A ousadia de Hideo Kojima

Infelizmente, não fui uma das pessoas a ver o início de uma saga que continuaria viva 28 anos depois de seu lançamento original no MSX. Tampouco vi reviravoltas ou confusões acerca do protagonista ser um homem magricelo meio loiro do segundo jogo da série Solid ao contrário daquele outro soldado com a voz legal que já tinha virado ícone da série. Perdi essa época.

Conheci Metal Gear Solid em 2012, quando um amigo me emprestou o HD Collection, Metal Gear Solid 1 do PSOne original – sabe aquelas mídias pretas? – e Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots. Joguei na ordem cronológica da série, começando pelo Snake Eater (o terceiro jogo) até chegar no quarto. Uma jornada aí de 1964 à 2014. Embora tenha demorado, digamos, bastante tempo para zerar todos eles, a saga de Hideo Kojima não precisou fazer muito para ser considerado por mim como uma das minhas franquias favoritas dos videogames.

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E a partir daquele mesmo ano, 2012, a revelação de um jogo visualmente fotorrealista teria surgido sem muitas explicações do que se tratava, muito menos de sua produtora – uma tal de Moby Dick Studios – embora rumores já tinham começado a surgir. Eram os primeiros indícios de The Phantom Pain, o Metal Gear Solid que carregava um “V” ao contrário dos usuais algorismos que já estávamos acostumados. Esse era um dos principais indícios: Metal Gear Solid havia mudado. E não era apenas no nome: o “V” foi apenas uma fagulha num mar de petróleo que o próprio criador iria fazer questão de jogar lá pra ver tudo pegando fogo – e não que isso teria sido uma coisa ruim.

A experiência de ter zerado The Phantom Pain não bastou ser uma das mais peculiares, foi uma das mais viscerais que a série conseguiu ter – fato que acaba criando uma faca de dois gumes. Minha boca não conseguia fechar e assimilar os fatos que estavam decorrendo na tela, ao mesmo tempo que meus neurônios tentavam processar o antes, durante e o depois daqueles eventos. Uma satisfação, seguida de um entusiasmo bordado dentro de um vazio existencial não iriam conseguir descrever melhor o que eu estava sentindo. Para muitos – inclusivo para vários conhecidos – foi uma péssima sensação, por n motivos. Entretanto, ele havia conseguido de novo. Em algum lugar, lá na terra do sol nascente, eu pressentia aquele sorriso cínico, seguido da frase: ”did you like it?”

Metal Gear Solid sempre foi um jogo linear, dirigido por sua narrativa e gameplay sofrível. Kojima conseguiu provar sua visão e quebrar os inúmeros ‘tabus’ que rodeavam os 28 anos de sua franquia. Ora, como alinhar mundo aberto com uma série de jogos que sempre teve level design linear? The Phantom Pain conseguiu em inúmeras maneiras ser diferente em praticamente todos os quesitos dos jogos anteriores, o que deixou muito fã ortodoxo de cabelo em pé. Os que não estavam acostumados com uma mudança tão drástica, pontuaram e criticaram mil vezes o ritmo da história, seu desenvolver e o motivo de tudo aquilo. Será que não estávamos aceitando críticas por simplesmente ser um Metal Gear Solid?

Meu ponto aqui não é discutir isso, nem se o jogo tem uma história boa ou não, mas para mostrar outros lados que podem ter passado despercebidos. Deixando seu cargo no qual ocupou por quase três décadas, a ousadia de Kojima é algo que precisa ser considerada e levada adiante como um exemplo na indústria: ele não tem medo de mudar, não tem medo de provocar e talvez o mais importante: não tem medo de decepcionar. Em sua cartada final, podemos ver uma liberdade criativa que lutou bravamente por um longo ciclo de desenvolvimento e que soube deixar sua marca.

A fatiga já estava presente, e mesmo cansado – e ter admitido estar cansado – de trabalhar numa mesma franquia por tanto tempo, ainda há muito o que aprender além de um simples “A Hideo Kojima Game” na capa.

Metal Gear Solid V é diferente, de várias maneiras e aspectos. E não só por suas qualidades, mas por principalmente suas diferenças e defeitos que o tornam um jogo tão excepcional e tão pessoal. A despedida de Kojima da Konami e da saga Metal Gear não poderia ter sido melhor.

Obrigado e até as próximas produções, sr. Hideo.