A cultura do ódio na comunidade dos jogos

Conviver nunca foi tarefa fácil pra muita gente. Fato mais que comprovado, o mínimo de habilidade social é exigida para se manter uma conversa, expor opinião a um público, demonstrar afeto e relações parecidas. Para alguns, isso pode se tornar um pesadelo – aos mais tímidos, o desafio é lançado a cada interação social nos mais variados níveis.

Com a Internet, falar o que você pensa ficou muito mais acessível e fácil. Atrás da tela de um computador, seu principal artifício é a sua opinião, que muitas vezes é contrária a de muita gente. E por esse mesmo motivo de estar imune de alguém te ameaçar com uma arma apontada na sua cara ou uma surra com soco inglês, que fronteiras te limitam de falar o que você quer?

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Não é nem a ponta do iceberg.

Por isso mesmo muita gente confunde liberdade de expressão com declaração de ódio. Quero trazer o ponto da discussão no ambiente que eu, você, meus amigos de equipe do Jogazera e outros vivenciam: o mundo dos jogos. O mundo, como umas pessoas dizem, “gamer” – e pra ser sincero, nunca gostei desse termo. Numa comunidade que cada dia se prova mais tóxica que depósito de césio-137, não dissocio a imagem dessa palavra daqueles que pegam e usam isso como título, motivo de orgulho porque joga vídeo-game e exibe como um certificado de especialização ou doutorado, mas quando estão, na verdade, agindo como ogros que não sabem lidar dentro de um espaço virtual.

Gênero e mercado de games: tem muita mulher jogando vídeo-game! (Ainda bem)

Não me entendam mal – eu sei que nem todo mundo (homem) é assim. Porém, esse mal estar é traiçoeiro e se camufla cada vez melhor. “Mas nem todo homem (…)”/”Mas é só minha opinião (…)”/”Eu não sou machista, mas… (…)”. O “mas” que se esconde como porém, que está em todo entretanto, presente no todavia, mascarado de “eu sei me comportar”. Sabe expôr opinião mas não sabe os limites do respeito.

É só ver qualquer vídeo, pesquisa ou análise grande divulgada em YouTube e Internet afora que demonstre qualquer minoria social que jogue vídeo-game (principalmente mulheres), e ler os comentários. “Só mulher gorda que joga”/”Joga pra aparecer”/”Cadê as mulher gamer que eu nunca vejo?”/”Ah todas tem namorado”. Fora, claro, os comentários que são pura babação de ódio. Violência gratuita porque a tolerância foi pro espaço.

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Big Boss dá uma dica pra quem vier “trollar” nos comentários

Qualquer motivo em qualquer jogo que tenha uma comunidade online é brecha para uma falta de respeito, um atrito no que tange à integridade alheia. Só você presenciar, também, comentários de qualquer notícia em grandes portais de jogos. Trolls se posicionam para atacar a qualquer momento para iniciar intrigas que variam desde fanboyismo – onde você quer defender sua marca por cima do cadáver de qualquer pessoa -, até xingamentos completamente racistas, misóginos, irracionais. Parando pra pensar, acho que “lixo” nunca foi tão utilizado como um insulto até as explosões da social media em geral. “Que jogo LIXO.”/”Que console LIXO.”/”VOCÊ é um LIXO.” 

Um problema gravíssimo que nos remete a sociedade conservadora e intolerante que reproduz seres com comportamentos iguais, sem a menor preocupação com a mudança para um ambiente mais saudável e respeitoso. Uma luta que parece sem fim, um confronto que se estabelece na luta de muitos para que esse espaço seja constituído. Mas se isso não começar cedo, não começar desde o berço – eu não sei aonde vai. “Não ensinem suas meninas a não andarem a noite, ensinem seus meninos a terem respeito. Não ensinem que a culpa é da pessoa, ensinem respeito. Ensinem amor”. 

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s.f. Aptidão para se identificar com o outro, sentindo o que ele sente, desejando o que ele deseja, aprendendo da maneira como ele aprende etc.

Tenham essa palavra em mente e seu significado. Ao se ensinar empatia, ao aprender a ter o mínimo de compreensão como é estar na pele do outro quando você é chamado de “lixo”, aos poucos se pode ter uma noção do quanto é doloroso. E não é só porque você não se ofende, que outras pessoas ao seu redor não vão sentir o mesmo ou que não vão se importar com o que você diz. Não trato de vitimismo aqui, falo de irracionalidade.

E cá entre nós, não é sua “carteirinha gamer” que te dá o direito de desqualificar mulher alguma ou outra pessoa só porque ela joga games mobile ou no Facebook. Que te dá liberdade de expressar suas declarações desrespeitosas em relação ao que a pessoa faz o deixa de fazer. Sendo lvl 400 no Steam com 4 mil horas de Dota 2; que jogue apenas num portátil ou celular, respeito é bom e todo mundo gosta.

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Arte por Camila Torrano

Reveja o modo de se conversar e tratar outras pessoas num ambiente social ou físico que aí, quem sabe, dê pra descobrir porque mulheres são metade do mercado “””gamer””” e você não vê nenhuma por aí. E uma regra geral: ninguém deve satisfação nenhuma do quê joga, o porquê joga ou como joga alguma coisa. Não existe decreto, lei ou regra que encaixe alguém como “gamer”, então guarde suas ferraduras e xingamentos porque como disse ali em cima, ninguém deve satisfação nenhuma pra você nem pra ninguém. Recomendo essa leitura do site Garotas Geeks (onde também vi a tirinha acima) a você que se sentiu incomodado em algum ponto desse artigo.

Não é muito difícil começar a praticar esse respeito. Respeito às mulheres, ao estranho que você não conhece na Internet, a qualquer membro da comunidade de jogo online, independente de sua orientação sexual, cor, gênero, identidade e derivados.

Pratique. Não faz mal nenhum, você ganha com isso e todos ao seu redor para uma convivência mais harmoniosa.