combos.
O sistema de progressão é bem comum: conclua missões principais e secundárias, ganhe pontos de habilidade e desbloqueie as skills. Os poderes de Jesse são variados, úteis e bem divertidos de se usar. Entre eles, destaco o poder telecinético de levitar objetos e arremessá-los contra os inimigos. Vai por mim, não vai cansar tão cedo. Outro aspecto importantíssimo a ser destacado é a arma de Jesse, chamada de Service Weapon.
Além de ser um Objeto de Poder, a Service Weapon pode se transformar em outra meia dúzia de variações que se assemelham a armas como shotgun, submetralhadora, sniper etc. Cada variação pode ser equipada com até três modificações, que aprimoram consumo de munição (que se recarrega com o tempo, sem necessidade de pegar de inimigos mortos), precisão, cadência de tiro e outras melhorias substanciais.
Os poderes de Jesse também podem ser modificados e melhorados com mods, aumentando a eficiência do uso de energia, dano do poder telecinético, e assim por diante. Nesse aspecto, Control não tenta inovar ou trazer grandes originalidades e, sinceramente, não há necessidade. Precisa fazer sentido, e ir pela zona de conforto foi uma escolha compreensivelmente segura. No geral, o jogo conta com um gameplay divertido, bem estruturado e que faz jus à qualidade de sua estética e narrativa.
Control é mais uma prova viva de que jogos singleplayer ainda são a melhor forma de expressão desse tipo de mídia. Com uma estética refinada, minimalista e autoritária, a narrativa pela perspectiva de Jesse Faden consegue prender o jogador até o último momento, mesmo que isso signifique passar por algumas capturas faciais bizarras e ocasionais bugs visuais e de mecânica.
O ritmo é mantido do início ao fim, embora ficar singelamente perdido em alguns pontos faça parte da experiência geral. Um enredo fantástico e ideias conceituais incrivelmente bizarras, Control é, sem sombra alguma de dúvida, o melhor jogo da Remedy desde seu último hit com Alan Wake. Se você curte viagens extrassensoriais, cientistas malucos e todo o conceito de vigilância de agências governamentais, Control entrega isso tudo e um pouco mais.
[alert type=white]O jogo foi analisado com base na versão de PC cedida gentilmente pela distribuidora.[/alert]