Análise: Carrion é um bom experimento no estilo “terror inverso”

Muito provavelmente você sabe e conhece o sentimento de fugir de alguma criatura aterrorizante em um jogo de terror. Jogos como Alien: Isolation reforçam a trupe clássica do herói fugindo do monstro invencível – boa parte dos filmes slasher e de horror gráfico que deram origem às franquias de terror que temos hoje começaram desse mesmo pressuposto. Seja fugindo do Nemesis ou Mr. X em Resident Evil ou dos malucos do sanatório em Outlast, a estrutura batida desse tipo de fórmula já é bastante conhecida.

Carrion se propõe a tentar algo mais original com uma premissa básica: e se… você fosse o monstro? A partir daí, o jogo te permite experimentar uma fantasia pouco explorada na mídia de jogos de terror, principalmente singleplayer, de ser o monstro. Parece algo tão básico que me pergunto como que isso nunca foi explorado mais vezes. Claro, temos exemplos dessa ideia em jogos multiplayer como Dead by Daylight, Evolve, Friday the 13th e entre outros, mas não foi o suficiente para abranger toda a capacidade que essa ideia pode ter.

Sendo tudo o que um monstro pode ser, Carrion vive intensamente essa premissa. O jogador é uma criatura horrenda com habilidades que deixaria qualquer protagonista de jogo se tremendo de medo, incorporando características visuais que até John Carpenter se surpreenderia. Juntando inspirações claras de body horror e aberrações alienígenas, Carrion é uma experiência interessante dentro de uma ideia pouco explorada.

A Coisa

O jogo é bem sutil na maneira que conta sua história e deixa a maior parte para o entendimento do jogador. Basicamente sem diálogos e cutscenes, Carrion começa da forma como tem que ser: o monstro fugindo de sua cápsula de estudos e matando todos os cientistas no perímetro. Os gritos de terror dos pequenos humanos pixelados logo se tornam os rugidos de fome da criatura a medida que o jogador ataca cada humano ali.

A partir disso, é necessário explorar o laboratório e entender mais sobre suas motivações: quem o criou e por qual propósito? Quais outros experimentos estavam acontecendo naquela base? São todas respostas que deverão ser obtidas a partir de muita exploração, interpretação dos cenários e a sequência de eventos no qual o game se desenvolve. Há pequenas sequências de flashback que mostram cientistas indo até a base militar onde a criatura estava, onde o jogador resolve puzzles e tenta fazer sentido das coisas que aconteceram e culminaram na fuga do monstro das instalações da base militar.

As motivações e intenções dos outros personagens pouco importam, o jogo leva eleva sua ideia ao máximo: ser uma criatura amorfa que devora e destrói tudo em seu caminho enquanto toma controle da base de onde estava aprisionada. O restante são meros detalhes que ficam a completo cargo da sua subjetividade.

Matar e consumir

Carrion é um jogo de plataforma 2D com visuais em pixel art extremamente bem feitos. Sua filosofia de design é bem próxima aos metroidvanias: explorar todo o cenário, conseguir novas habilidades e destravar caminhos e atalhos. Como a criatura é um amontoado de carne e tentáculos, a movimentação é estranhamente fluída, sendo possível se esgueirar entre pequenas entradas e compartimentos – embora algumas vezes os controles se embananem da onde o bicho precisa entrar ou sair.

Também é possível dividir a biomassa da criatura na medida que cada “forma” possui habilidades diferentes para resolver os puzzles ambientais. Ou seja, alguns obstáculos só são superados ao guardar sua biomassa, ficar menor e utilizar as habilidades corresponder a forma menor. O combate também é intuitivo e vai te fazer pensar duas vezes antes de sair atacando contra qualquer inimigo: vários soldados possuem escudos que repelem seus ataques, além de portarem lança-chamas e outros armamentos bem letais contra o monstro.

Como disse ali em cima, Carrion é fortemente inspirado em metroidvanias e possui todos os brilhos e defeitos desse tipo de design. O jogador não conta com nenhum mapa ou orientação sobre onde precisa ir ou qual seu próximo objetivo, se limitando no máximo a uma habilidade de ecolocalização que indica vagamente onde está o próximo checkpoint. E sendo sincero, várias e várias vezes me perdi da rota principal e não tinha a mínima ideia da onde eu tinha que ir, deixando a jogatina arrastada e um pouco entediante. Quando finalmente encontrava o caminho certo, o ciclo se repetia até achar outro upgrade e explorar novas áreas bloqueadas anteriormente. Isso é um problema? Depende do quanto você gosta de metroidvanias.

Fora esses detalhes, o gameplay é sólido e, na minha visão, transmite bem a proposta. Mesmo tropeçando em algumas coisas (e eu considero o ritmo do jogo como um desses tropeços), é sempre divertido se esconder das suas vítimas e atacá-las num ligeiro golpe e as devorar logo em seguida. O tempo curto de sua campanha felizmente colabora para não arrastar demais esses problemas.

Quem curtir resolver puzzles e brincar de monstro de filme de terror, Carrion preenche todos os quesitos para ser um jogo de premissa interessante ao portar uma ideia original para os videogames, ainda mais no meio indie, abastecendo o incrível catálogo que a Devolver Digital vem construindo ao longo dos últimos anos.

Só tome cuidado com os lança-chamas.

[alert type=white]O jogo foi analisado com base na versão de PC cedida gentilmente pela distribuidora.[/alert]

Carrion
Conclusão
Mesmo pecando em alguns pontos como metroidvania, Carrion traz uma ideia original pouco explorada com boa execução.
Positivos
Boa exploração da mecânica principal
Ser o monstro
Ideia original
Negativos
Poucas mecânicas de auxílio de exploração
Ritmo de jogo descompensado
Inimigos de lança-chamas
8
ÓTIMO