Análise: Prey é um clássico de roupa nova

A porta para o meu objetivo secundário está fechada. Não parece haver intersecções entre os mais variados e interligados ambientes e salas da estação espacial Talos I. Procuro por janelas abertas, passagens secretas, áreas ou portas que só podem ser acessadas com senhas, minha habilidade de hacking ou alguma chave escondida na estação. Vasculho, reviro cada objeto que pode ser mexido, subo, desço e procuro em todos os andares por alguma coisa que possa me ajudar a abrir a maldita porta.

Dou uma olhada na janela novamente. O vidro, que aparentava ser simples, não demonstrava resistência contra minha chave inglesa. A paródia perfeita para o pé-de-cabra de Half-Life me mostrava o jeito mais simples de resolver aquele enigma: do mesmo lado do vidro dessa janela, havia um computador. Valia a tentativa. Aprochego a janela, arrebento seu vidro e pressiono o botão na tela do computador, abrindo a porta que tanto me empacava.

Soluções orgânicas e possibilidades. Prey é um jogo que traduz perfeitamente o que eu quero ver em jogo de videogame. Quero ter ferramentas que me possibilitem minha expressão no jogo, resolver as coisas e encarar obstáculos do meu jeito. Não há impedimentos de design, paredes invisíveis ou linearidade desnecessária aqui. E isso é encantador.

Perdido no espaço

Se ambientando num futuro não tão distante, a humanidade começa a atingir seu ápice do desenvolvimento neurológico e psíquico. Já pensou em adquirir habilidades incríveis em apenas poucos segundos? Com apenas a agonia de duas agulhas penetrando seu olho e atingindo as sinapses do seu cérebro, a premissa dos pequenos equipamentos chamados de Neuromods parece incrível no mundo da ficção científica. Modificando seus caminhos neurais, qualquer ser humano poderia aprender a tocar piano como Beethoven.

A TranStar, corporação privada nascida de uma realidade onde União Soviética e Estados Unidos andaram lado a lado na exploração espacial, acreditava que os potenciais humanos poderiam ser expandidos a qualquer custo. E, como é possível de se imaginar, a coisa começa a desandar quando visitantes extraterrestres escapam da área de contenção da Talos I.

Você é Morgan Yu, membro da família fundadora da TranStar e vice-presidente da companhia junto com seu irmão, Alex Yu. Morgan e seu irmão estão há anos fazendo extensivas pesquisas sobre os Typhons — a raça de aliens que posteriormente iria atacar tudo e todos abordo da estação — e como eles poderiam trazer melhorias e superioridade à raça humana, agregando seu DNA com o nosso. Os Neuromods também desempenhavam papel crucial nesse processo.

Tudo parece muito confuso e o jogo faz questão de enfatizar esse aspecto: logo nos 20 primeiros minutos de jogo, o jogador descobre que o seu “primeiro dia de trabalho” na corporação não passa de uma simples simulação. Há quanto tempo você está ali? E o mais importante: porquê você está ali? No momento que o outbreak dos aliens se dispersa na nave, Morgan encontra uma voz familiar no meio do caos: January, que exerce quase o mesmo papel que Atlas em BioShock 1, guia nosso protagonista em meio a matança dos Typhons e às respostas que o jogador tanto precisa.

Cuidado com a caneca

Minhas citações a Half-Life e BioShock não foram à toa. Embora a Arkane Studios tenha tomado uma direção diferente daquelas aventuras steampunks de Corvo em Dishonored, o tributo aqui foi pago. Bebendo de fontes muito mais antigas, Prey é um reboot da série que nada tem a ver com o jogo de mesmo nome lançado em 2006. Adotando o gênero immersive sim, a mescla entre RPG e FPS aqui consegue estabelecer um ponto alto ao manter uma identidade original.

A condensação de um mundo aberto em uma estação espacial só fortalece o conceito que foi descrito com clareza por [highlight]Warren Spector, diretor do primeiro System Shock: “Eu prefiro fazer algo profundo, mas pequeno, do que fazer algo grande, mas raso”[/highlight]. E é exatamente isso que temos aqui, traduzido nos vários ambientes que percorremos e encontramos os inimigos. O combate, embora mais simples comparado ao de Dishonored, é profundo e elaborado o bastante para se misturar combos e criar diversas estratégias incríveis.

Desde uma arminha nerf à um canhão que dispara cola, a variabilidade de armas de fogo não deixa a desejar – esse fator se faz necessário para derrotar a diversidade de Typhons invadindo Talos I. Talvez a melhor mecânica de inimigos que eu tenha visto nos últimos anos, os Mímicos, pequenos aliens que se assemelham aos headcrabs de Half-Life, tomam a forma de algum item no cenário para te surpreender. Embora tenha pensado que essa dinâmica ficaria datada ao decorrer do jogo, minha paranoia de sair batendo em todos os objetos numa sala persistiu durante boas horas.

A exploração também conta histórias muito além daquelas encontradas em audio logs ou notas de texto. A destruição causada pelos invasores narra como os sobreviventes e funcionários da Talos I tentaram fugir — como que era a relação entre eles e como isso tudo corrobora para um ambiente enriquecido. Se você explorar, só tem a ganhar com essas pequenas narrativas.

Uma ótima surpresa

Prey é um jogo que te surpreende — tanto pela qualidade e pelo nível de detalhe em cada uma de suas instalações, quanto pela quantidade absurdas de loadings. Cada área da Talos I é um grande pedaço de chão que você percorre simplesmente sem interrupções, até você querer transitar para outra área. O jogo carrega o outro grande pedaço, e assim por diante. No final, é necessário transitar constantemente entre uma área e outra — atividade para ser feita sem pressa.

[toggler title=”Performance no PC” ]Essa análise foi feita com base na versão de PC. Sendo considerada a melhor versão para se jogar, Prey no PC está maravilhosamente otimizado, mesmo em configurações modestas:

  • AMD FX-4100 @ 3,6GHz
  • Nvidia GTX 1050Ti 4GB
  • 8GB RAM @ 1333 MHz

Consegue manter sólidos 60fps em configuração ‘média’ boa parte da jogatina, com exceções em partes frenéticas com muitas partículas na tela.[/toggler]

Fora essa questão, Prey se mostrou um jogo completamente polido e quebrando todos os mau olhares daqueles que esperavam com ansiedade um “Prey 2” que foi cancelado para dar espaço a esse novo projeto.

Uma verdadeira obra em game e level design, Prey manteve a cara de se mostrar um jogo completamente original, mesmo bebendo de várias fontes e se inspirando diretamente nos jogos da Looking Glass Studios. Apresenta uma história sólida porém com temas pouco explorados — constantemente trazendo questões de identidade e personalidade que serviriam como um prato cheio a ser explorado.

Prey é mais uma pérola a ser guardada e estudada com carinho — seja você jogador ou desenvolvedor. Profundidade e qualidade.

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O jogo foi analisado com base na versão de PC cedido gentilmente pela distribuidora.

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