Análise: Assassin’s Creed Mirage
Gostar de Assassin’s Creed é uma montanha russa de emoções. A falta de consistência em níveis de qualidade dessa franquia basicamente se tornou um marco da série tanto quanto seus personagens e contextos históricos onde os jogos se passam. Os fãs de longa data já estão bem acostumados a aguentar os perrengues que a Ubisoft inventa de tempos em tempos – seja em como os jogos são monetizados, em como a franquia mudou para acomodar um design de action RPG ou como é desagradável mastigar mais de 200 horas de conteúdo inflacionado.
Mesmo gostando de Assassin’s Creed Origins (o primeiro da trilogia mais recente e responsável pela mudança para RPG), era visível onde a história iria culminar. Os jogos ficaram grandes demais, com um mundaréu interminável de conteúdo insignificante, repetitivo e inchado. Em 60 horas de gameplay em Assassin’s Creed Valhalla, eu mal tinha chegado aos 35% progressão da história.
A narrativa ficou demasiadamente segmentada e me fazia questionar o tempo inteiro qual era a última coisa que aconteceu de importante. Dezenas de arcos entrelaçando histórias de diversos personagens tornava complicado de acompanhar os detalhes e nuances. Minhas visitas ao “codex” do jogo para lembrar quem era quem eram constantes.
Depois de ter largado Valhalla e nunca mais olhado pra trás, o anúncio de um jogo menor, mais condensado e direto ao ponto foi o bastante pra me deixar animado. Uma mais aventura concisa e direta ao ponto, sem firulas, era o que essa série precisava. Assassin’s Creed Mirage foi marketeado como uma “volta às raízes” da filosofia de design que conquistou tantos fãs com os games da trilogia Ezio e outros games como Assassin’s Creed IV: Black Flag.
Embora a intenção tenha sido boa e várias ideias fizessem sentido, a execução em Mirage foi de medíocre pra ruim. E não economizo em falar que personagens, história e gameplay são, infelizmente, um dos mais fracos da série.
Pra lá de Badgá
Assassin’s Creed Mirage é a história de origem de Basim Ibn Ishaq, um jovem ladrão de rua, nascido em Samarra, no Iraque. O rapaz era filho de um arquiteto que morreu pobre após os créditos de seu trabalho terem sido roubados e sua mãe também ter falecido jovem. Criado como órfão nas ruas, Basim tinha apenas a si e sua amiga Nehal.
Após um de seus furtos ter dado errado, Basim entra em contato com o que aparenta ser um artefato do Éden sob a posse de um dos membros da Ordem dos Anciões – facção que se tornaria os Templários mais tarde na franquia. O ocorrido terminou na cidade do rapaz ser atacada e saqueada, matando todos aqueles que eram próximos de Basim e Nehal. Logo após, Basim é acolhido e treinado pelos Ocultos, em especial a mestra Roshan. Os Ocultos, como se pode imaginar, é a Irmandade dos Assassinos.
O jovem não demora muito para se tornar um Oculto também, planejando a morte dos algozes de seus amigos e conhecidos. Já na Irmandade, Basim começa a desvendar uma gigantesca teia de ligações da Ordem dos Anciões que envolve várias outras pessoas do que rapaz inicialmente pensava. A partir disso a estrutura da história segue um formato já conhecido: desvende a identidade dos Templários e os mate até chegar no grão-mestre ou chefe deles daquela região.
Mesmo que o contexto seja diferente e as motivações de cada personagem variem, é seguido o mesmo template de sempre. Não que isso seja um problema, mas a história é um pouco convoluta e difícil de acompanhar. Os personagens também não ajudam, já que até mesmo Basim não se esforça para se apresentar como um protagonista agradável. Destaco sua relação com Nehal que beira o insuportável do tanto que o rapaz é um porre com a garota.
Por fim, infelizmente, a história não me interessou muito e os personagens dificilmente me cativaram em algum nível. Caso tenha jogado o jogo anterior, presenciar a origem de um personagem importante como Basim pode ser algo legal de se ver – mas nada muito além disso.
Jogabilidade intragavelmente mediana
Mirage conta com diversas melhorias em basicamente todos os seus sistemas quando comparado com o AC Valhalla. Quando digo melhorias quero dizer que Mirage fez o favor de reduzir e otimizar o número de atividades no jogo, quantidade de skills na árvore de habilidade, a economia geral e como as recompensas funcionam. O jogo abandona totalmente a filosofia de RPG aqui.
Todo o processo foi simplificado, com uma variação menor de atividades que fazem mais sentido dentro do contexto do jogo. Por exemplo: baús agora podem recompensar materiais de upgrade, conter armas novas, armaduras novas e diagrama de upgrades para equipamentos. Não tem segredo e achar um baú novo se torna algo animador de se fazer.
Além disso, o jogo traz um sistema de investigação bem interessante que conversa bem em como a história se desenrola. Toda nova missão vai para a aba de “investigação” do menu e o jogador deve ir coletando pistas sobre os próximos membros da Ordem dos Anciões. Cada missão vai se desenrolando com novas pistas, pintando um cenário mais claro de quem está por trás de tudo.
Os problemas, pra mim, começam em outros departamentos, como combate, parkour e level design. É notório como o jogo foi construído na base do AC Valhala, mas se tratando de um lançamento três anos depois, é estranho ver como quase nada evoluiu. O combate, por exemplo, é simplista e repetitivo, com uma dificuldade inflada pelo alto dano dos inimigos.
A ideia é de que Basim não é um guerreiro e precisa se basear muito mais na furtividade para executar as missões. Embora isso funcione em algum nível, evitar o combate por completo é quase impossível – você vai ser visto alguma hora ou outra, e muitas das vezes por culpa de alguma maluquice do jogo. Iniciado o combate, Basim consegue lidar com até mais ou menos quatro guardas ao mesmo tempo. Qualquer um a mais já vai tornar as coisas bem mais difíceis.
Além disso, o sistema de parkour é totalmente reaproveitado da trilogia anterior e sofre para se adaptar a um ambiente de cidade grande. Nos outros jogos, especialmente Origins e Valhalla, a ausência de edifícios complexos e cidades mega populosas implicava em lugares limitados para o parkour. Logo, o sistema mais simples de apenas apertar um botão para pular/subir e outro para descer fazia mais sentido.
Já em Mirage, pelo fato de Bagdá se tratar de uma organização de prédios, ruelas e telhados mais bem estruturados e complexos, esse sistema de travessia deixa a desejar. Inúmeras vezes sofri com pequenos bugs e impedimentos na fluidez da movimentação de Basim que deixavam o personagem empacado em pequenos pedaços de geometria ou simplesmente não ia para o lugar que eu desejava.
Outro fato enfurecedor é como alguns dos baús e itens foram posicionados. Basicamente, boa parte das portas que você encontrar estará trancada ou barrada (que só pode ser aberta pelo outro lado ou por uma outra entrada). A partir disso, quase toda caça de baús vira um quebra cabeça, e alguns sem nenhuma pista de como você os soluciona. Inclusive, me deparei com pontos de interesse que só podiam ser encontrados após determinada parte da história que me davam acesso ao local específico do item.
Só a volta do stealth social e alguns estilos de missões dos jogos antigos não é o bastante para trazer vida de volta a uma franquia que esqueceu suas origens.
Ideias boas, execução meia-boca
Como um fã dos jogos clássicos, fiquei em partes decepcionado em como Assassin’s Creed Mirage falhou em recapturar o feeling dos jogos que me conquistaram nessa franquia. Expectativas à parte, eu sabia que esse não seria um jogo da trilogia do Ezio, mas ao mesmo tempo esperava em encontrar aqui algo evoluído, novo, que homenageasse seus antepassados.
Mirage, no fim das contas, acaba sendo apenas um jogo sem nenhuma ambição, com gameplay mediano que joga seguro demais o tempo todo. Conta com ideias boas e dá uma enxugada em vários aspectos desnecessários dos elementos de RPG presentes anteriormente, mas culmina numa execução fraca e medíocre.