Microtransações abusivas precisam chegar ao fim

2006. Esse era o ano no qual surgia uma das primeiras fagulhas do que hoje chamamos de DLC. O conteúdo pago tratava-se de uma armadura para o seu cavalo no game The Elder Scrolls IV: Oblivion.

O site Engadget publicou uma matéria sobre a (na época) novidade, fazendo afirmações do tipo “não vamos pagar por algo que deveria estar no jogo”. A armadura de cavalo, é claro, foi considerada uma piada pela comunidade e pelos sites especializados em games.

Engadget: Faça o download da armadura para cavalos de Oblivion… Por um preço

Hoje, nove anos depois, essa piada não tem mais tanta graça. Grande parte do cenário atual dos games é sustentado por essa prática, que um dia já foi vista como “absurdo”. A ideia se expandiu sob a forma de diversos modelos: itens, campanhas à parte, mapas para um game multiplayer, enfim.

Não vamos entrar na discussão “DLCs são uma coisa boa ou ruim?”, mas deve ser ressaltado que existe um grande mercado para as DLCs e elas são uma ótima maneira de minimizar os riscos ao lançar um jogo.

Plataformas diferentes, modelos de monetização diferentes

Muito antes desse fenômeno, já havia monetização em games: Tibia, um MMORPG da década de 90, possui desde 2001 um sistema de assinatura premium, que garante benefícios aos jogadores que pagam; World of Warcraft não está mais em seus tempos áureos, mas ainda lidera com uma assinatura obrigatória, com cerca de 5,5 milhões de assinantes. Em alguns MMOs, essa monetização manifestou-se sob a forma do “CASH” – a moeda virtual do jogo, que pode ser usada para comprar itens exclusivos (e naturalmente superiores aos itens garantidos com o dinheiro adquirido no jogo – o conhecido GP).

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Já o mercado mobile aderiu à monetização dentro de jogos muito mais tarde. Lançado para Facebook e smartphones, Candy Crush oferece microtransações na forma de aquisição de “vidas”, que são consumidas a cada vez que você perde em uma fase – e foi assim que a King teve uma receita de quase 2 bilhões de dólares. Também há outras formas de microtransação que oferecem elementos similares: boosters de pontuação, fases novas etc. É claro que este é apenas um exemplo de muitos outros nesse mercado.

Por fim, games para PC, como Age of Empires e Diablo recebiam expansões – pacotes que continham um preço mais elevado, mas também ofereciam horas de conteúdo.

Entretanto, não tardou até que algumas publishers começassem a explorar essa prática.

Não é só pelos 80  ̶c̶e̶n̶t̶a̶v̶o̶s̶  dólares

Quando o assunto é jogos F2P (ou seja, gratuitos), a presença das microtransações é algo natural, afinal, o lucro precisa vir de algum lugar. Mas e quando tais elementos começam a invadir games pagos?

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Um dos escândalos mais recentes foi o caso de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. O game faz uso das Mother Base Coins – uma moeda paga do jogo.

Diversas atividades no game exigem tempo, como desenvolver armas novas ou enviar suas tropas em missões, e embora esse tempo inicialmente seja algo insignificante, não demora muito até que você veja timers de 2 horas ou mais. Como realizar  essas atividades instantaneamente? Isso mesmo: gastando Mother Base Coins.

Isso é exatamente o que os games sociais/mobile fazem (lembra da Colheita Feliz e suas Moedas Verdes?), exceto que estamos nos referindo de um título AAA de nome que poderia muito bem sustentar-se “apenas” pelo seu preço de venda. A adição de um sistema desses no jogo é algo de gosto duvidoso, mas pior ainda são as barreiras apresentadas para aqueles que não se tornam reféns da microtransação. Vale lembrar que estamos falando de um jogo de preço cheio. Sessenta dólares.

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A maioria dos itens mais avançados (principalmente no endgame) leva um tempo considerável para ser desenvolvida

Outro caso (um tanto diferente) é o de Payday 2, produzido pela OVERKILL Software. Após a desenvolvedora jurar não incluir microtransações no game, ela seguiu a tendência popularizada por Counter Strike: Global Offensive: skins de armas. Mas não parou por aí, pois tais skins – itens cuja função deveria ser puramente estética – concedem bônus aos jogadores, como dano e experiência elevados. Pra terminar, é possível receber skins que só podem ser usadas após comprar determinados pacotes de DLC. Má ideia.

Mesmo que a vinda das skins fosse completamente contra o que a produtora declarou anteriormente, não é de todo o mal, uma vez que cria um mercado para o jogo. O verdadeiro pecado está em tornar essas microtransações abusivas ao oferecer vantagens aos jogadores. Skins que te deixam com estatísticas melhores que as dos outros jogadores? Sério? Não estamos em um MMORPG.

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A moda das skins pegou em CS:GO e poderia ter um feedback positivo dos jogadores em Payday 2… Se a ideia tivesse sido bem implementada

Enfim, esses são só dois casos de muitos por aí (e muitos que ainda virão). Por mais que eu não concorde com microtransações mais “leves” – isto é, que não prejudiquem tanto o jogador que opta por não pagar –, o problema verdadeiro está nos exemplos que citei.

O título soa como se eu me referisse às publishers, mas na verdade, estou falando com vocês, jogadores. O que vou dizer é óbvio, mas precisa ser dito mesmo assim: essa exploração (principalmente nos games AAA) continua porque ainda há jogadores dispostos a contribuir com microtransações bem mais injustas do que uma armadura de cavalo.