Análise: Observation transmite de maneira sutil os horrores do espaço

Alguns dos filmes sci-fi da última década retratam um tipo de mistério, um sentimento não identificado, algo além das compreensões humanas que quer, de alguma forma, transmitir uma mensagem. Não falo necessariamente do horror cósmico lovecraftiano – nem tudo precisa envolver entidades divinas que distorcem sua sanidade só de imaginar o contato com uma delas. A Chegada, de 2016, retrata de maneira fantástica o processo linguístico das mensagens trazidas pelos extraterrestres Abbott e Costello, sendo possível traçar alguns paralelos entre o filme e o thriller espacial em Observation.

O que são essas entidades? Quais são seus objetivos?

Perguntas que servem apenas para instigar a curiosidade do espectador, já que na prática não teremos respostas ao tentar explicar tais conceitos. Observation vai por uma via diferente, apesar de apresentar trupes manjadas de ficção científica. Inteligências artificiais com tendências de natureza humana e um grupo de astronautas que não fazem a menor ideia do que está acontecendo compõe o roteiro que soa familiar para quem espera por esse tipo de jogo. É na execução que as coisas ficam interessantes.

Perdidos no espaço

Observation se passa inteiramente fora de órbita, na estação espacial de mesmo nome do jogo. Divida em vários ‘braços’, cada um deles opera com uma função diferente: coleta de dados, análise, observação etc. A tripulação de astronautas é composta por um time de diversas nacionalidades das maiores potências mundiais, como Rússia, China e Estados Unidos. A ‘protagonista’, dr. Emma Fisher, é uma das responsáveis pelo time no braço americano, interagindo diretamente com a IA que controla a estação inteira: SAM.

Acrônimo para System Administration Maintenance, o SAM toma aquele famigerado papel suspeito que toda inteligência artificial possui nas mídias de ficção científica, enfatizando o sentimento de que algo de errado pode acontecer a qualquer momento. Isso tem um motivo bem claro e que integra com as mecânicas de gameplay: o jogador controla o SAM.

Partindo desse princípio, notamos o quanto essa integração inverte os parâmetros que estamos acostumados, te questionando o tempo inteiro: e se você fosse a inteligência artificial? A partir daí, toda a narrativa toma uma postura que difere Observation dos demais jogos com a mesma temática, tornando-o bastante original.

Ao controlar o SAM, o jogador possui acesso a todas as câmeras, arquivos, módulos, escotilhas e sistemas da Observation. O que cada tripulante está fazendo? Qual o seu papel dentro da estação? Como se desenvolve a relação entre cada um dos tripulantes, confinados naquela estação no meio do espaço? São respostas e pistas que o jogo vai fornecendo ao apresentar um pouco mais de cada personagem.

Tudo aparentava bem e ir de acordo com o plano, até que algo bizarro acontece: uma turbulência seguida de um apagão geral na nave. Emma se encontra desnorteada, confirmando que algo de muito errado aconteceu. Onde estão os outros? E a pergunta mais importante: o que aconteceu? Procurando respostas, Fisher confirma seu maior temor: a Observation está bem distante de sua rota planejada, orbitando Saturno. A partir daí, mais perguntas vão recheando a narrativa e cabe ao jogador encontrar as respostas.

Jogabilidade espacial

O gameplay aqui não é nada convencional – ou pelo menos com o que estamos acostumados. Observation traz uma pegada diferente e permite ao jogador controlar uma verdadeira interface de sistemas, com uma estética que lembra a de Alien: Isolation (embora o jogo se passe em 2026). Leia mensagens, execute protocolos e acesse a uma grande variedade de câmeras espalhadas por toda a estação.

Como basicamente em todo jogo, o jogador deve seguir objetivos – e nesse caso, instruções. A Emma será sua companheira nessa jornada, orientando cada ação que você deve fazer. Se prepare para ser a IA mais ineficiente dos jogos sci-fi.

Acessar documentos e resolver puzzles também fazem parte do pacote, sendo os quebra-cabeças umas das principais atividades a serem exploradas pelas mecânicas de gameplay. Por exemplo: escotilhas e controles internos possuem um sistema criptografado que só pode ser acessado ao entrar com uma chave específica em um diagrama. O jogador deve encontrar um documento que mostre as senhas e represente o caminho a ser seguido.

Em determinadas partes é possível controlar “câmeras móveis” em formato esférico para explorar o espaço ou acessar lugares da estação onde câmeras comuns não conseguem chegar. O gameplay nesses momentos é infinitamente frustrante: o movimento da orbe é lento e impreciso, principalmente em ambientes mais fechados. A navegação geral dos menus e as interfaces, apesar de bem trabalhadas, levam algum tempo para se acostumar – prepare-se pra ir e voltar algumas vezes entre cada menu para achar o que você precisa.

O jogo não segura na sua mão em momento nenhum, além de breves instruções na UI e as repetidas vezes frases robóticas que Emma dirá algumas vezes até você entender o que precisa ser feito e onde – e estou agradecido que isso seja um ponto forte.

Ninguém escutará você gritar

Observation foi um dos jogos mais interessantes e bem executados de 2019, até agora. Produzido por um pequeno time independente, torna o feito ainda mais impressionante. Apesar de algumas pontas mal polidas – como a expressão facial e movimentação dos personagens – o todo é melhor executado que a soma das partes.

O enredo é bem construído e o mistério sutil acrescenta um recheio que prenderá sua atenção pela curta campanha de 5 a 8 horas de duração. Jogar como uma inteligência artificial foi uma sacada tão legal que me questionei como não tinha acontecido antes, mesmo com meu péssimo trabalho de resolver puzzles e responder instruções.

[alert type=white]A análise foi realizada com base na versão de PC cedida gentilmente pela distribuidora.[/alert]