Análise: Atomic Heart é uma montanha russa em todos os aspectos

Análise – Atomic Heart

Anunciado há mais de cinco anos, descobri que Atomic Heart foi considerado como “vaporware” por muita gente até pouco tempo atrás. Para quem não está familiarizado com o termo, se trata de um projeto de tecnologia (software ou hardware) que é anunciado bem antes da hora, muitas vezes quando o ciclo de desenvolvimento nem começou e acaba sendo esquecido ou nunca lançado.

Não foi à toa, já que todo material promocional do game parecia bom demais pra ser verdade. A direção de arte, jogabilidade—tudo ali marcava vários checks na minha lista de um jogo quase perfeito. Amante de FPS como sou, um game que aparentava ser um Bioshock em esteroides já era o bastante para eu acompanhar as novidades, o desenvolvimento e ansiar por uma data de lançamento.

Após vários adiamentos, cá estamos. Tenho algumas coisas a falar sobre o jogo, como foi minha experiência num geral nesse título que possui várias qualidades e inúmeros problemas. Foi uma montanha russa de emoções, frustração e surpresas.

Comunismo paradoxalmente utópico

O contexto que se passa Atomic Heart usa a década de 50 na União Soviética para construir um cenário que deixaria muito “gamer” torcendo o nariz. Os avanços científicos, artísticos e militares da URSS a tornou uma das principais potências mundiais, estabelecendo o socialismo soviético como um modelo de sociedade para avanços tecnológicos.

A automação de serviços braçais alavancaram a classe trabalhadora ao invés de substituí-la. Robôs preenchem o espaço da base da sociedade enquanto os cidadãos soviéticos focam em trabalhos intelectuais e artísticos.

Obviamente, por se tratar de uma obra de ficção científica, nada disso é pautado na realidade ou usa o materialismo como base para criar algo crível—e, claro, não é esse o foco. Em Atomic Heart, um cientista e neurocirurgião chamado Dmitry Sechenov descobriu a adaptação mimética de polímeros (macromoléculas originadas a partir da união de várias unidades de moléculas menores) e sua relação ao tecido humano. Apesar de outros cientistas terem tido participação nesse coletivo de descobertas, o nome de Sechenov é o mais proeminente na narrativa.

Sechenov também foi o inventor do Kollectiv, uma rede neural que permeia todo o controle das máquinas pelos humanos. Com essa fundação estabelecida e com ajuda da nova tecnologia dos polímeros, o cientista anuncia uma nova versão do Kollectiv, chamada de Kollectiv 2.0. Essa nova rede buscaria a singularidade entre humanos e máquinas, fundamentalmente mudando o rumo da humanidade.

Não é muito difícil adivinhar que tal ideia levaria a situações catastróficas. Por motivos de spoiler, vamos dizer que o lançamento do Kollectiv 2.0 é sabotado e todos os robôs entram em modo de combate, identificando os humanos como ameaças a serem eliminadas. Uma chacina se inicia e todos os complexos da Instalação 3826 entram em pane.

Aqui conhecemos o protagonista, o major Sergey Nechaev (também conhecido como Agente P-3). Essa caricatura de Duke Nukem inspirado por fanfics adolescentes descrevendo um personagem “edgy”, P-3 é acionado por Sechenov para descobrir o responsável pela sabotagem e parar com a chacina em andamento. Não demora muito até Nechaev descobrir que Viktor Petrov, outro cientista envolvido na produção do Kollectiv 2.0, seria um dos responsáveis. A motivação de Petrov, seu envolvimento com Sechenov e todas as outras reviravoltas fica a critério do jogador descobrir.

A história se desenrola com um passo peculiar. Várias cutscenes parecem “deslocadas” (por falta de palavra melhor) de lugar, como se um acontecimento não tivesse o peso devido. Tudo parece acontecer muito rápido—as falas, interações, como se todo mundo ali tivesse com pressa. Falta nuance, mais momentos em que os diálogos fluem e não são só cuspidos.

Tirando a luva falante de P-3 (de codenome “Char-les”), posso dizer que pouco me importei com os personagens. Nenhum fez o bastante pra fazer me importar com eles, principalmente o protagonista. Marrento, rude e caricato, Nechaev é um dos piores protagonistas que tive o desprazer de aturar durante meu tempo com o jogo. Embora as coisas melhorem mais pra frente, jogar com o diálogo PT-BR foi um desafio (não por causa da incrível performance de Raphael Rossatto, que definitivamente ajudou, mas sim pelo roteiro). Em inglês é pior, vai por mim.

Artistas de todo o mundo, uni-vos

No que história e personagens falham, a direção de arte, cenários e música, brilham. Atomic Heart concentra um apanhado da estética retrofuturista, brutalista e com uma pitada de Bauhaus; conta com ornamentações sofisticadas, complexas e coloridas, desde as instalações mais básicas que misturam cinza concreto com o vermelho tão presente na estética soviética até exibições surreais de arte em museus e galerias de arte.

Monumentos decoram a cidade, dos mais variados tamanhos, tipos e representações. O arranjo visual das cores e do trabalho gráfico também é ressaltado em cada pôster com estética autenticamente soviética, deixando aquele (utópico) mundo singelamente mais pautado na realidade.

Tudo é muito, muito bonito de se ver e apreciar. É um daqueles jogos que facilmente poderiam ser um walking simulator com o simples intuito de curtir as paisagens e o desenho arquitetônico da cidade. Como deu pra perceber, é facilmente um dos pontos mais altos do jogo.

Vou aproveitar e emendar aqui outro grande ponto forte: a jogabilidade. Apesar das incessantes comparações com Bioshock, Atomic Heart joga mais no campo de Doom do que qualquer outra coisa. Os inimigos são implacáveis, numerosos e insistentes; pelas primeiras horas, sobreviver é um desafio por si só. Porém, ao pegar o jeito do ritmo do combate, as coisas começam a fluir com mais maestria e frenesi. Misturar poderes, armas de fogo, energia e corpo a corpo vira quase tão natural quanto passar marcha de carro.

Algumas decisões, entretanto, me desconcertaram um pouco. Mencionei ali que os inimigos são insistentes e não é à toa: ao entrar no “mundo aberto” do jogo, em todo lugar existem grupos de inimigos, prontos pra te avacalhar. Mesmo ao limpar a área, pequenos drones de reparo aparecem para consertar os robôs que você acabou de destruir. Limpou os drones? Que pena, porque tá chegando mais.

Infelizmente, isso torna a exploração de algumas áreas difícil e chata. Lidar com hordas infinitas de robôs que não são exatamente fáceis de matar deixa de ser um desafio e vira mais um chute no saco. Mesmo que exista um jeito de desativar os robôs—temporariamente—da área, o processo é convoluto e demorado, sem falar que o jogo mal te explica como esse sistema funciona.

Outra coisa que dificulta horrores a exploração é o mapa. Marcação de lugares de interesse ou importantes mal aparecem, a fonte é minúscula e de difícil leitura, não é possível marcar pontos específicos para exploração fora da área principal, além de várias outras dificuldades que tive no processo.

A UI do jogo (de forma geral) também falha em pontos básicos de usabilidade. O inventário ocupa muito espaço da tela, os atalhos não são intuitivos e mover itens, atribuir habilidades para os atalhos… tudo isso culmina em frustração para atividades que deveriam ser básicas.

Os bugs (e alguns deles bem sérios, como de progressão) empestearam minha jogatina também. Prompts de ação que não funcionavam, inimigos bugados, dessincronização de áudio em cutscenes e mais uma porrada de inconveniências que testam a paciência até dos monges.

Por fim, bugs e falta qualidade de vida em várias funcionalidades que em 2023 deveriam ser básicas fazem a festa em Atomic Heart. Patches e correções futuras podem arrumar e trazer coisas que estão faltando, mas até o momento que escrevo esse texto, esses problemas devem ser salientados.

Concluindo

Se tratando de qualidade, Atomic Heart é um dos jogos com pontos mais extremos que já joguei nos últimos tempos. Gameplay, música e direção de arte são as pernas que sustentam a experiência, enquanto bugs, uma história convoluta, personagens ruins e um fechamento que deixa a desejar em todos os níveis são os problemas que comprometem sua qualidade.

No fim, posso dizer que me diverti, mesmo com algumas amarras que, possivelmente, só serão consertadas daqui a algum tempo.

CONCLUSÃO
Atomic Heart é uma montanha russa. Seus pontos altos são memoráveis enquanto os negativos te fazem questionar se esse jogo teve fase de polimento.
POSITIVOS
Gameplay satisfatório e frenético
Direção de arte impecável
Música pelo compositor Mick Gordon
NEGATIVOS
História esquecível e convoluta
Personagens mal escritos
Bugs, bugs e mais bugs
7
BOM