Análise: Far Cry 5 é um ótimo jogo que merecia uma história melhor

Minhas primeiras horas com Far Cry 5 não foram das melhores. Mesmo carregando o mesmo DNA que seus antecessores (até mesmo de Far Cry Primal), algo parecia não conectar direito. Me perguntando porque toda hora eu estava a um piscar de olhos da morte, quantas hordas de inimigos eu teria que enfrentar para chegar do ponto A ao ponto B sem que uma metralhadora montada em cima de uma caminhonete começasse a me fuzilar incessantemente.

Portado apenas de uma pistola, um fuzil sem mira e uma pá, minhas alternativas eram escassas. A furtividade era praticamente a única opção até eu começar a entender os sistemas do jogo e ter mais senso da progressão que os eventos se desenrolavam. Foram momentos de aprendizagem que me fizeram entender o caos e como aquele mundo funcionava, de maneira viva e sistêmica, até me transformar numa máquina mortal armada até os dentes.

A Ubisoft demonstrou aqui sua capacidade de criar cidades e ecossistemas vivos e reativos, algo que fez falta em outros títulos da franquia. Porém, tropeçou feio ao tentar arcar com uma história (e um problema real) de maneira séria e recheá-la de clichês e personagens estereotipados numa forma que não presta nenhum tipo de serviço para uma questão que precisa de mais cuidado para ser tratada. Era obrigação deles? Talvez não, mas uma vez comprometido com o tema, a responsabilidade fica a critério dos criadores. Tenho mais alguns pontos para decorrer.

Amém

A intro de Far Cry 5 é promissora – chuto dizer que uma das melhores feitas pela Ubisoft. Assumindo o posto de um(a) delegado(a) sem nome, passado ou quaisquer motivações para estar ali, o jogador, junto a outros dois agentes membros do Serviço de Delegados dos Estados Unidos (a U.S Marshal), portam um mandado de prisão em nome de Joseph Seed. Líder religioso e diretor do projeto Eden’s Gate, Seed é o principal antagonista do jogo. Assim como Vaas ou Pagan Min, sua oratória é convincente e seus seguidores são leais até a morte. Os delegados o acusam de ser o chefe de vários sequestros na região, ordenando-o que se renda e vá com eles de helicóptero até seu julgamento.

Como era de se imaginar, todos os seguidores de Joseph criam uma resistência contra a prisão de seu líder e, ocasionalmente, todo o processo dá errado. O helicóptero cai, Seed foge e nosso personagem precisa liderar uma resistência armada contra as forças de Eden’s Gate. O fanático religioso não está sozinho e conta com a ajuda de seus irmãos Jacob, John e Faith. Cada irmão é responsável pelo controle de uma região de Hope County, com sua própria história e motivações. Os irmãos Seed caem no clássico padrão check-list de como se tornar um vilão de videogame: passado conturbado, pais abusivos e um latente diagnóstico que tende a uma personalidade antissocial.

Levando esse padrão em conta, o setting de Far Cry 5 corrobora para cutucar uma problemática questão presente nos Estados Unidos: estamos em Montana, numa região rural onde os costumes e cultura conservadora do povo norte americano são mais acentuados. O número de armas de fogo é diretamente proporcional a densidade populacional; a liberdade é traduzida como o poder de carregar uma arma sem ser incomodado, se sentir “seguro” contra quaisquer ameaças que possam retirar essa liberdade. Ao invés de questionar o fato de um culto religioso ser tão influente e usar dessa cultura em benefício próprio, o roteiro do jogo segue o lado oposto. O lado dos clichês, da cartunização de personagens que deveriam ser o próprio questionamento.

Temos um vilão que a maioria dos diálogos são retirados de jargões bíblicos, condenando um eterno pecado e nos alertando sobre um inevitável fim do mundo, onde só e apenas a família Seed tem a salvação das almas que serão perdidas durante esse arrebatamento. A palavra “pecado” é dita e conjugada das mais diversas formas, num discurso sem fim que não ousa ter mais sentido, que te cause um impacto e jogue na contra-mão do senso comum. O roteiro seguido por Joseph Seed pode ser facilmente confundido com uma pregação de qualquer pastor de igreja evangélica; a premissa é quase a mesma e não faltam referências ao Apocalipse e a lavagem de pecados.

A resistência, composta pelos delegados e moradores de Hope County, compõem um elenco que luta para ser algo marcante – embora talentosos dubladores deem vida a esses personagens, não espere nenhum carisma (tirando alguns personagens de missões paralelas) exacerbado ou que te fará lembrar por muito mais tempo. A sensação de potencial jogado fora se reforça a cada missão de história envolvendo personagens que deveriam ter maior relevância na trama.

Sistêmico e reativo

Se tratando de gameplay é onde Far Cry 5 realmente brilha. Hope County é uma região viva, com sistemas que se interagem a todo momento – talvez até um pouco demais. Animais para se caçar, pescar, tesouros a serem encontrados, lugares a serem destruídos e novas regiões recheadas com novidades que dispensam as famosas torres-para-liberar-o-mapa, presentes em outros jogos da série, em função de poder explorar e liberar mais atividades. A escolha de retirar o minimapa e colocar um compasso no lugar fez com que nossos olhos focassem onde realmente importa.

É possível dirigir carros, vans, caminhões, buggys, pilotar aviões, helicópteros, jet-skis, barcos, pular de paraquedas e planar de wingsuit – todas ferramentas já presente em outros jogos que foram um pouco mais refinados aqui para se adaptar a geografia e relevo de Montana. É gostoso de explorar e conhecer a região, fator que deixa Far Cry 5 um investimento a longo prazo se você é do tipo complecionista. O arsenal, apesar de ser bem mais fraco em comparação a Far Cry 4, por exemplo, oferece uma pegada mais natural e armas com um feeling melhor de se manusear. A adição de armas brancas e estilingue deram uma temperada melhor no conjunto.

Como dito antes, o jogo possui uma ótima interação entre seus sistemas: facções brigam entre si, animais se caçam e atacam pessoas, tornando todos os eventos no mundo aberto mais críveis e imersivos. Sendo assim, o jogador pode abusar desses sistemas e criar situações únicas que culminam em algo engraçado ou até mesmo útil, como é o caso de abrir gaiolas de predadores no meio dos fanáticos do culto. A IA dos inimigos também pode ser exploitada de várias formas, mas não se surpreenda com a visão biônica de alguns hostis e toda a sua furtividade ir por água abaixo. É comum e mais que normal aqui.

O sistema de progressão também apresenta melhorias e é um passo na direção certa – não só apenas na franquia mas nos jogos de mundo aberto da Ubisoft em geral. Como mencionei nesse texto, a história avança independe das missões principais: sidequests e exploração também contribuem para o “medidor de resistência” do jogo, contando pontos para a liberação daquela região. Dessa forma, a Ubisoft reservou essas quests para o desenvolvimento de personagens e interligação com o sistema de Guns For Hire. Aprimorando o buddy system de Far Cry 2, Guns For Hire oferece nove especialistas para te ajudar em batalha de mais variadas formas, desde um urso pardo gigante apelidado de Cheeseburguer até o querido Hurk Jr, presente em outros jogos da franquia.

Aquilo que cheira a downgrade soa como simplicidade para a Ubisoft. Em Far Cry 5 não há mais necessidade, por exemplo, de craftar uma bolsa maior para carregar munição ou armas, todos esses upgrades (além da árvore de habilidades) está presente como “perks” a serem desbloqueados com pontos adquiridos realizando desafios ou coletando perk magazines. Dessa forma, o jogo te encoraja (ou até mesmo obriga) você diversificar seu jeito de jogar. Esses desafios são variados e separados em exploração, caça e combate, contabilizando suas ações em diversas categorias como “mate X inimigos com SMGs/rifles de assalto/explosivos”, “pesque tal peixe”, “tire a pele de tal animal”. É divertido e oferece mais opções.

É o fim do mundo?

Far Cry 5 oferece muitas possibilidades, mesclando uma exploração satisfatória que deixa e muito a dever com sua história e seus personagens. A audácia da Ubisoft em tratar um fanático religioso cristão como vilão caiu por terra ao ver que tudo aquilo que Joseph Seed representa é uma visão clichezada e sem real profundidade de algo com potencial completamente desperdiçado. Talvez por causa das críticas ou o medo de enfrentar a ira dos conservadores – o enredo merecia algo melhor.

Se você está procurando por um gameplay satisfatório e um mundo vivo e que vale a pena ser explorado, não pense duas vezes. Caso preze por um roteiro bem trabalhado, com uma história digna e personagens marcantes, é melhor procurar em outro lugar, ou até mesmo em outros jogos da franquia.