Como enfrentei a depressão com a ajuda dos videogames

Utilizar as palavras videogame e depressão numa mesma frase quase sempre evoca o senso comum. Quase que automaticamente, acaba por se estabelecer uma relação de causa e efeito entre os dois termos, como se videogames pudessem ser, segura e explicitamente, um dos motivos para um estado depressivo. Afinal, não são poucos os casos de pessoas que sofrem de problemas de natureza emocional e acabam por buscar refúgio e isolamento do convívio social nos jogos e na tecnologia, por exemplo. No entanto, o que aconteceria se deixássemos o senso comum de lado e tentássemos enxergar o outro lado da moeda? E se, ao invés de vilões, os videogames pudessem atuar como aliados na busca de uma solução para esse problema, que se torna cada vez mais onipresente em nossa geração?

Foi pensando nisso que resolvi coletar alguns dados e partilhar um pouco de minha experiência. Ressalto aqui que não tenho a intenção de oferecer um “tutorial” para o tratamento de jovens com depressão. Saúde mental é um assunto bastante sério e que merece ser tratado com todo cuidado e atenção possíveis. Nada substitui o auxílio de um profissional da área, seja ele um psicólogo ou um psiquiatra. No entanto, acredito que parte de qualquer processo de cura e aprendizado é também compartilhar de sua experiência e ajudar a confortar outras pessoas que talvez passem o mesmo que você — e é por isso que estou aqui. Me ajudou muito saber que não estava sozinho nessa, e tenho esperança que isso também faça diferença para você, que está aí lendo esse texto agora, ou para algum conhecido seu.

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Para começar, um pouco de teoria

Ao olhar para trás e observar um pouco de minha história e das ferramentas que me foram úteis ao longo dessa jornada, percebi que os videogames sempre tiveram sobre mim um efeito bastante benéfico. Mas será que isso acontecia só comigo? Seguindo essa lógica, resolvi pesquisar um pouco mais sobre o assunto e acabei descobrindo que eu não estava tão errado assim.

Citarei brevemente um artigo de Jane McGonigal e deixarei vários links para quem quiser se aprofundar mais no assunto. Por ora, vamos começar pelo básico.

Voltando um pouco no tempo, nas décadas de 1950 e 1960, um psicólogo chamado Brian Sutton-Smith se dedicou a estudar adultos e crianças enquanto brincavam. Sutton-Smith concluiu que, ao brincar/jogar, as pessoas tendem a experimentar mais autoconfiança, aumento de energia física e fortes emoções positivas, como curiosidade e animação durante as brincadeiras. Esse estado de espírito seria um contraste perfeito se comparado com o humor de alguém com depressão, uma vez que as pessoas que sofrem com essa doença sentem falta dessa mesma energia física para se dedicar a atividades cotidianas e são obsessivamente pessimistas a respeito de suas próprias capacidades, ao mesmo tempo que sentem falta de emoções positivas.

Avançando mais no tempo, logo após o surgimento dos videogames, muitos testes [1/2] se dedicaram a analisar como nos comportávamos ao interagir com essas novas tecnologias de entretenimento. E os resultados mostraram que, quando jogamos videogames, duas áreas de nosso cérebro são continuamente hiperestimuladas: a região responsável pela motivação e orientação e a região responsável pelo aprendizado e memória. Conforme aprendemos e alcançamos nossos objetivos in-game, nos sentimos imediatamente recompensados.

Mas o que deixa toda essa conversa ainda mais interessante é o fato de que essas duas regiões estimuladas pelos videogames são exatamente as mesmas que se tornam subestimuladas e que até mesmo encolhem eventualmente quando estamos clinicamente depressivos. Em outras palavras, as sensações que experimentamos ao jogar videogames são exatamente opostas àquelas que experimentamos quando estamos deprimidos.

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Por que cada vez mais gamers sofrem de depressão?

Essa é a primeira pergunta que me veio à cabeça. Se jogar videogame é comprovadamente um exercício capaz de estimular áreas de nosso cérebro afetadas pela depressão, por que é tão comum ficarmos sabendo de casos de gamers que sofrem dos mais diversos problemas de ordem emocional? A resposta estaria na maneira como esses jogadores se relacionam com um potencial “remédio” ou “alívio” para suas dificuldades.

Quando encarados de maneira escapista, ou seja, quando as pessoas recorrem aos jogos para fugir de uma realidade dolorosa – para ignorar seus problemas, bloquear emoções desagradáveis ou evitar confrontar situações estressantes – a tendência é que passem cada vez mais e mais tempo isolados e acabem sofrendo efeitos negativos, ao invés de positivos. Acredita-se que foi a partir desses casos mais críticos que criou-se a noção de que videogames teriam efeitos nocivos em pessoas predispostas à depressão. Esses indivíduos estariam, na verdade, tentando se salvar por meio de uma superdosagem de algo que ofereceu alívio num momento específico. Seria como querer curar uma tosse tomando todo o vidro de xarope de uma só vez. Evidentemente, não funciona e pode vir a fazer mais mal do que bem.

A chave estaria em encontrar um equilíbrio. Infelizmente, não existe receita mágica para alcançar isso, mas abro espaço agora para contar um pouco de minha própria experiência nessa jornada de tentativas, erros e acertos.

“É perigoso ir sozinho! Pegue isso!”

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Com certeza, muitos de vocês se depararam com essa frase alguma vez na vida, quando tentaram tirar Link de dentro da caverna. E preciso dizer, faz bastante sentido na vida real, principalmente quando se enfrenta a depressão.

Não tenho a intenção de me estender em relação aos motivos do meu estado depressivo; basta dizer que passei por problemas de ordem familiar na adolescência, somados com algumas outras peças pregadas pelo destino aqui e ali, e acabei entrando na vida adulta sendo mais uma das vítimas da depressão. Isso foi no ano de 2011. Felizmente, estava num ambiente seguro e pude recorrer à ajuda profissional de uma psicóloga, e também tive o apoio das pessoas que eram próximas a mim. Sou muito grato a todos.

Aproveito para reforçar que não existe problema bobo ou insignificante demais. Se está te levando a um estado depressivo, procure ajuda, sério. Cada um sabe melhor do que ninguém de suas próprias dores.

Voltando à minha história, durante o tempo em que fiz terapia, pude compreender melhor a natureza do estado em que eu estava vivendo e tentar traçar estratégias para sair dele. Uma das coisas que muita gente ignora é que a depressão pode te acompanhar por muito tempo. Às vezes você se convence de que tudo está bem, mas de repente algo inesperado acontece, uma brecha surge, e lá está ela mais uma vez. É claro, cada indivíduo é único. Alguns conseguem resolver isso de forma mais rápida e efetiva que outros, mas não há regras.

Percebi que um dos poucos momentos em que conseguia me sentir totalmente à vontade comigo mesmo e de fato me divertir era quando estava jogando videogame. Fosse criando meu time em Pokémon e batalhando por insígnias ou quando resolvia desbravar algum novo mundo em um dos vários RPGs que joguei, era evidente o quanto aqueles momentos me faziam bem. A dificuldade era levar aquela mesma disposição para a vida real. Ironicamente, ser um mestre Pokémon e derrotar a Elite 4 era muito mais fácil do que ser eu mesmo fora do mundo virtual.

Dentro de um RPG, eu tinha a possibilidade de me moldar à minha própria maneira. Definir quem eu queria ser. Eliminar as fraquezas, potencializar os meus talentos. E mesmo que a princípio eu já me desse por satisfeito, sempre era possível subir mais um nível, aprender uma nova habilidade, melhorar algum atributo. Havia aquela motivação em ser cada vez melhor e conquistar a vitória em novas batalhas.

O ponto de virada na minha história foi quando eu percebi que poderia trazer tudo aquilo que eu aprendera e colocara em prática nos games para minha vida real. Por que não usar a mesma disposição que eu tinha em melhorar meu avatar para melhorar a mim mesmo? Quais pontos eu achava que poderiam ser trabalhados para eu me tornar melhor e mais satisfeito com a minha vida? Quais eram os instrumentos que eu precisaria conseguir para tornar a minha jornada menos difícil? Quais companions eu teria que encontrar e trazer para a minha party?

The Witcher 3: Wild Hunt

O RPG da minha vida

Foi assim que comecei a colocar em prática uma das ideias mais malucas que já tive até hoje. Decidi jogar o RPG da minha própria vida. A primeira conclusão que cheguei foi a de que eu precisava que meu avatar fosse forte para enfrentar o meu inimigo, então cuidar da alimentação e fazer exercícios foram algumas das quests que apareceram primeiro em minha lista (nessa época, eu tinha pouco ou quase nenhum apetite). Admito que dar os primeiros passos não foi muito fácil, mas é preciso começar de alguma forma, ainda que os resultados não sejam visíveis num primeiro momento.

Após voltar a me preocupar com minha saúde física, comecei, pouco a pouco, a criar quests para outras áreas da minha vida, as quais fui organizando por prioridade e dificuldade. Nos dias mais complicados e desanimadores, tentava fazer ao menos uma quest mais simples. Nos dias de maior disposição, me dedicava às mais difíceis, ou então a fazer várias delas de uma só vez. E o que eram essas quests? Qualquer coisa que eu julgava ser necessário para me fazer ficar melhor ou me tornar alguém melhor. Coisas simples como não faltar à terapia e outras mais complicadas, como telefonar para amigos que eu não via há certo tempo e marcar de encontrá-los. O importante era sempre estar em movimento, fazendo algo para sair do estado depressivo.

E onde entrava o videogame nesse meio tempo? Bem, toda quest, além de gerar pontos de experiência, também geralmente acaba nos presenteando com algum item. O videogame era uma das recompensas. Eu estabelecia quantas horas eu poderia jogar de acordo com a dificuldade das quests que eu tinha realizado naquele dia. Também me permitia acrescentar outros tipos de recompensa, coisas simples, mas que me obrigavam a olhar para mim com mais carinho e cuidado. Um banho quente demorado enquanto ouvia um dos meus CDs favoritos. Um café e um pedaço de bolo daquela padaria que eu tanto gostava. Um livro novo comprado pela internet. A ideia era sempre buscar pequenas coisas que pudessem recompensar os meus esforços e ao mesmo tempo me lembrar do quanto eu vinha evoluindo. Para que esse progresso fosse palpável, procurava eventualmente fotografar algumas daquelas recompensas, ou então tweetar alguma coisa a respeito, assim podia voltar a olhar para aquilo depois de um tempo e lembrar de todo o trajeto percorrido.

Pokemon

A jornada continua

Hoje, as coisas felizmente já estão bem melhores. Mas muito daquele período me marcou e permanece comigo até hoje. Ainda procuro pensar em mim mesmo como o melhor avatar que já poderia ter criado, e que merece ser aprimorado constantemente. Passamos muito tempo de nossas vidas procurando agradar aos outros, mas faz uma diferença enorme quando resolvemos dedicar parte dessa atenção e dedicação a nós mesmos.

E a depressão? Bom, continua à espreita. Eventualmente, ela encontra uma brechinha e dá as caras, mas, felizmente, hoje já tenho um inventário recheado de recursos para encarar essa batalha e mandá-la de volta para o lugar dela.

Se você acabou de começar essa jornada, o que tenho a te dizer é: acredite, você também consegue. Procure ajuda, converse com as pessoas que você gosta e que se importam com você. E comece a criar e realizar suas próprias quests. Isso também vale para você, que não necessariamente tenha depressão, mas que talvez esteja passando por um momento difícil. Espero que minha história possa servir de incentivo e, se precisar de um companion a mais para sua party, minhas redes sociais estão aí, à sua disposição para trocarmos uma ideia.

E, se me permite dizer algo antes de ir embora, acredite — por mais difícil que pareça num primeiro momento, não tem boss nenhum de Dark Souls que aguente com a gente.

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Separei mais alguns links (em inglês) para quem quiser continuar lendo sobre o assunto:

How video games can help with depression and anxiety?

Fighting depression in the video game world

Battling depression through video games

E você? Os videogames já te ajudaram a sair de alguma enrascada? Conte sua história nos comentários!