Análise: Deus Ex: Mankind Divided carrega o legado de seus antepassados

Tem tanta coisa pra se falar sobre esse jogo que eu mal sei por onde começar. Se fosse escolher um tópico pra começar a análise, eu com certeza falaria da tela inicial, aquela que você tem que apertar um botão pra ir pro menu. Sério, é um dos designs mais bonitos que eu já vi numa tela inicial de videogame.

Dá uma olhada:

Achei tão bonita que precisei compartilhá-la em algum lugar, e o Twitter me pareceu uma boa escolha. Mas nem só de telas iniciais se faz um jogo, né? E ainda bem, porque apesar de ser bem bonito esteticamente, é um ótimo jogo.

Tem suas particularidades, e acho que a mais marcante é ele ser tão não-linear que às vezes me deu preguiça. Tanto caminho pra escolher, coisas pra fazer e o melhor: como fazê-las que eu fiquei, genuinamente, espantado. Deus Ex: Mankind Divided é um tiro certeiro para uma empresa que parecia não saber o que estava fazendo.

Apartheid mecânico

O próprio subtítulo do jogo já deve indicar do a narrativa principal irá se focar. A humanidade dividida, nesse caso, representa o que o apartheid racial representou uns anos atrás, mas agora, em vez da etnia, o foco é em pessoas que optaram por aprimoramentos tecnológicos no próprio corpo — seja para ter vantagens em quesitos físicos ou por reposição de algum membro amputado. Não demorou muito para que se criasse, naturalmente, a divisão entre naturais x aprimorados.

Redes de apoio, organizações, grupos não governamentais: essa divisão traria consequências que conhecemos bem nos dias atuais em desacato contra minorias. Repressão policial é constante, discriminação e preconceito que tentaram ser retratados de maneira crível pelos desenvolvedores para mostrar como o simples existir de um aprimorado significa perigo à sua própria existência — assim como ser um jovem negro numa cidade grande.

Grupos de resistência logo apareceram em nome dos aprimorados. A ARC — Augmented Rights Coalition —, e seu líder, Talos Rucker, lutam para que estes vivam ao menos uma vida digna. Logo, o governo não perderia tempo em tratá-los como terroristas, a fim de culpá-los por qualquer tipo de instabilidade social — e não só a ARC, como os aprimorados em geral.

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Após os eventos de Human Revolution, e em especial um acontecimento conhecido como “The Aug Incident”, que causou a morte de 50 milhões de pessoas ao redor do mundo, o agente Adam Jensen está de volta. O protagonista está disposto a descobrir a verdade sobre esse incidente, assim como descobrir quem são os Illuminati — principal facção antagonista em Mankind Divided — e a correlação desse grupo com ataques terroristas que aconteceram pouco após sua chegada em Prague, na República Checa.

Embora seja uma narrativa interessante, tenho alguns receios nessa espécie de retratação da realidade para a ficção. Usar a luta de minorias para incorporar ao seu produto em prol de vendas e mercado é algo que não vejo com bons olhos. Diversos cartazes com a mensagem “Aug Lives Matter”, parodiam o movimento de resistência “Black Lives Matter” dos Estados Unidos, de jovens negros contra a repressão policial. O assunto deveria ser levado um pouco mais a sério do que apenas ser encaixado numa mídia de entretenimento; a crítica é presente, mas completamente superficial em contraste com a realidade.

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Há diversas histórias paralelas que podem passar completamente batidas se você não prestar atenção. Nesse ponto, notei que Mankind Divided exige um pouco mais do jogador que os blockbusters tradicionais: se você pegar um código para abrir uma porta ou um cofre, ele não fica marcado no seu mapa. É necessário ler a informação que contém o código e saber por onde buscar. Não é legal se jogar enquanto estiver com preguiça.

Fora esses pontos citados, o game possui uma narrativa e história decentes. Te intriga, há certo mistério e plot twists. Nada espetacular por aqui — mesmo se tratando de um RPG fortemente baseado no enredo.

Mecanicamente consistente

Eu acompanho um canal no YouTube de um cara chamado Mark Brown. Ele tem uma série chamada “Game Maker’s Toolkit”, que consiste em pegar vários jogos e destrinchar os conceitos de game design por trás desses deles, para analisar o quão bem eles funcionam (ou não). O último que eu assisti foi sobre a volta dos jogos “Immersive Sim”, gênero teoricamente fundado pela Looking Glass Studios (Thief: The Dark Project, System Shock 2) e a Ion Storm (Deus Ex, Thief: Deadly Shadows).

Jogos pertencentes a esse gênero fundaram, basicamente, tudo o que conhecemos sobre liberdade em videogames. Em Dishonored, o co-criador Harvey Smith, que também foi ex-designer na Ion Storm, carregou essa filosofia diretamente para o jogo: realize as missão como quiser, crie formas criativas de infiltração e tenha um jogo altamente reativo às suas escolhas. O primeiro Deus Ex, de 2000, também possuía o mesmo conceito.

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É realmente esquisito como todo ‘takedown’ é seguido de uma mini cutscene.

Anos mais tarde, essa mesma filosofia foi carregada para Human Revolution e, agora, Mankind Divided. Embora tenha sido produzido por um time completamente diferente, o legado deixou bem claro sobre o que é Deus Ex. Você tem acesso a uma espécie de mundo semiaberto, onde praticamente não existem portas fechadas; há mil e uma maneiras de se infiltrar, portas para se hackear e começar cada missão. Sidequests que complementam ainda mais o sistema complexo de transição da cidade, várias camadas de densidade em cada nova área.

Sendo um jogo primariamente furtivo, Adam Jensen possui algo muito mais valioso que seu arsenal: sua capacidade de ser, praticamente, um rato. Tubos de ventilação são rotas alternativas de entradas e saídas, portelas em elevadores, escadas escondidas (e improvisadas) e outras várias maneiras que incrementam a verticalidade do jogo. Naturalmente, um arsenal de augmentations estão ao seu dispor para facilitar essa exploração.

Exploração: essa é a palavra-chave. O diabo está nos detalhes, e é aí que vemos o quão sua história pode ser muito mais rica se você tirar um tempo para explorar com mais calma, ler os emails escondidos e outras várias mensagens que o jogo esconde.

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Deus Ex: Mankind Divided é um jogo que honra seu passado na Ion Storm ao trazer um consistente e divertido immersive sim (adorei esse termo) e, claro, stealth. Embora outras mecânicas soem ultrapassadas — como o vídeo que coloquei acima — não há nada para reclamar sobre como Deus Ex funciona. Sempre poderia ser melhor, óbvio, mas do jeito que está não vejo motivo em apontar defeito que não atrapalha a imersão do jogo.

Mesmo com uma crítica social rasa, as mecânicas e game design consistentes não deixam esse título passar em branco. E a gente pensando que a Eidos Montreal estava na pior.

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Essa análise foi realizada com base na versão de PlayStation 4 gentilmente cedida ao Jogazera pela desenvolvedora.

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