Na última sexta-feira (28), a Netflix estreiou a sua mais recente grande aposta cinematográfica: Bandersnatch. Dentro do universo da aclamada série Black Mirror, o longa-metragem se vende como uma experiência inovadora, apostando numa interatividade em grau elevado, trazendo o espectador para dentro da trama e tendo que tomar as decisões que traçarão o destino do protagonista Stefan Butler.
Isso te parece familiar? Pois é.
Este artigo pode conter spoilers do filme Black Mirror: Bandersnatch
Durante (quase) toda história da evolução dos video games, vimos filmes que influenciaram jogos, narrativas inspiradas em longas que marcaram época. Grandes títulos como Metal Gear Solid e Red Dead Redemption cravaram seus nomes nos anais da indústria dos jogos eletrônicos, justamente por carregar, em suas raízes, influências, mais do que claras, da sétima arte.
Hideo Kojima, por exemplo, faz questão de expor nas suas redes sociais todo o seu lado cinéfilo – lado este que é claramente detectado em toda sua obra. Metal Gear Solid 4 é até hoje tratado por muitos como “um jogo com cenas demais para ser considerado um jogo”.
Toda essa busca pelo realismo, que os tempos modernos, de certa forma, impuseram as produtoras de jogos, fez com que o cruzamento entre video games e filmes resultasse em muito do que jogamos, hoje em dia. Cada vez mais temos atores sendo capturados, para trazer mais realismo aos personagens. Além disso, técnicas usadas no cinema, como o plano-sequência – visto com maestria no mais recente God of War -, foram inseridas e adaptadas nos video games, justamente para termos mais a sensação de estarmos vivendo uma história de verdade. Seja numa perspectiva do protagonista ou mesmo em planos mais contemplativos.
Agora, voltemos a Black Mirror. A série que virou filme e o filme que virou um… quase-video-game? Mesclando o cinema com algumas mecânicas eternizadas em RPGs e, principalmente, nos títulos de David Cage (criador de Heavy Rain e Detroit: Become Human), o resultado é ousado, (um pouco) inovador mas um tanto controverso.
Diferente do que experimentamos em games com QTRs, em Bandersnatch não temos total controle das decisões. O filme passa uma falsa sensação de domínio da trama. Em determinados momentos somos “corrigidos” pela Netflix e induzidos a repetir determinada cena, para que assim façamos o “caminho correto” – mesmo tendo cinco finais diferentes à disposição.
Talvez por limitações tecnológicas da plataforma ou por decisões financeiras, a questão das escolhas acaba sendo restrita. Dentro do filme, o enredo meio que te coloca a par dessas limitações. Em um momento específico temos um diálogo sobre o falso livre arbítrio e um dos finais fala um pouco mais sobre uma teoria da conspiração, de estarmos sendo manipulados e induzidos a tomar decisões, que não são totalmente nossas. Não podemos negar que, no fim das contas, eles souberam brincar com essa falta de total-controle da trama e fazer com que pensemos que “Isso tudo é muito Black Mirror”.
Seja como for, o mais interessante é notarmos que, desta vez, vemos com clareza o mundo dos video games inspirando a arte que sempre foi usada de inspiração para ele. Para nós, público gamer, habituados com grandes histórias, moldadas por nossas decisões, Bandersnatch não é uma grande novidade. Mas para a plataforma em si, trazendo mecânicas que já somos habituados, é sim um tanto inovador.
Todd Yellin, diretor executivo da Netflix, confirmou em uma entrevista o interesse de adotar a dinâmica de eventos-interativos para novos produtos da empresa. Com Black Mirror, a Netflix deu o primeiro passo, unindo ao universo do streaming uma característica que já é “de lei” nos jogos atuais – por mais que eles neguem que o que está sendo feito seja, de fato, um game.
E fica o questionamento: Qual será o próximo passo?