Análise: Wolfenstein: Youngblood é uma nova (e estranha) experiência para a franquia

Wolfenstein: Youngblood é um experimento. Foi a melhor definição que consegui chegar depois de jogar de duas maneiras: a que os desenvolvedores planejaram e outra fingindo ser um game puramente singleplayer. Como um game cooperativo, Youngblood brilha na sua melhor forma e acaba sendo bem divertido matar nazis com um amigo. Já ao fingir que é um singleplayer, as coisas não funcionam tão bem assim.

Enquanto jogava, lia as críticas e comentários rechaçando o jogo, chamadas sensacionalistas e thumbnails ao melhor estilo clickbait que diziam que a “Bethesda matou a franquia” – comentário que, ao meu ver, não faz o menor sentido. Por ser um experimento, é mais que óbvio que nem todo mundo vai curtir as mudanças e a direção que a franquia tomou, principalmente os fãs mais ortodoxos e inflexíveis. De fato, há mecânicas novas bem interessantes e outras nem tanto, principalmente o ‘novo’ sistema de RPG que vou detalhar mais à frente. O mundo é assim, não tem como agradar a todos.

Se posso adiantar algo agora: continua sendo Wolfenstein. O mesmo gunplay, os mesmos nazistas, o mesmo feeling que a franquia estabeleceu em seu reboot/remake lá no The New Order. Entretanto, com uma nova filosofia e com novas decisões de design, tanto para bem quanto para mal.

Cade você, B.J?

A maior alteração foi a troca de protagonista. Agora, protagonistas, na verdade. Jogamos com as filhas gêmeas de Terror Billy, Zofia e Jessie Blazkowicz. Concebido como um jogo cooperativo desde o início, cada jogador controla uma irmã, sem nenhuma diferença em termos de gameplay. Jess e Soph são jovens adultas, treinadas diariamente pelos seus pais para sobreviver em um mundo dominado pelos nazistas — agora nos anos 80. Embora a resistência tenha liberado a América do Norte da influência nazi, o trabalho está longe de acabar.

Tempestades estranhas dominam a região do Texas, onde a família vive. B.J, desconfiado, esconde suas intenções da esposa e filhas, e sem deixar vestígios, desaparece. Para onde nosso herói foi? O que estaria tramando? São algumas das perguntas que as irmãs tentam responder ao longo da trama. Abby Walker, filha da chefe da resistência americana, Grace Walker, descobre uma singela pista ao espiar a conversa de sua mãe com Anya, mãe das gêmeas e que pode ajudar Jess e Soph a encontrar seu pai: B.J foi visto pela última vez em Paris.

Sem questionar ou pestanejar, as irmãs partem diretamente para a capital francesa, que ainda está sob o domínio vermelho. A partir desse ponto, poucas cutscenes entrelaçam o enredo e gameplay, enfraquecendo a narrativa de modo geral. Por conta disso, houve sérios impactos nesse ponto, prejudicando até mesmo o desenvolvimento das protagonistas e suas relações com outros personagens da história. Jessie e Zofia possuem interações e mini diálogos que servem apenas como tampa buraco, te deixando na vontade de conhecer mais sobre as duas.

Com um plot twist óbvio e um final anti-climático, a história aqui claramente não foi prioridade, o que é uma péssima notícia para os fãs que esperavam um retorno forte da narrativa e dos monólogos existenciais de B.J.

Deitando nazista na porrada

Youngblood trouxe um dos meus maiores temores dos últimos tempos relacionado a videogame: transformar um FPS num ‘light’ RPG. Os inimigos agora tem barra de vida, armadura, seu personagem upa de nível, desbloqueia habilidades e todo um arraiá completamente desnecessário quando se trata de um FPS clássico. Foi o mesmo pesadelo que tive ao jogar Far Cry New Dawn – dificuldade artificial provocada por inimigos “esponja”, que aguentam trinta balas na cabeça.

Isso pode acontecer em Youngblood se o jogador não prestar atenção em alguns elementos básicos que o jogo te propõe logo no começo: cada inimigo é dividido em ‘tiers’, numa escala de I a IV. Quanto maior, mais forte e bem equipado ele é. Tirando os primeiros dos níveis iniciais, boa parte dos nazi podem possuir dois tipos de armadura, que é representada por quadradinhos ao lado da barra de vida. Todas as armas no seu arsenal possuem munição especializada para esses dois tipos, e caso o jogador use a arma certa, problema resolvido. Caso contrário, o exército nazista se torna um exército de esponjas.

Todo esse “novo” sistema implementado aqui apenas explica os motivos da Bethesda de transformar Wolfenstein em um live service, com missões diárias, semanais e desafios para manter o jogador engajado por mais tempo. Embora as microtransações não sejam intrusivas, as intenções são claras e a empresa está experimentando para uma futura sequência de The New Colossus, não me deixando muito otimista sobre o futuro da franquia. Precisamos mesmo desse alongamento forçado de repetir missões e completar desafios banais para ganhar moedinhas de prata?

O esforço deveria ser focado para trazer conteúdo de qualidade que agregue à experiência geral, e não tampe buracos para justificar um grind desnecessário em função do jogador desbloquear todas as habilidades do jogo ou comprar uma pintura diferente para a armadura. Porém, sabemos como videogames funcionam atualmente – o investimento precisa ser justificável.

Para trazer Youngblood à vida, a produtora MachineGames se juntou com a Arkane Studios (responsáveis por Dishonored) para produzir o level design de basicamente todas as fases do jogo. O resultado se traduz como o melhor aspecto que Youngblood pode ter, com uma ótima verticalização, níveis interconectados, passagens alternativas e vários jeitos de abordagem, como stealth ou caos total. A movimentação das protagonistas também é bem fluido e deixa tudo mais divertido de descobrir e desvendar puzzles pela Neu-Paris.

O jogo também é abarrotado de coletáveis de todos os tipos: jornais, fitas cassete, mock-ups de filmes em VHS (conhecido como UVK no mundo de Wolfenstein) e vários rádios tocando músicas parodiadas de artistas reais dos anos 80. Todos esses detalhes contribuem para contar a história daquele mundo e detalhar os problemas culturais e o fascismo que dominaram a Europa e o mundo. São pequenos detalhes que fazem toda a diferença.

No final das contas, é um jogo com ótimo gameplay e exploração, volta e meia com a experiência atrapalhada por inimigos que absorvem mais dano que o normal e bugs ocasionais. Presenciei vários nazis brotando na minha frente do nada, sem a menor explicação. A instabilidade nos primeiros dias ao utilizar o buddy pass também contribuiu para uma certa frustração ao jogar co-op.

E a experiência co-op?

Como disse antes, esse jogo foi construído para ser jogado com um amigo. Toda a dinâmica dele é feita para se aproveitar em dupla, principalmente na hora de cair na porrada. Quando joguei co-op com um amigo meu para fazer essa análise, posso assegurar que foi uma das melhores experiências cooperativas que já tive em algum tempo. Foi divertido, dei muita risada e toda as possíveis frustrações que eu poderia ter tido jogando sozinho foram eliminadas.

Em contra partida, também experimentei o jogo de forma “singleplayer”, onde a IA controla uma das irmãs, e com certeza não foi a melhor das jogatinas. A inteligência artificial é incrivelmente bugada, atrapalhada e até certo ponto, inútil. Claro, ela me revivia quando eu precisava e não costumava morrer tanto, mas quando acontecia, era o pináculo da frustração.

Se você possui um amigo para jogar contigo, ótimo. Caso o contrário, pense duas vezes. Não finja que esse jogo é singleplayer pois não vai valer a dor de cabeça de ter que lidar com essa IA, e jogar com aleatórios na internet nunca é uma ideia tão bacana comparando a jogar com um amigo. O sistema de buddy pass, incluso na versão deluxe (que poderia estar disponível na versão normal, né, Bethesda?), também é uma boa opção caso esteja disposto a gastar um pouco mais para convidar um conhecido a jogar.

Nazi bom é nazi morto

As aventuras das irmãs Blazkowicz, conforme mencionado no começo do texto, foi um experimento e pra muita gente não vai dar certo. A mudança na filosofia de design de missão e das fases para um formato live service não vai agradar a todos e isso é completamente entendível. Fui bem relutante no começo, principalmente na implementação do sistema de RPG na estrutura de missões, mas acabei me divertido muito mais do que me preocupando com esses detalhes.

Youngblood não é nem de longe um jogo estruturalmente ruim ou problemático, como muita gente fez parecer. Foi um experimento que deu liberdade a MachineGames de testar modelos diferentes com uma abordagem com um direcionamento bem diferente do que estamos acostumados. Embora eu prefira o modelo antigo de FPS oldschool, às vezes faz bem nos abrirmos para mudanças. Pode doer no começo, mas dê uma chance. Principalmente se você tiver com quem jogar.

[alert type=white]Essa análise foi escrita com base na versão de PCs cedida gentilmente pela distribuidora.[/alert]