Análise: Brut@l é roguelike com problemas notáveis, mas diverte

Há muito se foi a época em que a única opção de se jogar RPG era com papel, caneta e dados. As aventuras transcenderam para mundos digitais, que eventualmente se realizaram em ambientes tridimensionais, repletos de cidades, florestas e cavernas. Mas o início dessa transição se deu pelo surgimento de jogos como Rogue (1980) – a principal inspiração de Brut@l, game desenvolvido pela Stormcloud Games.

As escolhas de design do indie são diretamente influenciadas pelo clássico. O game adota o formato padrão de roguelikes, com calabouços gerados de forma semialeatória e morte permanente. A direção de arte também é impactada pelo pioneiro da década de 80: o visual, apesar de tridimensional, é todo desenhado de forma a lembrar os games projetados em caracteres ASCII, resultando em uma estética única.

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Destruindo tudo pel@ frente

A aventura pelos andares quase monocromáticos começa com a escolha de uma das quatro classes disponíveis. Cada uma delas possui uma especialidade na árvore de habilidades, que é bem básica e igual para todos eles. Portanto, após ter tudo evoluído, os heróis passam a não ter muitas distinções além de seus visuais.

Mas nos primeiros momentos, as preocupações são outras. Devido à escolha artística, às vezes vai ser difícil distinguir o que é um baú, objeto do cenário ou o que é um inimigo, mas a adaptação é natural: logo você se acostuma a assimilar os elementos pelas suas formas, já que à primeira vista tudo pode ser bem parecido.

E por falar nos calabouços, como mencionado anteriormente, eles são gerados de forma semialeatória; procedural. Embora isso venha com o preço da ausência de um level design desenvolvido cuidadosamente, o fator surpresa faz parte desse gênero, apesar dos andares acabarem parecendo um tanto copicola às vezes. Felizmente, o jogo contém um mapa que pode ser acessado a qualquer momento. Ele ajuda muito quem não tem muito senso de direção (como eu) e também é muito legal.

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Não são só os inimigos que proporcionarão pontos para a progressão do personagem, no entanto. Destruir objetos do cenário também lhe concederá pontos de experiência, o que significa que você provavelmente vai querer esmigalhar cada pote e derrubar todas as pilastras. Isto é, até você se cansar, pois essa é uma tarefa monótona e que não oferece desafio algum.

Armadilhas, baús e altares são outros elementos que ocupam as salas da masmorra. Enquanto os tesouros guardam ouro e equipamentos, os altares podem conceder uma segunda vida ao jogador, desde que ele ofereça uma quantia determinada de dinheiro como tributo.

Roguelike (mas nem t@nto)

Se você já jogou algum outro jogo desse gênero, como Spelunky ou Binding of Isaac, entende bem que cada decisão tem de ser feita com cuidado. Desde o começo da partida, um deslize pode comprometer seu progresso ou até mesmo resultar em um game over. Além disso, a sensação de chegar bem longe nesses games é triunfante devido à dificuldade destes.

Mas aqui a situação é um pouco diferente: nos primeiros níveis, a sua maior ameaça — e isso chega a ser um exagero — é o seu medidor de fome, que pode ser facilmente preenchido ao consumir os alimentos que encontra pelos andares. Com uma dificuldade reduzida, a sensação estratégica se perde um pouco, fazendo com que o título se assemelhe mais a um RPG de ação — o que é, na verdade, bem aceitável, dependendo das suas expectativas em relação ao jogo. No entanto, passados os primeiros andares, quando você está se acostumando com a forma que o game funciona, as coisas começam a complicar um pouco por questões de design.

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Comb@te problemático

Bons fundamentos constroem o combate de Brut@l, mas algumas escolhas impedem a realização completa deste. Os ataques não são nenhum mistério, bastando apenas apertar um botão repetidamente para executar os combos, ou ambos os gatilhos para executar o ataque especial. A defesa, no entanto, se divide entre a esquiva e o bloqueio. Enquanto uma esquiva pode salvar alguns segundos seus, bloquear um ataque na última hora deixará seu oponente vulnerável a mais golpes.

E tudo isso funciona muito bem… mas só no mano-a-mano. Uma vez que enfrentar dois ou mais inimigos de uma vez se torna uma obrigação, as limitações do combate começam a surgir: além do game dificilmente entender em qual inimigo você está mirando, esperar uma abertura para contra-atacar pode ser frustrante, pois você rapidamente será cercado pelos outros no meio tempo. Com isso, ou você recorre à tática de sair batendo sem parar e esperar pelo melhor ou adota a estratégia do “corre, bate, corre”. Os sistemas do jogo te fornecem tudo para que ele não seja jogado dessa forma, mas suas mecânicas entram em conflito, impossibilitando um combate tão funcional como o esperado. Mesmo assim, eu estaria mentindo em dizer que é um exercício completamente entediante; sair retalhando as criaturas como se não houvesse amanhã é divertido e lembra um pouco o sistema de alguns RPGs isométricos, como Torchlight.

Dito isso, a variedade de itens para ajudar sua jornada é grande o suficiente. O escudo é, por padrão, o equipamento inicial de qualquer herói, mas os privilégios acabam por aí: armaduras (que são descartáveis), comida, projetos de armas e poções deverão ser encontrados em baús, servindo de motivação para a exploração das masmorras. E por falar em armas, todas elas são construídas e encantadas usando letras. Isso mesmo.

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Sop@ de letras

Essas letras devem ser encontradas pelos 26 andares do jogo e servem para o único propósito de desenvolver lanças, alabardas, espadas e machados — desde que você tenha o modelo de tais itens. As variantes coloridas dos caracteres têm a utilidade de encantar seus equipamentos ofensivos, imbuindo-os com capacidades especiais. Uma espada encantada com os caracteres azuis terá a capacidade de congelar um inimigo, enquanto que o uso dos caracteres verdes causará envenenamento ao acertá-lo, enfim. A adição é bem-vinda e se prova ainda mais útil ao permitir que uma arma possa ter mais de um encantamento, que pode ser alternado com o pressionar de um botão.

O crafting não acaba por aí, pois também existem poções de sete cores diferentes para serem criadas (ou encontradas). A cada partida, o efeito de cada uma é alterado, e para descobrir a sua função você terá de bebê-la, com o risco de sofrer envenenamento e maldições ou o alívio de recuperar alguns pontos de vida, assim acrescentando mais uma camada ao fator surpresa, íntegro da natureza dos roguelikes.

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Extr@s

Para finalizar o pacote, há também uma série de elementos adicionais para complementar a experiência. Além de um modo multiplayer local (que eu não pude experimentar, infelizmente), há também leaderboards, que separam jogadores pela quantia de inimigos eliminados, tempo jogado, ouro coletado e muitos outros filtros. Por fim, um robusto modo de criação de calabouços permite que você crie suas masmorras e compartilhe-as com a comunidade. Nenhuma dessas adições é realmente necessária para o jogo, mas vê-las inclusas e funcionando devidamente — em especial a criação de dungeons — nos mostra o esforço extra que pode vir até das menores desenvolvedoras indie.

Brut@l pode não ser o roguelike perfeito; com certeza traz falhas consigo. Mas no meio de certas decisões questionáveis e problemas menores (eu só posso navegar o meu inventário com o analógico!), há um jogo que diverte por algum tempo e sabe usar algumas das forças do seu gênero. Elementos extras comprovam a dedicação da desenvolvedora, mas esse empenho poderia ter sido direcionado à melhora de sistemas primordiais para o aproveitamento do jogo, como o combate.

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Esta análise foi realizada com base na versão de PlayStation 4 gentilmente disponibilizada ao Jogazera pela desenvolvedora.

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