A louca obsessão pela nostalgia

Atire a primeira pedra quem nunca ouviu em uma roda de amigos que conversavam sobre videogames ou filmes:

“Nada a ver o Ben Affleck. Batman mesmo tem que ser o Christian Bale”

“Ah, mas Resident Evil a partir do 4 deixou de ser Resident Evil, né?”

Tomando o último caso como exemplo, existem outros inúmeros casos de franquias cujos títulos principais (não estou contando spinoffs) tomaram uma direção diferente do que eram originalmente. E é aí que mora o problema pra muitos: a falta de fidelidade com o que “um dia já foi”.

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Não sou crítico de cinema (muito menos manjador pleno de Star Wars), mas The Force Awakens é sensacional.

Videogames não são os únicos que sofrem com isso. Um bom caso a ser citado é o recém lançado Star Wars: O Despertar da Força, cujo enredo se desenrola sem considerar tudo que foi estabelecido no Universo Expandido – um arco da história da saga espacial criado e desenvolvido por meio dos quadrinhos, jogos e séries animadas. Obviamente, isso deu um treco em alguns fãs. Ou então a nova trilogia de filmes do Star Trek, que está tendo uma recepção similar.

Mas será que tudo sempre precisa ser fiel ao que foi proposto inicialmente? Não podemos nos desprender um pouco da essência do original e procurar apreciar o que há de bom em uma nova fórmula?

Neste ano, uma “heresia” (para muitos) foi cometida. Metal Gear Solid, uma franquia conhecida por ser linear e conter cutscenes explicativas de meia hora, jogou tudo isso pela janela em Metal Gear Solid V: The Phantom Pain. O game conta com um enredo menos complexo – porém repleto de nuances que abrem diversas possibilidades para interpretação – e um mundo aberto.

A filosofia de The Phantom Pain é de dar ao jogador a liberdade de infiltrar qualquer base a qualquer hora do dia, usando os aparatos e armas que preferir. Somado a uma jogabilidade e inteligência artificial extremamente polidas, o resultado foi um jogo de stealth de um patamar que nenhum outro título da série havia conseguido atingir. Em termos de gameplay, é tudo que a franquia sempre quis ser.

Confira também: Mundo aberto não é sinônimo de superioridade

Resident Evil 4 foi lançado em 2005 e é inegável que trouxe ares novos à franquia. Afinal, a mesma fórmula já estava presente em 8 títulos diferentes, que foram lançados ao longo de 8 anos. Pega fôlego e conta comigo:

  • Resident Evil (1996)
  • Resident Evil 2 (1998)
  • Resident Evil 3 (1999)
  • Resident Evil: Code Veronica (2000)
  • Resident Evil Remake (2002)
  • Resident Evil 0 (2002)
  • Resident Evil Outbreak (2003)
  • Resident Evil Outbreak File #2 (2004)

Afinal, depois de abusarem tanto da essência do Resident Evil “clássico”, vocês realmente queriam que continuasse assim?

O game conhecido por estrelar a segunda personagem feminina mais raptada dos jogos não veio só para quebrar paradigmas de sua própria franquia, mas também da indústria inteira, reescrevendo a definição de um jogo de tiro em terceira pessoa. Conhecemos Gears of War e The Last of Us da forma que são hoje por causa de Resident Evil 4 – um jogo que arremessou a pedra na cruz e fez a ousadia de mudar a direção de uma franquia amada (leia isso com seu filtro de sarcasmo ligado).

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Um remake não precisa ser fiel à obra original

Avançamos dez anos após esse marco. O ano é 2015, e os remakes de Resident Evil 2 e Final Fantasy VII são anunciados. A internet entra em colapso. Por que, exatamente?

Pela pura nostalgia por esses jogos.

Para se adaptarem às exigências atuais dos videogames, ambas as recriações precisarão de mudanças drásticas. Resident Evil 2 provavelmente vai abandonar elementos como o controle “tanque” e as câmeras fixas (e as chances disso dar errado são enormes, diga-se de passagem. Mas esse assunto fica pra um próximo artigo); Final Fantasy VII, por sua vez, é um jogo repleto de sistemas – como de praxe de qualquer RPG dos anos 90 – que provavelmente serão simplificados, substituídos ou removidos. Não podemos prever se o resultado será satisfatório, mas posso afirmar com certeza que ambas as experiências serão muito diferentes do que eram na época do PlayStation. Esse é o X da questão, já que a essência do produto final poderá não condizer com a expectativa do fã que quer uma experiência que remeta ao original.

Mudanças precisam ser feitas – algumas resultando em sucesso, outras nem tanto. Experimentos fazem parte da criação de qualquer coisa. A Nintendo lucrou horrores com o inovador Nintendo Wii graças a isso. E graças a isso, Resident Evil 6 comprometeu o futuro da franquia (me desculpem, essa série realmente calhou de ser exemplo para diversos casos neste artigo).

Estamos presos demais à nostalgia. Toda vez que há mudanças bruscas em algo que gostamos, a primeira tendência é estranhar. Mas devemos deixar isso de lado e julgar essa criação não pelo que poderia ter sido, mas sim pelo que ela propõe a nós e à indústria que ela pertence.