A beleza de Unity é apenas o que nós vemos; por dentro, um jogo que se baseia em potencial desperdiçado por conta da má execução de ambições pesadas da Ubisoft.
Imagine um avião. Um avião bem grande, estiloso, com mil e um recursos tecnológicos, luxoso e que o slogan da empresa que produz e monta esse avião é garantir que você tenha o melhor voo da sua vida. Agora, durante o voo de estreia, imagine que a comida seja uma droga, os assentos sejam desconfortáveis, serviço de bordo péssimo, turbulências no caminho inteiro e no final da viagem a aeronave sofreu um pouso de emergência, parando em outro aeroporto e atrasando toda sua vida que, a princípio, seria uma viagem de descanso após um ano inteiro de trabalhos e frustrações pessoais.
Imaginou isso tudo? Seria uma pena se eu te dissesse que esse avião, na verdade, é uma analogia para o tão vendido como next-gen Assassin’s Creed da Ubisoft. Numa hype desenfreada que deixaria qualquer fã da saga biruta, o produto final saiu cheio de um verdadeiro potencial que foi jogado direto no lixo. E ao decorrer dessa análise, mostrarei para vocês o porquê dessa conclusão, digamos, não muito amistosa.
Revolução francesa e uma busca interminável por vingança
“No final, apenas nós mesmos podemos nos proteger de nossas obsessões.”
Arno Dorian
Uma das épocas mais importantes da história da humanidade e eu já estava estranhando de não ver um Assassin’s Creed passar nessa data – já que o playground do Animus não é nada menos que tudo o que os seres humanos viveram até agora. E não foi atoa que Unity ficou quatro anos em produção. A retratação da época do Iluminismo e de grande insatisfação pública teria que ser feita num jogo grandioso e cavernosamente denso, exclusivo para PS4, Xbox One e PC.
[quote align=’right’]A morte de seu pai, vítima de uma terrível conspiração, foi um dos fatores cruciais para Arno se juntar à Irmandade dos Assassinos.[/quote]
Você encarna Arno Victor Dorian, um menino perspicaz, que desde muito jovem já demonstrava sinais de uma astúcia fora de comum. Explorador, desobediente e tudo o que hoje classificariam uma criança com hiperatividade. Era o jeito do menino que demarcariam bem seus traços para a vida adulta. Tudo teria seguido seu curso normal se, por crueldade do destino e dos envolvidos, Arno não tivesse visto seu pai morto, vítima de uma terrível conspiração que anos depois, seria sua verdadeira missão de vida – um dos fatos cruciais para Arno se juntar à Irmandade dos Assassinos.
Após ficar órfão, Arno é adotado por François de la Serre, amigo de seu falecido genitor e pai de sua amiga de infância, Élise de la Serre. Sendo criado junto com Élise, Arno cresce e se torna o típico rapaz “arrumador de problemas”, além de ser uma espécie de Ezio Auditore (AC II, Brotherhood e Revelations) no quesito garanhão e charmoso entre as mulheres. Não muito diferente de Ezio, Arno possui seu amorzinho secreto e praticamente declarado por Élise, sempre aproveitando oportunidades de se encontrar com a garota e passar algum tempo com ela.
Depois de um tempo sem contato com Élise, Arno fica sabendo de uma festa que seria hospedada na casa da mesma onde não fora convidado. Manejando um jeito de se infiltrar na festa, o rapaz se encontra com ela e ambos tem um breve momento romântico antes de Arno ser afugentado pelos guardas que estavam chegando para expulsar o rapaz. Na fuga, Arno se depara com François sendo assassinado por um misterioso homem que logo foge, e um de seus comparsas chamam os guardas, que encaixariam Arno perfeitamente na cena do crime. E seu destino não seria outro: a Bastilha.
Preso, sem esperanças e aparentemente sem saída, Arno já meio desconsolado com a situação, acaba conhecendo seu outro companheiro de cela chamado Pierre Bellec. Porém, “conhecendo”, já que Bellec rouba o relógio que o pai de Arno deu para ele ainda quando criança, e ambos acabam se desentendendo e eventualmente caindo na porrada. Após Bellec perceber que Arno possui a Eagle Vision (habilidade comum entre Assassinos), o homem fala sobre o pai de Arno e que eles se conheceram. Após a introdução truculenta, Bellec começa um treinamento com Arno por dois meses e planejando a fuga num outro acontecimento histórico conhecido como A Queda da Bastilha.
A partir daí, cabe a Arno, junto com a ajuda de Bellec (que agora é um dos “diretores” da Ordem dos Assassinos) descobrirem a grande conspiração por traz do assassinato de seu pai e do pai de Élise, que se conecta com a Ordem dos Templários e um jogo de poder em meio à fortes ideologias que estavam surgindo naquela época de insatisfações que culminaram Revolução Francesa. Espere encontrar figuras como Napoleão Bonaparte, Marquês de Sade, Maximilien de Robespierre, dentre outros grandes nomes do século XVIII.
[quote align=’right’]O enredo de AC Unity tinha tudo para ser um dos mais trabalhados, mas acabou se perdendo nas conspirações em cima de conspirações que quase beiram a linha do desconexo.[/quote]
Por diversas vezes eu tinha que me esforçar para lembrar o que diabos estava acontecendo na trama e o porquê de um acontecimento ou outro, e o que carambolas cada personagem estava fazendo e o que significava ele estar ali. Simplesmente não despertou interesse e de fato não conseguiu me prender no que tava acontecendo no jogo. E o pior de tudo, não me passou nenhum sentimento de estar lutando por algum real objetivo. Estar lutando em meio a uma revolução no meio de toda aquela gente. Várias vezes estava matando e pilhando corpos sem nem saber o motivo e como aquilo me ajudaria na trama.
O enredo de AC Unity tinha tudo para ser um dos mais trabalhados, densamente e espetacularmente falando, mas acabou se perdendo por acontecimentos soltos, trama desinteressante envolvendo conspirações em cima de conspirações que quase beiram a linha do desconexo. Não que toda a linha de pensamento não faça sentido, só que é tanta informação, tanta coisa em cima da outra, chegando a causar aquela fatiga mental ao digerir todas as informações.
Uma coisa eu posso afirmar: senti de tudo, menos que estava na Revolução Francesa ou fazendo algo realmente significativo.
As promessas da nova geração com o gameplay
Em seus trailers e informações divulgadas, Unity tinha a premissa de ter a jogabilidade mais fluída, suave, bonita e estilosa do que qualquer outro jogo da série teve. Pela ausência de equipamentos pesados nas vestimentas de Arno, já era possível se ter essa ideia, onde o jogador se movimentaria como um verdadeiro gatuno de telhado em telhado, tendo muito mais agilidade de se executar qualquer que fosse a peripécia.
[quote align=’right’]O que o Arno tem de ágil na escalada, ele tem de travado em combate furtivo.[/quote]
Uma prova desse sistema é novo “descida pra baixo” ao se segurar R1/RB e Bola/B fazendo o personagem encontrar o ‘melhor’ caminho para descer de um prédio, por exemplo, e fazendo animações mais estilosas. Esse tipo de comando realmente se tornou muito útil ao não se precisar mais de carros de feno ou ficar encontrando pontos para se descer de telhados altos ou difíceis de pular.
Essas inovações realmente fizeram jus a hype e marketing investido no jogo? Sim e não.
Realmente, em vários aspectos você sente que esse Assassin’s Creed é bem diferente dos seus anteriores. O estilo de luta do personagem é outro (lembrando esgrima ao se utilizar espadas), a movimentação e animações estão mais plásticas em várias atividades e esse ”corrida/descida pra baixo” foi bem vindo. Mas o jogo conta com aspectos técnicos que simplesmente embaçam quase toda essa nova jogabilidade e impede de realmente mostrar o que foi implementado no jogo. Explicarei mais pra frente.
Arno detém um arsenal extremamente mais variado e vasto do que qualquer outro jogo da série. Espadas, machados, martelos, rifles e pistolas de todos os tipos que você imaginar. Tudo isso acompanhado com o sistema de customização que há tempos queria ver na série, mudando equipamentos, partes e cores de toda sua roupa. Com isso, houve uma “RPGzada” do jogo, onde cada peça passa a significar um valor no HP, furtividade, mobilidade e outras características de Arno. O mesmo vale para as armas. Unity conta até com um sistema bem chulo de “pontos de habilidade” para se “aprender” novas skills que nos outros jogos já fazíamos há tempos. Outro ponto que também explicitarei mais na frente.
Finalmente, o botão de “agachar” foi incluso na franquia. Agora você pode se esconder mais facilmente de seus inimigos, pegar cover, esperar o momento certo para atacar e… Não. Em todas missões de assassinato (que por acaso agora dão brecha para vários métodos de abordagem para assassinar seu alvo) e sidequests que tentava tomar uma posição mais stealth, alguém me via. Uma coisa dava errado e os malditos iam tocar o sino. “Ah, mas aí é você que é ruim né brother”. Olha, eu até concordaria, mas esse sistema simplesmente não funciona e tenho pessoas que concordam comigo. Os inimigos tem um alcance visual brutal de uma águia e a frustração de tentar pegar o cover na hora certa é uma coisa que eu não desejo a ninguém.
O que o Arno tem de ágil na escalada, ele tem de travado em combate furtivo. Nunca senti tanta dificuldade e medo de estragar tudo ao chegar num inimigo por trás numa jogada stealth. O que é bem irônico vindo da empresa responsável por Splinter Cell.
Quantidade não é qualidade
Há dados que comprovam a existência de num sei quantos mil NPCs simultâneos na tela. Wow. Impressionante, né? Seria mais impressionante ainda se isso funcionasse. Ao querer demonstrar toda a habilidade dos programadores e engenheiros da empresa, a PÉSSIMA decisão de querer enfiar trocentas pessoinhas ao mesmo tempo na tela resultou naquilo que eu falei ali em cima sobre comprometer a jogabilidade. Embora a própria Ubisoft tenha esclarecido que os bugs de framerate de Unity não tinham a ver com o número de pessoas na tela, bem, sério mesmo? Beleza que eu não entendo lhufas de engenharia computacional e programação pra desmitificar essa informação, mas é forçação de barra ao dizer que não tem nada a ver.
[quote align=’right’]Foram necessários quatro patches para otimizar a performance do game e, quando saíram esses pacotes de correção, minha vontade de jogar estava pra lá de comprometida.[/quote]
Não tem nada a ver de todos os NPCs não terem detalhes em sua modelação, renderização atrasada de cenários e pessoas, objetos voando, comportamentos bizarros, gente entrando na parede e outros? O desespero de se mostrar “nova geração” e ter uma cidade “viva e revoltada” resultou em performances técnicas lamentáveis. Ok, na Revolução Francesa tinha muita gente, muita manifestação, muito tudo, mas cá entre nós que isso é um jogo, não um documentário. Poderia se cortar o número de pessoas na rua pela metade que ainda se passaria a sensação de uma cidade viva e movimentada.
Ainda sobre a taxa de quadros por segundo, digo pra vocês que isso pouco me importava. Até concordar que 20fps é realmente sofrível pra um jogo dinâmico como AC (e na verdade pra qualquer jogo). Foram necessários QUATRO patches para se otimizar a performance do game pra começar a ter uma framerate decente e, quando saíram esses pacotes de correção, minha vontade de jogar estava pra lá de comprometida. Eu juro que insisti, mas estava mentindo pra mim mesmo ao falar que estava me divertindo.
Sou um jogador ou rato de laboratório?
Em diversas pesquisas sobre análise do comportamento, estudos behavioristas e derivados, cientistas usam ratos para trabalhar esquemas de reforçamento e aprendizagem. Não é novidade pra ninguém que jogos precisam se utilizar desses esquemas para manter o jogador ativo, dar o sentimento de diversão e não fazendo-o desgrudar do game tão cedo.
Em Unity, toda sua ação é recompensa. Duplo assassinato? Parabéns, 200 pontos. Assassinato aéreo? Poxa, como você é habilidoso, mais 400 pontos. Estava me sentindo numa caixa de Skinner disfarçada de Assassin’s Creed, e nunca num jogo isso ficou tão escancarado como em Unity. Até mesmo ações simples, extremamente comum nos jogos anteriores, valem alguns pontos pra você se sentir mais satisfeito e achar que está fazendo um movimento de mestre. Refletindo no que salientei parágrafos acima, no esquema bem chulé de skill points e habilidades.
Dessa vez você PRECISA “comprar” ações como (já ditas) de duplo assassinato, assassinato aéreo, duplo assassinato aéreo e outros utilizando esses pontinhos ganhos realizando tais ações, perdendo boa parte do fator imersivo do jogo ao pipocar na tela de 3 em 3 segundos uma nova informação do quanto você desceu um prédio com estilo. Não teve a mínima necessidade de tornar um sistema que em games anteriores era funcional em uma coisa aparentemente sem muito propósito.
Deixe esse tipo de fator de RPG para jogos de RPG. Aqui, não teve graça nenhuma, além de só atrapalhar.
No final das contas…
O mais irônico, eu diria, foi o tanto que eu tentava convencer as pessoas de quão brilhante o jogo é. Da equipe do Jogazera, eu e mais um amigo eramos os únicos a defender ferrenhamente o potencial desse game em meio a tantas reclamações e acusações. Minha ficha caiu, tirei meu óculos do fanatismo e analisei com mais calma o que eu estava jogando.
Como muitos já disseram por aí, Assassin’s Creed Unity tinha TUDO para ser o melhor capítulo da saga. Personagens interessantes, período histórico marcante, gráficos belíssimos e nova geração são elementos que entraram na equação mas que foram cortados por diversos problemas técnicos e potencial arremessado diretamente na lixeira. Ubisoft voou tão alto que esqueceram de calcular o tamanho da queda.
Depois de vários pedidos de desculpas, DLCs de graça e patches à rodo, espero que, como empresa, eles tenham aprendido a lição.
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- Gráficos lindíssimos
- Personagens interessantes
- Movimentos singelamente mais fluídos
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- Execução mal feita
- Bugs a rodo
- Potencial desperdiçado
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