Produtora de jogos, game designer, pixel artist, professora e, claro, amante de videogames. Trago a vocês uma entrevista muitíssimo especial, de uma convidada bem experiente, que topou compartilhar um pouco de sua experiência e história com o desenvolvimento de games conosco.
Seu nome é Thais Weiller, e ela trabalha atualmente na Black River Studios. Confira, na íntegra, um rápido perguntas & respostas sobre sua carreira e vida profissional.
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Jogazera: Começando do início, conte para a gente: quando você decidiu trabalhar com jogos? De onde surgiu essa inspiração para te trazer a sua atual posição no mercado de games como produtora e game designer?
Thais: É um história estranha mas vamos lá. Eu sempre gostei de jogos mas nunca realmente pensei que era algo possível de se fazer. Jogos eram feitos por criaturas escolhidas, que podiam até ganhar a vida com isso, não para uma guria do interior como eu. Daí me formei nas faculdades (fiz Design de Moda e Jornalismo ao mesmo tempo) e percebi que apesar de amar as duas áreas não gostava de trabalhar com elas. Não que fossem ruins, só não eram para mim. Decidi entrar no mundo acadêmico, era o que parecia fazer mais sentido para mim na época. Mas estudar o quê? Em meio a pesquisas no Google Scholar, percebi que existia toda uma comunidade que estudava jogos. Wow, então é possível trabalhar, mesmo que tangencialmente, com jogos? Incrível, é isso que quero fazer.
Escrevi um projeto de mestrado que buscava entender a relação entre jogador e jogo que felizmente foi aceito pela ECA-USP. Ao me mudar para São Paulo para fazer o mestrado, comecei a me envolver com a comunidade que desenvolvia jogos. Foi minha segunda surpresa: Wow, dá para de fato fazer jogos e ser paga para isso? Comecei a trabalhar com a comunidade de devs, tanto independente como corporativa e foi assim que comecei. Também terminei meu mestrado, que rendeu essa dissertação (acabei de ver que está com mais de 2k downloads, que demais!) e foi isso.
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Jogazera: Falando em termos profissionais, como é a rotina nos estúdios que você trabalha/trabalhou (e não somente nos estúdios, mas como freelancer ao que remete o desenvolvimento de jogos)?
Thais: Cada estúdio é uma rotina diferente por que cada empresa tem sua habitat e sua filosofia de trabalho. O que posso te dizer com certeza é que na maior parte do tempo, é um trabalho como qualquer outro, o que muda é que possivelmente você vai ter mais variação de tarefas diárias, ao menos aqui no Brasil onde não temos tanta especialização nos papeis. Por exemplo, quando era GD (game designer), meu dia podia se consistir de 8h fazendo level design para uma parte particular do jogo ou fazendo balanceamento dos sistemas do jogo ou fazendo teste de gameplay e experiência do usuário. Ou pode ser uma mistura de tudo isso. Ou pode ser nada disso, pode surgir uma nova demanda de feature ou um brain storming.
Como producer, depende o dia em particular mas todo dia tem uma parte de planejamento, de acompanhamento de tarefas, de análise e contenção de riscos, etc etc. Essas são as atividades mais comuns da sua rotina que não vão ser muito diferentes de qualquer empresa. Mas também tem a parte única de se trabalhar com jogos que na minha opinião são as pessoas. As pessoas que trabalham com jogos são o que realmente o que me convenceu que esse é o meu lugar. Seus colegas de trabalho sabem quem é John Romero, passam o almoço jogando HeartStone, entendem a que ponto WarCraft II moldou sua percepção de moralidade, são empáticas o suficiente para entender quando há problemas e sempre se ajudam, da melhor forma possível. Cada empresa que passo encontro desafios diferentes mas sempre as pessoas que o compõe me dão um motivo para continuar meu trabalho da melhor forma possível.
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Jogazera: Em relação a sua expectativa vs realidade: trabalhar com isso foi como você imaginava? Houve frustrações ou até algum tipo de desilusão nesse meio? Se puder, compartilhe conosco alguma experiência marcante.
Thais: Já fiz muita coisa nessa vida, já fui auxiliar administrativo, já trabalhei em uma tecelagem, já fui designer, produtora de estilo, etc etc etc. Gostei de algumas coisas em cada um desses papeis, odiei muitas outras. Jogos não é uma área perfeita, sempre vai haver aquele momento que você é obrigado a cortar a parte que você achava mais importante no jogo todo ou que você trabalhou em um jogo de merda. Mas honestamente, de tudo que fiz, trabalhar com jogos foi o que menos me desiludiu.
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Jogazera: Infelizmente, o machismo e o preconceito estão impermeados na cultura e indústria dos jogos, embora vários avanços estejam sendo feitos para que esse paradigma mude. Qual o seu posicionamento perante críticas – puramente de cunho machista e preconceituoso – feitas ao seu trabalho como desenvolvedora?
Thais: O machismo existe na nossa área, assim como existe em toda sociedade. Na parte de desenvolvimento no Brasil não posso dizer que há mais machismo do que em qualquer outra área. Temos sim muitos jogos machistas, mas os escritórios costumam até tem um balanço interessante de idéias retrogadas e progressistas pois, embora sempre tem um ou alguns representantes da cultura do “”””””macho alfa”””””, também há uma quantidade acima da média de pessoas socialmente conscientes, que lutam contra homofobia, misoginia e transfobia.
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Jogazera: De acordo com a sua experiência, somente a graduação na faculdade – voltada à área – é o suficiente para ingressar no mercado de jogos? Quais outras formações se tornam necessárias durante o processo?
Thais: Como possuidora de graduações nada-a-ver, acho que a faculdade na área nem é necessária, embora seja uma excelente porta de entrada. Mas a verdade é que jogos são a junção de áreas de conhecimento muito distintas, como arte, programação, design e gerenciamento, de forma que eu não consigo imaginar como apenas uma faculdade possa tornar a pessoa uma especialista em todas essas áreas. No máximo, uma conhecedora geral de todas.
Assim, se você quer trabalhar com jogos e já tem uma área preferida, eu recomendaria a graduação na área em questão, como Ciência da Computação se você gosta de exatas e de programação ou se você gosta mais de arte, cursos na área de concept, 3D e arte no geral podem ser uma aposta melhor. Mas se você realmente ainda não sabe bem qual sua área favorita, a graduação em design de jogos parece uma boa aposta para você vai entender um pouco de tudo e poder escolher melhor sua especialidade depois do curso. Mas entenda que o curso de jogos de forma alguma é o ponto final desse aprendizado, ele é no máximo apenas um ponta pé inicial na sua jornada de entendimento.
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Jogazera: Para dar uma leve descontraída e saber sobre seus gostos como jogadora: você possui alguma franquia favorita? Ou até mesmo algum ‘favoritismo’ em relação às grandes empresas da indústria (Sony, Nintendo, Microsoft, etc)?
Thais: Gosto muito da série Metroid mas não tenho preferência absoluta entre as grandes. Respeito muito a Nintendo pelo foco no Gameplay, que é minha parte favorita nos jogos, mas me irrita um bocado a resistência em criar novos conteúdos e a aposta “segura” nas mesmas franquias toda vez.
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Jogazera: Sendo uma desenvolvedora de games indies, você possui alguma ambição em trabalhar em um estúdio internacionalmente conhecido ou tomou o espaço indie como um ‘lar’?
Thais: No momento, eu trabalho em uma empresa grande de mobile. Gosto do mundo corporativo por alguns aspectos, em especial as limitações. Você tem que fazer o melhor jogo possível com as limitações as vezes absurdas que são lançadas e isso é bem difícil, mas extremamente satisfatório quando de fato o jogo fica bom. Mas também gosto do mundo indie e sua liberdade infinita. Cada um tem seus desafios e suas recompensas e eu acho que ter experiência nos dois desenvolve habilidades vantajosas para ambos.
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Jogazera: E por fim, considerando seus anos de estudo e trabalho na área, qual o ponto de partida pra quem pretende se aventurar nesse mundo? Por onde começar, quem procurar, o que estudar e coisas assim. Alguma dica “geral”?
Thais: Minha única dica é: faça jogos. Você que entrar no mercado? Faça jogos, comece a criar um portfolio. Você é acadêmico e só estuda jogos? Faça jogos, entenda o outro lado. Você trabalha em jogos, mas não com os jogos que queria estar fazendo? Faça jogos no tempo livre, exercite sua criatividade que pode atrofiar no seu emprego. Deixa de desculpas por que é tudo que elas são. Se você não sabe programar, faça um jogo de tabuleiro ou use uma engine visual.
Se você não sabe fazer arte, tem muitos pacotes de assets grátis por aí ou se junte com alguém que faz. Se você não conhece mais ninguém que quer fazer jogos, vá a uma Game Jam (Global Game Jam, Ludum Dare etc) e converse com pessoas lá. Alias, fazer jogos em uma Jam é a melhor coisa que você fazer para começar, você vive todos os aspectos de um projeto de verdade em 48h, é uma maquina do tempo de toda a experiencia de fazer um jogos. Faça jogos, veja os outros jogando seus jogos, jogue jogos dos outros, é só isso.
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Thais também está no Twitter, Google+ e LinkedIn. Você pode conferir mais detalhes sobre seus projetos nos links desse post, e também em seu site. Obrigado Thais, foi uma honra tê-la aqui conosco.
Fiquem ligados para mais entrevistas exclusivas aqui no Jogazera.