A ilusão da carta branca

[…] Entretanto, uma certa tolerância com problemas técnicos é necessária para um aproveitamento completo, especialmente nos consoles.

Esse foi o fechamento do face-off de Fallout 4 realizado pela equipe do Digital Foundry, do portal Eurogamer, que se encarrega de trazer análises completas e em profundidade sobre os principais lançamentos da indústria dos games. Fallout 4 foi um dos jogos mais esperados da comunidade desde Fallout 3, e o longo tempo de desenvolvimento concedeu ao jogo um lugarzinho especial naquele “hall da fama dos esperados”, onde participou Diablo III e Duke Nukem Forever, e ainda participa Half-Life 3.

“Mundo aberto” não é sinônimo de superioridade

Fallout 4 (2)

A história que nunca muda

A Bethesda Game Studios, responsável pelo desenvolvimento de Fallout 4, é bem conhecida também pelos títulos da saga Elder Scrolls – sendo o mais notório Skyrim, o último lançado. Skyrim não só chamou atenção por possuir um mundo medieval descomunalmente grande e denso ou por ter ganhado o famigerado “Jogo do Ano” em 2011. Skyrim é, bastante conhecido, pelos seus bugs em excesso. Problemas técnicos dos mais variados: desde texturas faltando, NPCs fazendo bizarrices até crash e comprometimento da sua experiência. Desde 2011, a comunidade se encarregou de transformar Skyrim em um universo mais optimizado – e bonito. E diga-se de passagem, em meus anos jogando videogame, nunca vi alguém citar Skyrim como um péssimo jogo arregaçado por bugs ou que não merecesse nenhum prestígio por conta desses problemas.

Até porque, assim como Skyrim e Fallout 3, Fallout 4 é um ótimo jogo. Um ótimo jogo que está sofrendo – e bastante – tecnicamente. Todas as reviews negativas citam severos problemas técnicos no game, seja ele de qualquer natureza. Mas… Espera aí. Eu não acabei de dizer que Fallout 4 é um ótimo jogo, assim como está dizendo a grande maioria e a mídia especializada? Por que, então, essa controvérsia agora?

Pelo simples fato de que essa desculpa de “ah, é da Bethesda” não cola mais.

Por mais que eu esteja correndo o perigo de ser extremamente chato dizendo isso, mas em pleno 2015, um produto com orçamento milionário não devia passar por 1/3 do que os jogos da Bethesda – por exemplo – passam. Não estou desconsiderando as horas trabalhadas, o trabalho artístico por traz do game ou todo o suor que funcionários que dedicam seu amor e vida aquele jogo estão dando. Mesmo Fallout 4 com todas suas qualidades, seu impressionante storytelling e tudo o que foi refinado daquilo visto no capítulo anterior da série, é intragável você ter sua experiência arruinada porque o jogo possui bugs que quebram sua experiência. Beira o inadmissível, pois a suma do trabalho feito com excelência se desfaz porque você ficou preso em algum lugar e não consegue mais avançar. Estou com quase 30 horas de gameplay e daria para escrever um livreto sobre todas as bizarrices que já presenciei.

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Fallout 4 Dogmeat

Pensamento crítico como aliado

Nenhuma empresa tem carta branca pra entregar produtos inacabados/defeituosos/problemáticos com o direito de “porque eles são assim/eles fazem jogos assim”: e esse comodismo se propaga ano após ano, onde pouquíssimas empresas dão a cara para falar que precisam mudar – mesmo após muito tumulto -. Vide o caso Ubisoft, com a transição de Assassin’s Creed Unity para Syndicate.

Videogame sofre com o patamar “arte” por esse motivo: é um produto. Um produto, de uma empresa, em um mercado. Você paga por aquele produto. Não é caridade, muitos menos de graça – não faz o menor sentido aceitar se está quebrado porque a empresa é conhecida por esse tipo de coisa. Entretanto, repito e afirmo: Estou jogando Fallout 4 enquanto devia estar estudando pra faculdade. Estou gostando por ser simplesmente Fallout, que inclui todos os prós e contras, e eu fico extramente entristecido ao saber que mesmo após 6, 7 anos, os problemas continuam os mesmos.

Por mais que você ame: critique. Criticar não é sinônimo de discórdia, e esse tipo de patamar endeusado que Fallout 4 ficou precisa ser quebrado. Todas as coisas na vida nunca são um espectro preto e branco – basta saber em qual o tom de cinza está ao meio de uma complexa rede de relações que não são lineares. Por que videogame seria simples de se discutir?